quarta-feira, 27 de junho de 2007

Não é?








Por que os palhaços são tão tristes?
Porque o esforço deles em nos alegrar parece deprimente?
Por que tenho sempre a impressão de que choram por dentro?
Por que parecem miseravelmente sós?

É como se o mundo estivesse acabando e eles estivessem ali só para nos fazer relaxar antes do suspiro final. Quase como uma extrema-unção...

Todas as apresentações dos palhaços parecem ser a última. Tudo tem cara de despedida.
E debaixo da maquiagem eles são velhos, velhos.
Verdade! Todo palhaço é velho, ainda que não seja.

Parecem que têm câncer mas escondem da família;
Remoem um amor impossível;
Palhaços não tem onde morar;
Palhaços não tem filhos, só um bichinho de estimação. E doente.
A mãe do palhaço já morreu.
Eles fumam escondido.
A cueca do palhaço é furada.
Calma! O palhaço não tem chulé. Mas tem cáries - e muitas.
Bem, esses são os palhaços do bem.
Outro dia falarei sobre os palhaços do mal. Se existem? Claro que existem! E são te-ne-bro-sos!
Aguardem.
(Cara, de onde eu tirei isso?!)
Cristina Faraon



segunda-feira, 25 de junho de 2007

Impressão


Tão fininho era o laço
que um dia nos prendeu!
E agora... tanto espaço
entre mim e o que foi meu!

Parecia tão profundo!
Parecia-me tão forte...
Um estranho moribundo
que nem esperou a morte.


Cristina Faraon
Poeta quase paraense


TROVA DO DIA


Não chores se não puderes
teus sonhos realizar:
Chora quando não tiveres
mais razão para sonhar.


Antônio Juraci Siqueira
Poeta paraense

sábado, 23 de junho de 2007

Olha só!

Gente, que coisinha linda!
"Te toisina ninda!"

Você já pegou um pezinho assim? Já cheirou? Já beijou e lambeu?

Os dedos são bolinhas pequenas de carne. O solado é liso liso. Uma delícia de passar no rosto.

Ai que saudade dos meus bebezinhos!!!!

Junho de 83

Não pensei que aquela sensação fosse possível. Não se limitavam a meras lembranças não. Foram sentimentos intensos, como se de fato eu tivesse retrocedido anos.

Na verdade jamais cheguei a desejar, como outras pessoas, ser novamente criança. Essa vontade nunca tive por diversas razões. Só que quando entrei naquela sala tudo me emocionou.

Lá não havia nada que pudesse ser considerado bonito: era uma sala de madeira com a pintura gasta. O chão igualmente rústico. A mesa da professora era improvisada por outras duas mesinhas menores juntas, cheias de livros. Um ventilador de teto, cadeiras de fórmica azul claro com braço para escrita e o mais interessante: na sala toda um cheiro inexplicável de criança. Exatamente isso.

O cheiro foi o que mais me impressionou e emocionou também. Não me refiro a colônia com cheirinho de bebê. Era muito mais que isso: cheiro de inocência, de gente limpa do pó do tempo, de vida explodindo, de sorriso sincero, de flor abrindo, de dia amanhecendo, capim fresco, pão quentinho, gotinhas de suor na testa macia; cheiro de gente que não partilha da podridão do mundo. Era O Perfume, O Cheiro.

Não sei como essas criaturinhas engraçadas e acesas conseguem deixar rastros tão profundos por onde passam. Foi então que lembrei nitidamente do que fui e não sei como ou quando deixei de ser. Até aquela data eu ainda não havia notado o tempo passar. Estava distraída demais com meus afazeres. Ainda não havia incorporado esse costume de olhar vez por outra no retrovisor da vida.

Naquele dia me assustei. Não com um novo sentimento, mas em perceber o quanto havia mudado a minha maneira de enxergar tudo ao meu redor. Em qual momento fatídico aquele “espírito de criança” caiu fora? Como consegui afugentá-lo? Só sei que por alguns instantes “ele” voltou. Pude sentir! Não precisei fechar os olhos.

Acho que ninguém ali notou o momento mágico em que novamente fui tomada. Pelo que? Fui tomada. Senti de novo aqueles sopros do passado: o esmero em arrumar o material na pasta, a alegria do uniforme novo, a impaciência para que chegasse logo a hora de ir ao colégio, os passos largos de manhãzinha, o prazer de sentir o cheirinho dos livros e cadernos novos recém-encapados. Deu até vontade de chorar. Inesparada viagem!

Outras lembranças doídas também vieram, assim como o vento traz a poeira. Lembrei da insegurança, da timidez, da sensação de não ser aceita. Lembrei de que era desajeitada e feia mas não sofri. Cenas e cenas saltavam em minha mente como se estivessem séculos espremidas no túmulo e de repente agarrassem uma chance única de voltar à vida para serem sentidas novamente. Vi os primeiros sinais da subserviência masculina diante da beleza feminina - as meninas bonitas, os meninos iniciantes... Tudo passageiro, frágil e repetido.

Disso tudo lembrei e senti um grande carinho, de mãe para filha, por aquela menina que fui: sensível, insegura e sonhadora.

Estranhamente tive a impressão de que aquela era a minha sala de aula, aqueles bonecos e letras sorridentes estavam ali para mim. Senti muita vontade de chorar, um nó na garganta, mas ninguém entenderia essa atitude ali, numa reunião de pais e mestres. Emoção estranha, difícil de compartilhar.

Voltei a mim, vim para casa com minha enorme barriga de grávida. Pela primeira vez na vida tive saudade da minha infância.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Arraial do Pavulagem


Pensei que meu coração estivesse endurecendo, ressencando. Felizmente ele deu sinal de vida quando ouvi no rádio uma das músicas do Pavulagem. Bateu emoção, bateu coração e o corpo todo entrou no clima.

É lindo o boi, as fitas, os chapéus de palha, o colorido arregalado na Praça da República. Gosto de ver as meninas de saia comprida, rasteirinha e muita graça. Graça de graça. Toda a graça!

Pavulagem só fala de coisa bonita, só evoca alegria e cores, cores, cores!
Pavulagem é irresistível e inofensivo. Apaixona mas não maltrata, só afaga e convida pra dançar.

Pavulagem aceita todo mundo, daí o nome de um dos eventos: Arrastão do Pavulagem. Quem gosta está lá, meio enfeitiçado. Até quem se veste de preto, venera a noite e está casado com a lua. Verdade! Até os bichos da noite escapolem de suas tribos pra se colorir no Pavulagem, na mais irresistível das traições.

Seus músicos não se parecem com estrela. São artistas mas a gente olha e só vê gente do bem e do bem-querer. Todos tem cara de vizinho da gente, amigo de infância, tio da melhor amiga, amigo do melhor irmão, afilhado da mãe, namorado da irmã, professor de violão, fazedor de pipa, primeiro namorado. Todos a gente conhece há um tempão, mesmo que não conheça.

Pavulagem também tem lua mas é mais do sol. Pelo menos para mim é desse jeito. Colorido, quente e irrequieto como criança feliz. Espanta tristeza, pega a gente pela cintura e sapeca um beijo de vida assim, entre um batuque e um acorde, no meio da vida. Pega a gente de jeito.

Sei lá, até parece até que no arraial ninguém tem problema. Parece que ninguém sofre por amor, estão todos felizes e bem resolvidos.

