Quanto mais vou a Ajuruteua mais gosto de lá. E ao mesmo tempo mais me aborreço com a estrutura "turismo-zero" do lugar.
Listas... Dizem que todos gostam de listas, então aqui vão duas. Vou começar pela lista do AMOR:
1- Pra começar: em Ajuruteua você não será espremido pela turba insana. Claro que as praias ficam mais povoadas nas férias e em feriadões, mas nada que se compare ao inferno que é Mosqueiro e Salinas, por exemplo. Em Ajuruteua é infinitamente mais fácil você pegar o carro e afastar-se para um lugar mais calmo do tipo "me esqueçam". Muitos dos cidadãos que vão a praia não estão motorizados, então a muvuca é mais setorizada. O povo é simples. A maior parte dos frequentadores não é de Belém, mas dos interiores próximos. Sendo assim não espere desfile de modas nem de carrão. E quem precisa?
2- Claro que como a maioria dos paraenses eles gostam de brega e do malfadado tecnobrega, mas pelos motivos acima não existe a profusão de carrões vomitando aquela nojeira no seu ouvido a todo volume. Até em julho você tem para onde fugir. Deus é Pai!
3- O banho é ótimo! A praia não é tão plana como em Salinas. Dá pra tomar um banho decente e molhar além do joelho sem precisar caminhar 2 quilômetros mar adentro.
4- São numerosas as casas de madeira próximas à praia. Nessas casas as pessoas ainda tem o direito de ficar o dia todo e a noite toda se balançando em uma rede sem maiores sobressaltos. Ajuruteua ainda guarda aquela coisa gostosa de cidade do interior com roupas no varal, cercas baixas, janelas sem grade, varandas enormes e um monte de gente dormindo a noite toda de rede no pátio SEM GRADES. Lá é muito mais tranquilo.
Diferenças: Em Salinas, ao invés de casas de madeira vemos mansões com gente morrendo de medo dentro. Estas mansões hoje estão sendo vendidas a preço de banana porque ninguém tem mais saco de sair de Belém para ficar enjaulado na praia. Dormir no pátio? Cochilar a tarde toda na rede sem preocupação? Tá doido? Os assaltos estão cada vez mais descarados. Aquilo ali está uma terra de ninguém!
5- O vento não pára. Se Deus aumentar um pouquinho o ventilador, vira tufão.
6- Casas simples na praia, de madeira: você passeia pela beira da praia, vai que vai sem rumo! Aí entra em uma dessas "habitações desabitadas" no momento, pede licença ao fantasma e se esparrama no pátio. Dooooorme então o dia inteirinho se quiser, sem ouvir nada mais a não ser o som do mar... aquele marzão sem fim e o vento delicioso que faz a gente esquecer da vida. Reclamar de quê?
ÓDIO:
1) É longe.
2) De Bragança até a praia, a estrada é um suplício. O asfalto é do tipo que solta todos os parafusos do seu carro e do seu cérebro, se duvidar. Sendo assim não dá pra correr: são 40 minutos de tortura.
3) A recepção: Chegue na praia e encontre um monte de "pousadas". Ótimo, né? Dá pra ir sem planejamento, de útima hora? Dá. Mas o que eles chamam de "pousada", qualquer turista olha, vê aquele amontoado de barracos e não tem dúvida de que chegou em uma favela. Sim meus caros, antes do paraíso (praia) você passa por um favelão de matar de vergonha qualquer cicerone paraense. Do tipo que afugenta os turistas que não estejas preparados psicologicamente. Cara... chocante. Você resolveu levar aquele seu amigo que chegou do Sul para conhecer as belezas do Pará? Prepare o cara e a sua cara porque você VAI passar vergonha. Agora vá para uma daquelas pousadas. É como diz o caboclo: "só te digo vai!" Eu mesma já dei uma checada em algumas. Mermão, a classificação é: abaixo da crítica. E a preço de hotel.
4) O café da manhã em QUALQUER LUGAR é uma pobreza. Nada que se compare às delícias das tapioquinhas e mingaus de Mosqueiro, Salinas etc. Em Ajuruteua os caboclos desconhecem totalmente o significado da palavra "manteiga". Todos os cardápios te oferecem tapioca com manteiga no café da manhã mas ninguém lá sabe o que é isso. Você pergunta se tem, eles afirmam que sim. Você pergunta: "mas é manteiga mesmo ou é margarina?" Daí o silêncio... É margarina, não tem pra onde correr. Molhadinha com coco? Desista. Cuscus? Nem pedi pra não ficar com mais raiva ainda.
5) Comprar gelo: não tem onde. Quer dizer: tem, mas você só encontra em um lugar e o gelo está sempre vendido para outra pessoa. Gelo comprometido.Tem que subornar o vendedor.
Massss...
Vencidos a distância, as trepidações da estrada, o favelão e a ditadura da margarina, o lugar em si é deliciosamente interiorano. A noite todas aquelas favelas (sim, favelas!) se tornam lindíssimas uma vez molhadas de luar, na beira da praia, com suas luzinhas amarelas saídas das janelas. A praia é ampla, enorme, dá pra passear sem grandes sustos e tudo o que parecia feio se tranforma em uma pintura magnífica.
Não dizem que "à noite todos os gatos são pardos?" Pois as palafitas de Ajuruteua na beira da praia, sob o olhar azul semi-cerrado da lua e rodeadas de marolas lentas e mornas adquirem um aspecto único, encantador, que pintor algum rejeitaria e que emocionam a gente. Eu nem sabia pra que lado olhar primeiro. Parecia que nunca tinha visto mar, nem lua, nem luzinhas amarelas ao longe nem jovens ao redor da fogueira nem sentido a areia geladinha ou ouvido o argumento ininterrupto do vento. Tudo novo, magicamente novo.
Sabe, estou a um passo de virar favelada voluntária...