Tenho planos quentes para quando ficar velhinha.
Mal posso esperar para finalmente usar uma saia verde com blusa amarela de florinhas vermelhas. Que tal? E poder dormir durante as cerimônias chatas sem um pingo de pudor.
Decidi também que não vou mais carregar peso. Não que hoje os homens não sejam gentis. Claro que eles oferecem lugar para sentar, juntam algo que cai no chão e às vezes até abrem a porta para eu entrar. O problema é que isso depende da idade do homem em relação à minha e também depende um pouco da minha produção no momento. Decotes ajudam. Só que no futuro vou abolir também os decotes - para o bem de todos.
Quando eu for uma velhinha tudo vai ser diferente! Homens e mulheres estarão a meu dispor. Abrirão portas, carregarão pacotes, oferecerão assento, buscarão água e ainda vão me abanar quando eu fingir que estiver me sentindo mal. A humanidade será meu séqüito. E ai daquele que rir do meu chapéu "grená"!
Adeus, manicura! Pra que isso? Só vou ao salão quando desejar pintar as unhas de verde e os cabelos de azul para assistir algum DVD (se ainda existirem) de show de rock.
Todos sentirão inveja da minha liberdade. Vou esfrega-la na cara do muuuuundo!
Barriguinha? Sim, e daí? Não vou posar pra Play Boy, enjoei de homem e não ganho a vida mostrando a bunda. Já ganhei, mas estou aposentada. Calma, não sou prostituta! É que vida de mulher casada sabe como é né? A bunda está incluída no pacote.
Ah, os homens! Vou rir da cara de babão deles olhando para as garotas. Na verdade hoje já rio, mas será mais divertido no futuro. E vou rir também das garotas querendo parecer sexy para os homens babões. Olharei todos como filhos e será muito engraçado mesmo. Os velhos serão amigos, irmãos, pen drive (memória auxiliar) parceiros de passeio na praça ou simplesmente uns chatos catarrentos.
E nunca mais, mas nunca mais mesmo, vou me apaixonar. Xô, babaquice! Pode anotar aí no caderninho. Coração escravizado? Nem pensar! Ficar querendo, lembrando, imaginando, suspirando, procurando um pretexto para telefonar? Tá me estranhando? Coração batendo se ele vem, coração parando se ele não liga? Dor, ciúme, medo, desejo inclemente? Nunca mais!
“- Ê gostosa!”
“- Você diz isso porque você não conhece a minha neta!”
Isso é que é resposta, né?
Vai ser legal sair de manhã para andar na praça, contar história para as crianças, comprar flores, conversar com as outras velhinhas, encomendar peças de crochê para presentear as noras, olhar de camarote a moda fazendo todo mundo de palhaço e rir dos “últimos lançamentos” que usei até enjoar quando era nova. Detalhe: essa última cena já está acontecendo. Não espalha.
Estarão inapelavelmente abolidos: os saltos altos, o bicos finos, sutiãs com arame, calcinha - especilamente as com renda que espetam, bolsa combinando, roupa apertadinha, camisolas transparentes. Em resumo: tudo o que aperta, espeta e pesa - aí incluídos os homens - desaparecerão desse universo futurista. Sobre as camisolas (não vou usar pijama. Tome nota também) serão todas de algodão e bordadas com motivos infantis: coelhinho, carinhas sorridentes, nuvens, carroça de flores, Frajola, Tom e Jerry, borboletas maluquinhas etc. Tudo bem se alguém rir. Também vou rir de tudo e de todos.
Uma velhinha pode tudo, exceto praticar exercícios de alto impacto - aí incluído o sexo. Mas e quem disse que vou querer? Não vou sentir saudade alguma do tempo em que isso era importante para mim.
Ah, a liberdade! Será doce e engraçada. A liberdade será sapeca, sem vícios e sem medo de morrer. Nunca mais irei a algum programa que realmente não deseje ir. Festa chata? Enterro? Inauguração de botique de amiga? Programa de índio? Casamentos condenados? Quinze anos mala? Vou bocejar olhando a mulherada ao meu redor descabelando atrás de presentes, roupas, cabeleireiros, horários, arranjos. Quando eu disser que não vou, não vou e pronto.