Quer saber? Naquele tum-tum-tum gostoso tá tudo certo mesmo!

Pavulagem é só carinho.
Um beijo pro boizinho!

terça-feira, 19 de junho de 2007

Generalidades 02

Hoje pela manhã, enquanto eu corria placidamente pelo condomíno onde moro, pude avistar uma cena comum, mas nem por isso menos interessante: uma revoada de homens felizes da vida, caminhando, conversando, rindo e curtindo a companhia um do outro. Sem viadagem.

Eles sempre estão por lá. Sempre se encontram e os grupos de dois ou três às vezes se juntam formando um grupão, às vezes se dissolve formando grupinhos. É essa a dinâmica.
Poucos andam sozinhos.

Sabe quantas vezes vi mulheres juntas caminhando onde moro? É a coisa mais rara do mundo. Às vezes vejo duas juntas; seis meses depois pode ser que a cena se repita. Ou não.

Geralmente mulher se junta em programações específicas mas separam-se rapidamente tão logo a tal programação acabe. É vapt-vupt. Já vi esse fenômeno da natureza quando organizaram lá no condomínio um "Spa Holístico" (seja lá o que isso seja). Aí sim: uma galera caminhava rindo e matraqueando. Quando acabou o tal Spa Holístico foi como colocar o dedo em um formigueiro: cada uma foi pro seu lado e nunca mais se encontraram.

Quem gosta de mulher? Acho que só a mãe da mulher (nem sempre) e criança de peito. Fora isso não consigo lembrar de mais ninguém. Ah sim!... ... Pensando bem: "ah, não".

Sempre desconfiei de que homem não suporta mulher. Homem gosta de sexo com mulher, mas não da mulher em si. Pode notar.

Um dia um colega, em conversa descontraída, mencionou sua grande fantasia: "acho mulher o máximo! Adoro mulher! Mas o problema é que falta o botãozinho de desligar. O que eu mais gostaria que existisse era uma linda mulher que a gente guardasse em uma caixa, dentro do armário. Quando estivesse a fim, pegava, ligava, curtia, beijava, amava... Seria o máximo! Depois acabou? Encheu? Lava, desliga, guarda no armário, reservadinha só pra mim. O problema da mulher é que a gente não consegue desliga-la!"

Pô! - disse eu.

Tem razão: ele é um crápula.

Olhe em um bar uma rodinha só de homens: todos felizes bebendo, falando merda e paquerando a mulherada.

Agora olhe uma rodinha só de mulher. Elas olham pra todo o lado, menos umas para as outras. Acabam conversando sobre problemas, zebras no relacionamento ou dieta.

Olhe de novo: uma rodinha cheia de mulher com um "bendito o fruto". O pobre quase não fala, fica murcho e bêbado no seu canto. Se ele estiver muito simpático e falante, pode crer: vai comer ou está comendo alguém do grupo. Homem só se sente bem cercado de fêmeas se existe algum interesse/possibilidade sexual. Fora isso, never!

Faltou falar da rodinha de homens com uma mulher apenas no grupo. Há um brilho indisfarçável nos olhos dela. Se ela for bonita há um brilho indisfarçável nos olhos deles todos. Mas atenção: só se ela for bonita. E se for amiga das esposas dos que estão à mesa, eles querem mais é que ela morra - ou caia fora o mais rápido possível.

Aos que me acusam de crueldade, retruco: cruel é a natureza.

A respeito dos homens: não sei se os homens são cruéis. Depois pensarei mais sobre isso.
Quanto às mulheres... a gente faz o que pode, né?

Cristina Faraon

Generalidades 01

Em Belém do Pará é mais fácil, no mês de junho, encontrar o Papai Noel fazendo ponto na Praça da República do que achar um local vendendo guarda-chuva.

Tá certo que não andei na cidade toda mas já fui ao Shopping Castanheira, ao IT Center, Magazan, Belém Importados e outras lojas "avulsas". Nada.

Alguém precisa avisar aos nossos comerciantes que aqui não chove só nos "meses de chuva". Nos meses de "não chuva" cai MUITA água também. Sei que oficialmente estamos no verão mas ninguém avisou isso a São Pedro.

Fica aqui meu protesto.
Aceito doações.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Carolina


Carolina pertencia à estirpe rara das mulheres que amam pra sempre.

Ninguém eterniza um amor no peito por querer. Antes de ser virtude, isso é uma fatalidade. Acho que Carolina nem tentou se livrar do inquilino de seu peito. Nunca notei que estivesse incomodada com a dor. Ou sua esperança era invencível ou não tinha noção de muita coisa nessa vida. Não sabia nada sobre juventude, velhice, morte, passar do tempo, novo amor, prazer, aventura, filhos, oportunidade. Nenhuma dessas idéias mudou o rumo de sua vida.

Acho que o que Carolina não possuída era mesmo noção de tempo.

Minha curiosidade levou-me a ouvir as várias histórias que contavam a seu respeito. Todos acreditavam saber quem foi o rapaz que a conquistou tão irremediavelmente e depois sumiu no mundo.

Mencionaram o filho do Dr. Durval - rapaz claro, muito bonito mas franzino e sem vontade própria. Sem cabimento. Também ouvi algo a respeito de seu primo, o qual foi recebido certa vez pela família e passou o período de um ano a se curar de mal do pulmão. Eram como irmãos, dizem. Uma vez curado foi-se embora deixando-a doente de amor. Talvez, talvez. Ouvi até dizer que foi um homem casado, militar, que teria conseguido bem mais que olhares lânguidos da doce Carolina. Falaram também em um padre, um caixeiro viajante... Ninguém sabe ao certo e ela mesma jamais se deu ao trabalho de explicar. Não falava sobre seu amor. Apenas as pessoas o liam em seus olhos, seus gestos calmos e seu quase-sorriso.

Há quem diga que jamais deixou de ser virgem.

Carolina era uma morena clara de jeito cândido. Não falava muito e nunca parecia estar apressada. A expressão de seu rosto era a de uma pessoa que guardava sempre um segredo. Com a convivência essa impressão desvanecia, principalmente porque seu dia-a-dia pacato não deixava margem para fantasiarmos mistérios.

Só lembro do dia em que a conheci, mas não lembro bem de como me aproximei e nos tornamos inseparáveis. Quanto ao meu amor, origem e fim, ainda hoje desconheço.

Não sei muito do passado de Carolina, mas sei de sua alma, seus gestos calmos, do ritmo de seu coração. Éramos amigos e eu a amava. Seu coração, um mistério. Mas ela me sorria, deixava-se amar e isso bastava.

Seus cabelos eram encaracolados castanho escuros com umas mexas douradas que mais claras ficavam sob o sol. Os olhos eram de puro de mel com cílios enormes e densos. Quem a observasse ficaria preso aos seus olhos, sem dúvida. A muito custo escorregaria o olhar para o nariz e boca, os seios pequenos, os quadris de menina.

Não era volúpia, mas uma flor. Não vulcão, mas lampejos alaranjados de sol de fim de tarde, sol morrente, primeiros ventos noturnos.

Fiz de tudo: flores e favores. Promessas mil. Dei-lhe versos, músicas e meu silêncio. Com esse último a cativei. Mas nada a fazia esquecer o que houve. Nada a fazia falar. Carolina - dócil e distante, presente e inalcançável, que no entanto deixava-se abraçar.

Todas as músicas do mundo e todas as flores estavam no cheiro de seus cabelos quando ela recostava a cabeça em meu peito. Eu era capaz de ficar horas, toda uma vida deixando esse cheiro passear dentro de mim e me acariciar por dentro. Nesses momentos todas as palavras se tornavam sacrílegas. Eu era capaz de traze-la nos braços para sempre, suportar seu mistério e olhar perdido apenas para tê-la assim, com a cabeça recostada e sem ouvir meu coração.

Não fomos a mil festas, não dançamos mil quadrilhas nem pulamos mil fogueiras na época de São João. Jamais ela foi Colombina ou bruxinha de Halowen. Seu mundo era o dos sons distantes e das luzes tremeluzindo. Nada que fosse frenético a encantava, pelo contrário.

Contei sozinho as estrelas. Localizei solitário constelações escondidas naquela areia de astros do céu do interior. Cantei e contei histórias não para ela, mas para acalmar meu coração, para dar vazão a esse vulcão de mel dentro de mim - vulcão por ela inaugurado e mantido. Ela nada pedia. O som de minha voz a acalentava independentemente do que eu dissesse. Isso lhe bastava e passou a me bastar também.

A vida passou na janela. Eu vi. Eu estava ao lado de Carolina por todo esse tempo. Ela fechou a janela. Permaneci ao seu lado, ao lado de seu coração mas fora dele.

O tempo também passou, mas ela não reparou. A janela já estava fechada. Eu ouvia sons e tentava despertar sua curiosidade para a vida. Não me parecia que tanto frescor pudesse conter-se por muito mais tempo naquele corpo querido. Mas coube. Depois esvaiu-se para sempre.

Carolina viveu um eterno presente, o que a impediu de sentir seu próprio envelhecimento. Sua alma, sua dor, tudo ficou preso naquele dia sem fim. Falei em amor, falei em luar, em flores. Evoquei todos os lugares-comuns da paixão. Falhei. Deveria também ter-lhe falado no tempo, que só sabe ir.

Em algum lugar ela está agora, ainda presente, como um lindo lago, profundo como a dor do amor. Morri nesse lago. Morri longamente naquele presente eterno de Carolina. Ainda assim não lembro de jamais ter sido tão feliz.

Cristina Faraon

terça-feira, 12 de junho de 2007

Parábola do amor (atenção: esse texto não é de minha autoria!)


O Semeador do amor saiu a semear.

Ao semear a sua semente, uma caiu à beira do coração, e, na mesma noite veio um sedutor e a roubou.

Outra caiu num coração que parecia estar aberto. Mas as muitas alternativas logo inibiram a semente, pois, no fundo, o coração não queria se deixar penetrar pelo amor.

Outra semente caiu entre muitos concorrentes. Sementes de todos os tipos de espinho, e que pegam em qualquer lugar, especialmente no chão seco, carente e desértico. Assim, sufocada, a semente do amor morreu antes de morrer no chão da umidade fértil.

Enfim, uma das sementes caiu num coração que queria amar, e que estava limpo e preparado; pois, nele, não havia sementes de enganos. Esse amou, foi feliz, e conheceu o sentido do encontro entre um homem e uma mulher.

Quem tem coração para sentir e entender, que sinta e entenda!

Caio Fábio

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Amarelei




Estou aqui como prova do meu esforço em escrever um texto sobre o Dia dos Namorados, conforme uma amiga pediu. Não está sendo fácil. Preciso que meu arquivo emocional vomite umas imagens legais, amenas, bonitas, sensíveis mas só me vem pensamentos em preto e branco. Tô com vírus?

Cupido, valei-me!

Esse deveria ser um dos temas mais fáceis do mundo. Não é.

Primeiro porque não tenho namorado, tenho marido.

Namorado é "será?..." Marido é "é isso aí!"

Segundo porque dependo de inspiração mas quando penso em Dia dos Namorados a primeira coisa que me vem à cabeça é multidão. Sério! Multidão nos restaurantes, nos motéis, multidões aflitas nas lojas, multidões correndo atrás de um presente especial para forjar um momento especial em um dia que deveria ser especial para uma pessoa que queria tanto que fosse mesmo especial.

Estou me esforçando para imaginar um ambiente relaxante, luz amena, ô música chata! decoração sensual, coisas vermelhas, cetim, tapete mofado, colchão de mola, bombons, flores roubadas de enterro, abraços, beijos, ar condicionado barulhento, vinho...

Não consigo controlar meus pensamentos! Estou sendo assaltada por perfumes fortes formando um dueto miserável, presentes que não couberam, muito sono, vontade imperiosa de dormir, tesão zero, riso amarelo, beijo chocho, cena de ciúme, lua - isso! lua! - vento do mar, cheiro de jasmim, menino catarrento vendendo flores... Ai, desisto!

O que está acontecendo comigo? Cadê meu espírito romântico? Sou mesmo um protozoário.

Vou tentar de novo: casal fogoso... jantar delicioso... vinho, sorrisos... declarações de bem-querer (falsificada, mas e daí?) encontro no restaurante com a ex dele... não aceitam cartão de crédito... fila no motel...

Chega. Minha imaginação está indiscutivelmente broxa. Vou tentar uns versos:

Noite dos namorados
Sem lua. Sou tua?

Noite dos machucados
Sozinhos na rua

Noite de vinho e queijo
Eu tua, te beijo

Proponho um amor perfeito:
"Me encerres no peito"

Me olhas desconfiado
Me abraças calado

Me finjo toda feliz
Sou mera matriz...

Amiga, valeu a intenção?
Cristina Faraon






segunda-feira, 4 de junho de 2007

Vazio




As lojas estão vazias
E as vitrines tristes, tristes.
Cartazes velhos, lâmpadas queimadas
Liquidações envelhecidas
E manequins pálidos
Com braços
Estranhamente retorcidos


Sentem dor, parece-me.

Lojas cavernosas
Vendedoras deserdadas
Da juventude e dos amores
Nada há. Tudo foi.
Mas eu ainda procuro.

Nem um pedaço de você
Nas lojas!
Nem um fio de seu cabelo,
Um toque ou um suspiro.
Nenhuma jóia que lhe substitua
Nenhum lançamento que compense
Esse universo esvaziado
O nó da vida
Preciso de um lindo presente
Mas o verbo de hoje é ontem

E ainda procuro
E procuro
E ando tanto
Nos labirintos escorregadios
Do shopping

No lanche frio
Procurei você

Procurei seus restos e sobras
Seus sinais de amor
Voltei a revirar cada vitrine
Nem assim lhe encontrei.

Cristina Faraon

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Velhinha porreta


Tenho planos quentes para quando ficar velhinha.

Mal posso esperar para finalmente usar uma saia verde com blusa amarela de florinhas vermelhas. Que tal? E poder dormir durante as cerimônias chatas sem um pingo de pudor.

Decidi também que não vou mais carregar peso. Não que hoje os homens não sejam gentis. Claro que eles oferecem lugar para sentar, juntam algo que cai no chão e às vezes até abrem a porta para eu entrar. O problema é que isso depende da idade do homem em relação à minha e também depende um pouco da minha produção no momento. Decotes ajudam. Só que no futuro vou abolir também os decotes - para o bem de todos.