“- Mas vovó, o pessoal vai ficar magoado!”
“- Que magoado o que? Vão até curtir minha ausência.”
“- Mas mãe, eles estão contando com sua presença! Vai ficar chato!”
“- Já disse que não vou! A gente fica velha e todo mundo acha que pode mandar? Eu troquei suas fraldas, seu mijão! Agora é que não vou mesmo, só porque vocês estão querendo mandar em mim.”
“- Mas então o que é que eu digo quando perguntarem pela senhora?”
“- Digam que estou com pressão alta, que gripei, que estou com diarréia. Ou simplesmente falem a verdade: ela não veio porque é uma velhinha pentelha e está cada dia mais teimosa. Pronto.”
E qando eu não gostar de algum presente vou falar na lata.
Caraca!
E se me chatearem muito vou usar a clássica frase: “Respeitem meus cabelos brancos!” Legal. Sempre tive vontade de atacar com esses dizeres. Quando parar de pintar os cabelos finalmente será possível. Claro, porque você não espera que eu passe o resto da vida como refém de tinturas.
Vou também incorporar vários personagens. Chico Anísio que se cuide. Serei uma velhinha doente quando estiver querendo atenção, divertida quando quiser curtir com a cara dos outros, compreensiva e cheia de dicas quando estiver a fim da companhia dos jovens, religiosa, cozinheira, Forrest Gump (contadora de histórias), atleta (sério! Só ainda nãoo bolei como) sexóloga (pretendo conservar a memória), sacana (só para variar) vovozinha dedicada, velhota rebarbada, dorminhoca, espertinha, cheia do gás ou senhora bordadeira. Tudo dependerá da posição das marés, da lua, da época do ano, do ciclo das chuvas e, principalmente, do meu fígado. Porque não terei problema de pressão, entendido?
Nem tente traçar meu mapa astral que lhe dou uma bengalada.
Claro que vou usar bengala. Não porque vá precisar mas para compor corretamente um dos meus personagens de estimação: a velhinha frágil.
Para um plano perfeito não pode faltar o fecho triunfal: a morte. É quando vou sair de cena e deixar para trás todos os meus cacarecos. Jogue fora se quiser, menos as fotos e as poesias porque aí já é desaforo.
Planejo ser dessas vovozinhas cheias de saúde que fazem o favor de morrer de repente enquanto cochilam na cadeira de balanço - pode ir comprando a minha. Quero uma com o aro de madeira bem grande de forma que ocupe metade da sala e proporcione um movimento bem amplo. Não me venha com aquelas de mola.
Eu mesma vou bolar a programação para meu funeral. Músicas, flores, tempo de duração etc. Aguardem. Se não todos, pelo menos uma meia dúzia de pessoas espero que chorem, nem que seja um pouquinho. Não é possível que eu só tenha feito merda nessa vida!
Ainda não me mandaram preencher nenhum formulário mas se eu tiver escolha prometo não virar fantasma. Uma vez morta vou cair fora desse mundo com mala e cuia. Ah, esqueci que dessa vida a gente não leva nada... Bem, podem ficar com minha mala. A cuia dê para os pobres.
O certo é que pretendo ir para aquele outro mundo legal, o “Hopy Hari do Além”. Mas no caso improvável de ter que virar fantasma e precisar vagar por aqui (ô programa de índio!) juro não aparecer para ninguém a noite nem fazer barulhos estranhos na cozinha. Prometo também não arrastar correntes mesmo porque não consigo ver sentido nesse lance de arrastar correntes. Coisa mais besta! O máximo que vou fazer é olhar para todos vocês com ternura e talvez beijar-lhes a testa bem de leve para que não acordem assustados na madrugada.
Depois é claro: vou para a night que ninguém é de ferro.
Cristina Faraon