Quando eu for uma velhinha tudo vai ser diferente! Homens e mulheres estarão a meu dispor. Abrirão portas, carregarão pacotes, oferecerão assento, buscarão água e ainda vão me abanar quando eu fingir que estiver me sentindo mal. A humanidade será meu séqüito. E ai daquele que rir do meu chapéu "grená"!

Adeus, manicura! Pra que isso? Só vou ao salão quando desejar pintar as unhas de verde e os cabelos de azul para assistir algum DVD (se ainda existirem) de show de rock.

Todos sentirão inveja da minha liberdade. Vou esfrega-la na cara do muuuuundo!

Barriguinha? Sim, e daí? Não vou posar pra Play Boy, enjoei de homem e não ganho a vida mostrando a bunda. Já ganhei, mas estou aposentada. Calma, não sou prostituta! É que vida de mulher casada sabe como é né? A bunda está incluída no pacote.

Ah, os homens! Vou rir da cara de babão deles olhando para as garotas. Na verdade hoje já rio, mas será mais divertido no futuro. E vou rir também das garotas querendo parecer sexy para os homens babões. Olharei todos como filhos e será muito engraçado mesmo. Os velhos serão amigos, irmãos, pen drive (memória auxiliar) parceiros de passeio na praça ou simplesmente uns chatos catarrentos.

E nunca mais, mas nunca mais mesmo, vou me apaixonar. Xô, babaquice! Pode anotar aí no caderninho. Coração escravizado? Nem pensar! Ficar querendo, lembrando, imaginando, suspirando, procurando um pretexto para telefonar? Tá me estranhando? Coração batendo se ele vem, coração parando se ele não liga? Dor, ciúme, medo, desejo inclemente? Nunca mais!

“- Ê gostosa!”
“- Você diz isso porque você não conhece a minha neta!”

Isso é que é resposta, né?

Vai ser legal sair de manhã para andar na praça, contar história para as crianças, comprar flores, conversar com as outras velhinhas, encomendar peças de crochê para presentear as noras, olhar de camarote a moda fazendo todo mundo de palhaço e rir dos “últimos lançamentos” que usei até enjoar quando era nova. Detalhe: essa última cena já está acontecendo. Não espalha.

Estarão inapelavelmente abolidos: os saltos altos, o bicos finos, sutiãs com arame, calcinha - especilamente as com renda que espetam, bolsa combinando, roupa apertadinha, camisolas transparentes. Em resumo: tudo o que aperta, espeta e pesa - aí incluídos os homens - desaparecerão desse universo futurista. Sobre as camisolas (não vou usar pijama. Tome nota também) serão todas de algodão e bordadas com motivos infantis: coelhinho, carinhas sorridentes, nuvens, carroça de flores, Frajola, Tom e Jerry, borboletas maluquinhas etc. Tudo bem se alguém rir. Também vou rir de tudo e de todos.
Uma velhinha pode tudo, exceto praticar exercícios de alto impacto - aí incluído o sexo. Mas e quem disse que vou querer? Não vou sentir saudade alguma do tempo em que isso era importante para mim.

Ah, a liberdade! Será doce e engraçada. A liberdade será sapeca, sem vícios e sem medo de morrer. Nunca mais irei a algum programa que realmente não deseje ir. Festa chata? Enterro? Inauguração de botique de amiga? Programa de índio? Casamentos condenados? Quinze anos mala? Vou bocejar olhando a mulherada ao meu redor descabelando atrás de presentes, roupas, cabeleireiros, horários, arranjos. Quando eu disser que não vou, não vou e pronto.

“- Mas vovó, o pessoal vai ficar magoado!”
“- Que magoado o que? Vão até curtir minha ausência.”

“- Mas mãe, eles estão contando com sua presença! Vai ficar chato!”
“- Já disse que não vou! A gente fica velha e todo mundo acha que pode mandar? Eu troquei suas fraldas, seu mijão! Agora é que não vou mesmo, só porque vocês estão querendo mandar em mim.”
“- Mas então o que é que eu digo quando perguntarem pela senhora?”
“- Digam que estou com pressão alta, que gripei, que estou com diarréia. Ou simplesmente falem a verdade: ela não veio porque é uma velhinha pentelha e está cada dia mais teimosa. Pronto.”
E qando eu não gostar de algum presente vou falar na lata.
Caraca!

E se me chatearem muito vou usar a clássica frase: “Respeitem meus cabelos brancos!” Legal. Sempre tive vontade de atacar com esses dizeres. Quando parar de pintar os cabelos finalmente será possível. Claro, porque você não espera que eu passe o resto da vida como refém de tinturas.

Vou também incorporar vários personagens. Chico Anísio que se cuide. Serei uma velhinha doente quando estiver querendo atenção, divertida quando quiser curtir com a cara dos outros, compreensiva e cheia de dicas quando estiver a fim da companhia dos jovens, religiosa, cozinheira, Forrest Gump (contadora de histórias), atleta (sério! Só ainda nãoo bolei como) sexóloga (pretendo conservar a memória), sacana (só para variar) vovozinha dedicada, velhota rebarbada, dorminhoca, espertinha, cheia do gás ou senhora bordadeira. Tudo dependerá da posição das marés, da lua, da época do ano, do ciclo das chuvas e, principalmente, do meu fígado. Porque não terei problema de pressão, entendido?

Nem tente traçar meu mapa astral que lhe dou uma bengalada.

Claro que vou usar bengala. Não porque vá precisar mas para compor corretamente um dos meus personagens de estimação: a velhinha frágil.

Para um plano perfeito não pode faltar o fecho triunfal: a morte. É quando vou sair de cena e deixar para trás todos os meus cacarecos. Jogue fora se quiser, menos as fotos e as poesias porque aí já é desaforo.

Planejo ser dessas vovozinhas cheias de saúde que fazem o favor de morrer de repente enquanto cochilam na cadeira de balanço - pode ir comprando a minha. Quero uma com o aro de madeira bem grande de forma que ocupe metade da sala e proporcione um movimento bem amplo. Não me venha com aquelas de mola.
Eu mesma vou bolar a programação para meu funeral. Músicas, flores, tempo de duração etc. Aguardem. Se não todos, pelo menos uma meia dúzia de pessoas espero que chorem, nem que seja um pouquinho. Não é possível que eu só tenha feito merda nessa vida!

Ainda não me mandaram preencher nenhum formulário mas se eu tiver escolha prometo não virar fantasma. Uma vez morta vou cair fora desse mundo com mala e cuia. Ah, esqueci que dessa vida a gente não leva nada... Bem, podem ficar com minha mala. A cuia dê para os pobres.

O certo é que pretendo ir para aquele outro mundo legal, o “Hopy Hari do Além”. Mas no caso improvável de ter que virar fantasma e precisar vagar por aqui (ô programa de índio!) juro não aparecer para ninguém a noite nem fazer barulhos estranhos na cozinha. Prometo também não arrastar correntes mesmo porque não consigo ver sentido nesse lance de arrastar correntes. Coisa mais besta! O máximo que vou fazer é olhar para todos vocês com ternura e talvez beijar-lhes a testa bem de leve para que não acordem assustados na madrugada.

Depois é claro: vou para a night que ninguém é de ferro.
Cristina Faraon

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Não é?








Por que os palhaços são tão tristes?
Porque o esforço deles em nos alegrar parece deprimente?
Por que tenho sempre a impressão de que choram por dentro?
Por que parecem miseravelmente sós?

É como se o mundo estivesse acabando e eles estivessem ali só para nos fazer relaxar antes do suspiro final. Quase como uma extrema-unção...

Todas as apresentações dos palhaços parecem ser a última. Tudo tem cara de despedida.
E debaixo da maquiagem eles são velhos, velhos.
Verdade! Todo palhaço é velho, ainda que não seja.

Parecem que têm câncer mas escondem da família;
Remoem um amor impossível;
Palhaços não tem onde morar;
Palhaços não tem filhos, só um bichinho de estimação. E doente.
A mãe do palhaço já morreu.
Eles fumam escondido.
A cueca do palhaço é furada.
Calma! O palhaço não tem chulé. Mas tem cáries - e muitas.
Bem, esses são os palhaços do bem.
Outro dia falarei sobre os palhaços do mal. Se existem? Claro que existem! E são te-ne-bro-sos!
Aguardem.
(Cara, de onde eu tirei isso?!)
Cristina Faraon



segunda-feira, 25 de junho de 2007

Impressão


Tão fininho era o laço
que um dia nos prendeu!
E agora... tanto espaço
entre mim e o que foi meu!

Parecia tão profundo!
Parecia-me tão forte...
Um estranho moribundo
que nem esperou a morte.


Cristina Faraon
Poeta quase paraense


TROVA DO DIA


Não chores se não puderes
teus sonhos realizar:
Chora quando não tiveres
mais razão para sonhar.


Antônio Juraci Siqueira
Poeta paraense

sábado, 23 de junho de 2007

Olha só!

Gente, que coisinha linda!
"Te toisina ninda!"

Você já pegou um pezinho assim? Já cheirou? Já beijou e lambeu?

Os dedos são bolinhas pequenas de carne. O solado é liso liso. Uma delícia de passar no rosto.

Ai que saudade dos meus bebezinhos!!!!

Junho de 83

Não pensei que aquela sensação fosse possível. Não se limitavam a meras lembranças não. Foram sentimentos intensos, como se de fato eu tivesse retrocedido anos.

Na verdade jamais cheguei a desejar, como outras pessoas, ser novamente criança. Essa vontade nunca tive por diversas razões. Só que quando entrei naquela sala tudo me emocionou.

Lá não havia nada que pudesse ser considerado bonito: era uma sala de madeira com a pintura gasta. O chão igualmente rústico. A mesa da professora era improvisada por outras duas mesinhas menores juntas, cheias de livros. Um ventilador de teto, cadeiras de fórmica azul claro com braço para escrita e o mais interessante: na sala toda um cheiro inexplicável de criança. Exatamente isso.

O cheiro foi o que mais me impressionou e emocionou também. Não me refiro a colônia com cheirinho de bebê. Era muito mais que isso: cheiro de inocência, de gente limpa do pó do tempo, de vida explodindo, de sorriso sincero, de flor abrindo, de dia amanhecendo, capim fresco, pão quentinho, gotinhas de suor na testa macia; cheiro de gente que não partilha da podridão do mundo. Era O Perfume, O Cheiro.

Não sei como essas criaturinhas engraçadas e acesas conseguem deixar rastros tão profundos por onde passam. Foi então que lembrei nitidamente do que fui e não sei como ou quando deixei de ser. Até aquela data eu ainda não havia notado o tempo passar. Estava distraída demais com meus afazeres. Ainda não havia incorporado esse costume de olhar vez por outra no retrovisor da vida.

Naquele dia me assustei. Não com um novo sentimento, mas em perceber o quanto havia mudado a minha maneira de enxergar tudo ao meu redor. Em qual momento fatídico aquele “espírito de criança” caiu fora? Como consegui afugentá-lo? Só sei que por alguns instantes “ele” voltou. Pude sentir! Não precisei fechar os olhos.

Acho que ninguém ali notou o momento mágico em que novamente fui tomada. Pelo que? Fui tomada. Senti de novo aqueles sopros do passado: o esmero em arrumar o material na pasta, a alegria do uniforme novo, a impaciência para que chegasse logo a hora de ir ao colégio, os passos largos de manhãzinha, o prazer de sentir o cheirinho dos livros e cadernos novos recém-encapados. Deu até vontade de chorar. Inesparada viagem!

Outras lembranças doídas também vieram, assim como o vento traz a poeira. Lembrei da insegurança, da timidez, da sensação de não ser aceita. Lembrei de que era desajeitada e feia mas não sofri. Cenas e cenas saltavam em minha mente como se estivessem séculos espremidas no túmulo e de repente agarrassem uma chance única de voltar à vida para serem sentidas novamente. Vi os primeiros sinais da subserviência masculina diante da beleza feminina - as meninas bonitas, os meninos iniciantes... Tudo passageiro, frágil e repetido.

Disso tudo lembrei e senti um grande carinho, de mãe para filha, por aquela menina que fui: sensível, insegura e sonhadora.

Estranhamente tive a impressão de que aquela era a minha sala de aula, aqueles bonecos e letras sorridentes estavam ali para mim. Senti muita vontade de chorar, um nó na garganta, mas ninguém entenderia essa atitude ali, numa reunião de pais e mestres. Emoção estranha, difícil de compartilhar.

Voltei a mim, vim para casa com minha enorme barriga de grávida. Pela primeira vez na vida tive saudade da minha infância.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Arraial do Pavulagem


Pensei que meu coração estivesse endurecendo, ressencando. Felizmente ele deu sinal de vida quando ouvi no rádio uma das músicas do Pavulagem. Bateu emoção, bateu coração e o corpo todo entrou no clima.

É lindo o boi, as fitas, os chapéus de palha, o colorido arregalado na Praça da República. Gosto de ver as meninas de saia comprida, rasteirinha e muita graça. Graça de graça. Toda a graça!

Pavulagem só fala de coisa bonita, só evoca alegria e cores, cores, cores!
Pavulagem é irresistível e inofensivo. Apaixona mas não maltrata, só afaga e convida pra dançar.

Pavulagem aceita todo mundo, daí o nome de um dos eventos: Arrastão do Pavulagem. Quem gosta está lá, meio enfeitiçado. Até quem se veste de preto, venera a noite e está casado com a lua. Verdade! Até os bichos da noite escapolem de suas tribos pra se colorir no Pavulagem, na mais irresistível das traições.

Seus músicos não se parecem com estrela. São artistas mas a gente olha e só vê gente do bem e do bem-querer. Todos tem cara de vizinho da gente, amigo de infância, tio da melhor amiga, amigo do melhor irmão, afilhado da mãe, namorado da irmã, professor de violão, fazedor de pipa, primeiro namorado. Todos a gente conhece há um tempão, mesmo que não conheça.

Pavulagem também tem lua mas é mais do sol. Pelo menos para mim é desse jeito. Colorido, quente e irrequieto como criança feliz. Espanta tristeza, pega a gente pela cintura e sapeca um beijo de vida assim, entre um batuque e um acorde, no meio da vida. Pega a gente de jeito.

Sei lá, até parece até que no arraial ninguém tem problema. Parece que ninguém sofre por amor, estão todos felizes e bem resolvidos.

Quer saber? Naquele tum-tum-tum gostoso tá tudo certo mesmo!

Pavulagem é só carinho.
Um beijo pro boizinho!

terça-feira, 19 de junho de 2007

Generalidades 02

Hoje pela manhã, enquanto eu corria placidamente pelo condomíno onde moro, pude avistar uma cena comum, mas nem por isso menos interessante: uma revoada de homens felizes da vida, caminhando, conversando, rindo e curtindo a companhia um do outro. Sem viadagem.

Eles sempre estão por lá. Sempre se encontram e os grupos de dois ou três às vezes se juntam formando um grupão, às vezes se dissolve formando grupinhos. É essa a dinâmica.
Poucos andam sozinhos.

Sabe quantas vezes vi mulheres juntas caminhando onde moro? É a coisa mais rara do mundo. Às vezes vejo duas juntas; seis meses depois pode ser que a cena se repita. Ou não.

Geralmente mulher se junta em programações específicas mas separam-se rapidamente tão logo a tal programação acabe. É vapt-vupt. Já vi esse fenômeno da natureza quando organizaram lá no condomínio um "Spa Holístico" (seja lá o que isso seja). Aí sim: uma galera caminhava rindo e matraqueando. Quando acabou o tal Spa Holístico foi como colocar o dedo em um formigueiro: cada uma foi pro seu lado e nunca mais se encontraram.

Quem gosta de mulher? Acho que só a mãe da mulher (nem sempre) e criança de peito. Fora isso não consigo lembrar de mais ninguém. Ah sim!... ... Pensando bem: "ah, não".

Sempre desconfiei de que homem não suporta mulher. Homem gosta de sexo com mulher, mas não da mulher em si. Pode notar.

Um dia um colega, em conversa descontraída, mencionou sua grande fantasia: "acho mulher o máximo! Adoro mulher! Mas o problema é que falta o botãozinho de desligar. O que eu mais gostaria que existisse era uma linda mulher que a gente guardasse em uma caixa, dentro do armário. Quando estivesse a fim, pegava, ligava, curtia, beijava, amava... Seria o máximo! Depois acabou? Encheu? Lava, desliga, guarda no armário, reservadinha só pra mim. O problema da mulher é que a gente não consegue desliga-la!"

Pô! - disse eu.

Tem razão: ele é um crápula.

Olhe em um bar uma rodinha só de homens: todos felizes bebendo, falando merda e paquerando a mulherada.

Agora olhe uma rodinha só de mulher. Elas olham pra todo o lado, menos umas para as outras. Acabam conversando sobre problemas, zebras no relacionamento ou dieta.

Olhe de novo: uma rodinha cheia de mulher com um "bendito o fruto". O pobre quase não fala, fica murcho e bêbado no seu canto. Se ele estiver muito simpático e falante, pode crer: vai comer ou está comendo alguém do grupo. Homem só se sente bem cercado de fêmeas se existe algum interesse/possibilidade sexual. Fora isso, never!

Faltou falar da rodinha de homens com uma mulher apenas no grupo. Há um brilho indisfarçável nos olhos dela. Se ela for bonita há um brilho indisfarçável nos olhos deles todos. Mas atenção: só se ela for bonita. E se for amiga das esposas dos que estão à mesa, eles querem mais é que ela morra - ou caia fora o mais rápido possível.

Aos que me acusam de crueldade, retruco: cruel é a natureza.

A respeito dos homens: não sei se os homens são cruéis. Depois pensarei mais sobre isso.
Quanto às mulheres... a gente faz o que pode, né?

Cristina Faraon

Generalidades 01

Em Belém do Pará é mais fácil, no mês de junho, encontrar o Papai Noel fazendo ponto na Praça da República do que achar um local vendendo guarda-chuva.

Tá certo que não andei na cidade toda mas já fui ao Shopping Castanheira, ao IT Center, Magazan, Belém Importados e outras lojas "avulsas". Nada.

Alguém precisa avisar aos nossos comerciantes que aqui não chove só nos "meses de chuva". Nos meses de "não chuva" cai MUITA água também. Sei que oficialmente estamos no verão mas ninguém avisou isso a São Pedro.

Fica aqui meu protesto.
Aceito doações.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Carolina


Carolina pertencia à estirpe rara das mulheres que amam pra sempre.

Ninguém eterniza um amor no peito por querer. Antes de ser virtude, isso é uma fatalidade. Acho que Carolina nem tentou se livrar do inquilino de seu peito. Nunca notei que estivesse incomodada com a dor. Ou sua esperança era invencível ou não tinha noção de muita coisa nessa vida. Não sabia nada sobre juventude, velhice, morte, passar do tempo, novo amor, prazer, aventura, filhos, oportunidade. Nenhuma dessas idéias mudou o rumo de sua vida.

Acho que o que Carolina não possuída era mesmo noção de tempo.

Minha curiosidade levou-me a ouvir as várias histórias que contavam a seu respeito. Todos acreditavam saber quem foi o rapaz que a conquistou tão irremediavelmente e depois sumiu no mundo.

Mencionaram o filho do Dr. Durval - rapaz claro, muito bonito mas franzino e sem vontade própria. Sem cabimento. Também ouvi algo a respeito de seu primo, o qual foi recebido certa vez pela família e passou o período de um ano a se curar de mal do pulmão. Eram como irmãos, dizem. Uma vez curado foi-se embora deixando-a doente de amor. Talvez, talvez. Ouvi até dizer que foi um homem casado, militar, que teria conseguido bem mais que olhares lânguidos da doce Carolina. Falaram também em um padre, um caixeiro viajante... Ninguém sabe ao certo e ela mesma jamais se deu ao trabalho de explicar. Não falava sobre seu amor. Apenas as pessoas o liam em seus olhos, seus gestos calmos e seu quase-sorriso.

Há quem diga que jamais deixou de ser virgem.

Carolina era uma morena clara de jeito cândido. Não falava muito e nunca parecia estar apressada. A expressão de seu rosto era a de uma pessoa que guardava sempre um segredo. Com a convivência essa impressão desvanecia, principalmente porque seu dia-a-dia pacato não deixava margem para fantasiarmos mistérios.

Só lembro do dia em que a conheci, mas não lembro bem de como me aproximei e nos tornamos inseparáveis. Quanto ao meu amor, origem e fim, ainda hoje desconheço.

Não sei muito do passado de Carolina, mas sei de sua alma, seus gestos calmos, do ritmo de seu coração. Éramos amigos e eu a amava. Seu coração, um mistério. Mas ela me sorria, deixava-se amar e isso bastava.

Seus cabelos eram encaracolados castanho escuros com umas mexas douradas que mais claras ficavam sob o sol. Os olhos eram de puro de mel com cílios enormes e densos. Quem a observasse ficaria preso aos seus olhos, sem dúvida. A muito custo escorregaria o olhar para o nariz e boca, os seios pequenos, os quadris de menina.

Não era volúpia, mas uma flor. Não vulcão, mas lampejos alaranjados de sol de fim de tarde, sol morrente, primeiros ventos noturnos.

Fiz de tudo: flores e favores. Promessas mil. Dei-lhe versos, músicas e meu silêncio. Com esse último a cativei. Mas nada a fazia esquecer o que houve. Nada a fazia falar. Carolina - dócil e distante, presente e inalcançável, que no entanto deixava-se abraçar.

Todas as músicas do mundo e todas as flores estavam no cheiro de seus cabelos quando ela recostava a cabeça em meu peito. Eu era capaz de ficar horas, toda uma vida deixando esse cheiro passear dentro de mim e me acariciar por dentro. Nesses momentos todas as palavras se tornavam sacrílegas. Eu era capaz de traze-la nos braços para sempre, suportar seu mistério e olhar perdido apenas para tê-la assim, com a cabeça recostada e sem ouvir meu coração.

Não fomos a mil festas, não dançamos mil quadrilhas nem pulamos mil fogueiras na época de São João. Jamais ela foi Colombina ou bruxinha de Halowen. Seu mundo era o dos sons distantes e das luzes tremeluzindo. Nada que fosse frenético a encantava, pelo contrário.

Contei sozinho as estrelas. Localizei solitário constelações escondidas naquela areia de astros do céu do interior. Cantei e contei histórias não para ela, mas para acalmar meu coração, para dar vazão a esse vulcão de mel dentro de mim - vulcão por ela inaugurado e mantido. Ela nada pedia. O som de minha voz a acalentava independentemente do que eu dissesse. Isso lhe bastava e passou a me bastar também.

A vida passou na janela. Eu vi. Eu estava ao lado de Carolina por todo esse tempo. Ela fechou a janela. Permaneci ao seu lado, ao lado de seu coração mas fora dele.

O tempo também passou, mas ela não reparou. A janela já estava fechada. Eu ouvia sons e tentava despertar sua curiosidade para a vida. Não me parecia que tanto frescor pudesse conter-se por muito mais tempo naquele corpo querido. Mas coube. Depois esvaiu-se para sempre.

Carolina viveu um eterno presente, o que a impediu de sentir seu próprio envelhecimento. Sua alma, sua dor, tudo ficou preso naquele dia sem fim. Falei em amor, falei em luar, em flores. Evoquei todos os lugares-comuns da paixão. Falhei. Deveria também ter-lhe falado no tempo, que só sabe ir.

Em algum lugar ela está agora, ainda presente, como um lindo lago, profundo como a dor do amor. Morri nesse lago. Morri longamente naquele presente eterno de Carolina. Ainda assim não lembro de jamais ter sido tão feliz.

Cristina Faraon

terça-feira, 12 de junho de 2007

Parábola do amor (atenção: esse texto não é de minha autoria!)


O Semeador do amor saiu a semear.

Ao semear a sua semente, uma caiu à beira do coração, e, na mesma noite veio um sedutor e a roubou.

Outra caiu num coração que parecia estar aberto. Mas as muitas alternativas logo inibiram a semente, pois, no fundo, o coração não queria se deixar penetrar pelo amor.

Outra semente caiu entre muitos concorrentes. Sementes de todos os tipos de espinho, e que pegam em qualquer lugar, especialmente no chão seco, carente e desértico. Assim, sufocada, a semente do amor morreu antes de morrer no chão da umidade fértil.

Enfim, uma das sementes caiu num coração que queria amar, e que estava limpo e preparado; pois, nele, não havia sementes de enganos. Esse amou, foi feliz, e conheceu o sentido do encontro entre um homem e uma mulher.

Quem tem coração para sentir e entender, que sinta e entenda!

Caio Fábio

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Amarelei




Estou aqui como prova do meu esforço em escrever um texto sobre o Dia dos Namorados, conforme uma amiga pediu. Não está sendo fácil. Preciso que meu arquivo emocional vomite umas imagens legais, amenas, bonitas, sensíveis mas só me vem pensamentos em preto e branco. Tô com vírus?

Cupido, valei-me!

Esse deveria ser um dos temas mais fáceis do mundo. Não é.

Primeiro porque não tenho namorado, tenho marido.

Namorado é "será?..." Marido é "é isso aí!"

Segundo porque dependo de inspiração mas quando penso em Dia dos Namorados a primeira coisa que me vem à cabeça é multidão. Sério! Multidão nos restaurantes, nos motéis, multidões aflitas nas lojas, multidões correndo atrás de um presente especial para forjar um momento especial em um dia que deveria ser especial para uma pessoa que queria tanto que fosse mesmo especial.

Estou me esforçando para imaginar um ambiente relaxante, luz amena, ô música chata! decoração sensual, coisas vermelhas, cetim, tapete mofado, colchão de mola, bombons, flores roubadas de enterro, abraços, beijos, ar condicionado barulhento, vinho...

Não consigo controlar meus pensamentos! Estou sendo assaltada por perfumes fortes formando um dueto miserável, presentes que não couberam, muito sono, vontade imperiosa de dormir, tesão zero, riso amarelo, beijo chocho, cena de ciúme, lua - isso! lua! - vento do mar, cheiro de jasmim, menino catarrento vendendo flores... Ai, desisto!

O que está acontecendo comigo? Cadê meu espírito romântico? Sou mesmo um protozoário.

Vou tentar de novo: casal fogoso... jantar delicioso... vinho, sorrisos... declarações de bem-querer (falsificada, mas e daí?) encontro no restaurante com a ex dele... não aceitam cartão de crédito... fila no motel...

Chega. Minha imaginação está indiscutivelmente broxa. Vou tentar uns versos:

Noite dos namorados
Sem lua. Sou tua?

Noite dos machucados
Sozinhos na rua

Noite de vinho e queijo
Eu tua, te beijo

Proponho um amor perfeito:
"Me encerres no peito"

Me olhas desconfiado
Me abraças calado

Me finjo toda feliz
Sou mera matriz...

Amiga, valeu a intenção?
Cristina Faraon






segunda-feira, 4 de junho de 2007

Vazio




As lojas estão vazias
E as vitrines tristes, tristes.
Cartazes velhos, lâmpadas queimadas
Liquidações envelhecidas
E manequins pálidos
Com braços
Estranhamente retorcidos


Sentem dor, parece-me.

Lojas cavernosas
Vendedoras deserdadas
Da juventude e dos amores
Nada há. Tudo foi.
Mas eu ainda procuro.

Nem um pedaço de você
Nas lojas!
Nem um fio de seu cabelo,
Um toque ou um suspiro.
Nenhuma jóia que lhe substitua
Nenhum lançamento que compense
Esse universo esvaziado
O nó da vida
Preciso de um lindo presente
Mas o verbo de hoje é ontem

E ainda procuro
E procuro
E ando tanto
Nos labirintos escorregadios
Do shopping

No lanche frio
Procurei você

Procurei seus restos e sobras
Seus sinais de amor
Voltei a revirar cada vitrine
Nem assim lhe encontrei.

Cristina Faraon

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Velhinha porreta


Tenho planos quentes para quando ficar velhinha.

Mal posso esperar para finalmente usar uma saia verde com blusa amarela de florinhas vermelhas. Que tal? E poder dormir durante as cerimônias chatas sem um pingo de pudor.

Decidi também que não vou mais carregar peso. Não que hoje os homens não sejam gentis. Claro que eles oferecem lugar para sentar, juntam algo que cai no chão e às vezes até abrem a porta para eu entrar. O problema é que isso depende da idade do homem em relação à minha e também depende um pouco da minha produção no momento. Decotes ajudam. Só que no futuro vou abolir também os decotes - para o bem de todos.

Quando eu for uma velhinha tudo vai ser diferente! Homens e mulheres estarão a meu dispor. Abrirão portas, carregarão pacotes, oferecerão assento, buscarão água e ainda vão me abanar quando eu fingir que estiver me sentindo mal. A humanidade será meu séqüito. E ai daquele que rir do meu chapéu "grená"!

Adeus, manicura! Pra que isso? Só vou ao salão quando desejar pintar as unhas de verde e os cabelos de azul para assistir algum DVD (se ainda existirem) de show de rock.

Todos sentirão inveja da minha liberdade. Vou esfrega-la na cara do muuuuundo!

Barriguinha? Sim, e daí? Não vou posar pra Play Boy, enjoei de homem e não ganho a vida mostrando a bunda. Já ganhei, mas estou aposentada. Calma, não sou prostituta! É que vida de mulher casada sabe como é né? A bunda está incluída no pacote.

Ah, os homens! Vou rir da cara de babão deles olhando para as garotas. Na verdade hoje já rio, mas será mais divertido no futuro. E vou rir também das garotas querendo parecer sexy para os homens babões. Olharei todos como filhos e será muito engraçado mesmo. Os velhos serão amigos, irmãos, pen drive (memória auxiliar) parceiros de passeio na praça ou simplesmente uns chatos catarrentos.

E nunca mais, mas nunca mais mesmo, vou me apaixonar. Xô, babaquice! Pode anotar aí no caderninho. Coração escravizado? Nem pensar! Ficar querendo, lembrando, imaginando, suspirando, procurando um pretexto para telefonar? Tá me estranhando? Coração batendo se ele vem, coração parando se ele não liga? Dor, ciúme, medo, desejo inclemente? Nunca mais!

“- Ê gostosa!”
“- Você diz isso porque você não conhece a minha neta!”

Isso é que é resposta, né?

Vai ser legal sair de manhã para andar na praça, contar história para as crianças, comprar flores, conversar com as outras velhinhas, encomendar peças de crochê para presentear as noras, olhar de camarote a moda fazendo todo mundo de palhaço e rir dos “últimos lançamentos” que usei até enjoar quando era nova. Detalhe: essa última cena já está acontecendo. Não espalha.

Estarão inapelavelmente abolidos: os saltos altos, o bicos finos, sutiãs com arame, calcinha - especilamente as com renda que espetam, bolsa combinando, roupa apertadinha, camisolas transparentes. Em resumo: tudo o que aperta, espeta e pesa - aí incluídos os homens - desaparecerão desse universo futurista. Sobre as camisolas (não vou usar pijama. Tome nota também) serão todas de algodão e bordadas com motivos infantis: coelhinho, carinhas sorridentes, nuvens, carroça de flores, Frajola, Tom e Jerry, borboletas maluquinhas etc. Tudo bem se alguém rir. Também vou rir de tudo e de todos.
Uma velhinha pode tudo, exceto praticar exercícios de alto impacto - aí incluído o sexo. Mas e quem disse que vou querer? Não vou sentir saudade alguma do tempo em que isso era importante para mim.

Ah, a liberdade! Será doce e engraçada. A liberdade será sapeca, sem vícios e sem medo de morrer. Nunca mais irei a algum programa que realmente não deseje ir. Festa chata? Enterro? Inauguração de botique de amiga? Programa de índio? Casamentos condenados? Quinze anos mala? Vou bocejar olhando a mulherada ao meu redor descabelando atrás de presentes, roupas, cabeleireiros, horários, arranjos. Quando eu disser que não vou, não vou e pronto.

“- Mas vovó, o pessoal vai ficar magoado!”
“- Que magoado o que? Vão até curtir minha ausência.”

“- Mas mãe, eles estão contando com sua presença! Vai ficar chato!”
“- Já disse que não vou! A gente fica velha e todo mundo acha que pode mandar? Eu troquei suas fraldas, seu mijão! Agora é que não vou mesmo, só porque vocês estão querendo mandar em mim.”
“- Mas então o que é que eu digo quando perguntarem pela senhora?”
“- Digam que estou com pressão alta, que gripei, que estou com diarréia. Ou simplesmente falem a verdade: ela não veio porque é uma velhinha pentelha e está cada dia mais teimosa. Pronto.”
E qando eu não gostar de algum presente vou falar na lata.
Caraca!

E se me chatearem muito vou usar a clássica frase: “Respeitem meus cabelos brancos!” Legal. Sempre tive vontade de atacar com esses dizeres. Quando parar de pintar os cabelos finalmente será possível. Claro, porque você não espera que eu passe o resto da vida como refém de tinturas.

Vou também incorporar vários personagens. Chico Anísio que se cuide. Serei uma velhinha doente quando estiver querendo atenção, divertida quando quiser curtir com a cara dos outros, compreensiva e cheia de dicas quando estiver a fim da companhia dos jovens, religiosa, cozinheira, Forrest Gump (contadora de histórias), atleta (sério! Só ainda nãoo bolei como) sexóloga (pretendo conservar a memória), sacana (só para variar) vovozinha dedicada, velhota rebarbada, dorminhoca, espertinha, cheia do gás ou senhora bordadeira. Tudo dependerá da posição das marés, da lua, da época do ano, do ciclo das chuvas e, principalmente, do meu fígado. Porque não terei problema de pressão, entendido?

Nem tente traçar meu mapa astral que lhe dou uma bengalada.

Claro que vou usar bengala. Não porque vá precisar mas para compor corretamente um dos meus personagens de estimação: a velhinha frágil.

Para um plano perfeito não pode faltar o fecho triunfal: a morte. É quando vou sair de cena e deixar para trás todos os meus cacarecos. Jogue fora se quiser, menos as fotos e as poesias porque aí já é desaforo.

Planejo ser dessas vovozinhas cheias de saúde que fazem o favor de morrer de repente enquanto cochilam na cadeira de balanço - pode ir comprando a minha. Quero uma com o aro de madeira bem grande de forma que ocupe metade da sala e proporcione um movimento bem amplo. Não me venha com aquelas de mola.
Eu mesma vou bolar a programação para meu funeral. Músicas, flores, tempo de duração etc. Aguardem. Se não todos, pelo menos uma meia dúzia de pessoas espero que chorem, nem que seja um pouquinho. Não é possível que eu só tenha feito merda nessa vida!

Ainda não me mandaram preencher nenhum formulário mas se eu tiver escolha prometo não virar fantasma. Uma vez morta vou cair fora desse mundo com mala e cuia. Ah, esqueci que dessa vida a gente não leva nada... Bem, podem ficar com minha mala. A cuia dê para os pobres.

O certo é que pretendo ir para aquele outro mundo legal, o “Hopy Hari do Além”. Mas no caso improvável de ter que virar fantasma e precisar vagar por aqui (ô programa de índio!) juro não aparecer para ninguém a noite nem fazer barulhos estranhos na cozinha. Prometo também não arrastar correntes mesmo porque não consigo ver sentido nesse lance de arrastar correntes. Coisa mais besta! O máximo que vou fazer é olhar para todos vocês com ternura e talvez beijar-lhes a testa bem de leve para que não acordem assustados na madrugada.

Depois é claro: vou para a night que ninguém é de ferro.
Cristina Faraon