segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Lero-lero pra 2008

É ou não é uma ironia? A cada ano novo todos nos tornamos mais velhos.

Então comemoramos o quê nessas "viradas de ano" (credo!)?
Acho que comemoramos a deliciosa fantasia da "página em branco", limpinha, para começarmos tudo de novo. Nova chance, Deus zerando o nosso counter... O passado morreu e ninguem se lembra mais "daquilo".

Quem dera, né? Mas vá lá. Sem fantasia o que sobra da vida? Sobra mesmo muita coisa, mas não é o recheio, com certeza.

Sem fantasia sobra o alface, a beterraba, o peito de frango grelhado e umas bolotas de soja. Tudo com pouco sal. Faz um beeeeem!

Em 2008, criemos todos juízo. E se isso nos tornar menos interessantes, repensemos a mudança. Se der, jogue fora a fantasia e se torne um esbelto emocional. Seja um exemplo mas tente fazer isso sem ser chato. Se você você se tornar chato, volte correndo à lixeira e vista tudo de novo. Depois a gente pensa juntos em um jeito mais simpático de crescermos em 2008.

É isso aí. Por enquanto.

domingo, 23 de dezembro de 2007

A visita


Ela entrou pela porta da frente. Como? Até hoje não sei.

Em meio a tantas outras visitas ela simplesmente fez-se uma a mais. Misturou-se, veio junto e até fez amizades. Como encontrou nosso endereço?

Dona Dor é aquela visita incômoda que vai adquirindo direitos e por fim, conquista um espaço só seu dentro da casa. Querendo ou não ela passa a influenciar nas decisões do lar, acompanha a família às festas, ajeita a cortina, remenda a almofada, rouba flores de velório para decorar a casa... E não é que fica lindo?

Nem todas as vezes fica para dormir mas só vai embora tarde da noite. Bem tarde. É verdade que as vezes desaparece por uns tempos mas sempre volta. Geralmente quando já esquecemos dela.

Dona Dor nem sempre dá explicações. As vezes dá a entender que fomos nós quem a convidamos. Outras vezes diz que a casa é dela... ou que veio porque fomos nós que deixamos a porta aberta e ela se sentiu convidada. Ela suporta nossas perguntas mas não se anima em dar respostas. E quando dá, se contradiz em seguida. Ela adora contradizer-se. Ah como se diverte com isso!

Não se engane: não importa quanto tempo passe mas ela voltará. Sempre volta e cada vez em intervalos de tempo menores.

Dona Dor sempre nos ajuda com a decoração. Parece pouco mas quando falta, faz falta. Dona Dor sabe enfeitar o "ininfeitável" e decorar o "indecorável". Arranja beleza não sei como e a gente sempre se pergunta onde teria adquirido tanto bom gosto.

Nunca sabemos quando vai embora. As vezes parece que não vai nunca. Outras vezes sai pela porta da mesma forma sorrateira como entrou. Ela sempre nos incomoda: quando vem e quando vai. Indo ou vindo ela é o que é.

Quando chega sempre arranja um canto para ficar. Quando permanece incomoda. Quando vai... Não é bom nem ruim: é apenas estranho.

Fica um espaço quando parte. Se não colocarmos nada em seu lugar, ela volta. Precisamos arranjar rapidamente um vaso de flor, uma poltrona, uma luminária. Dona Dor não resiste a espaços vazios.

Claro que não a queremos de volta mas temos que admitir que sem ela nunca mais teremos aqueles arranjos de flores...

Cristina Faraon

sábado, 15 de dezembro de 2007

Confraternizações e piscinas

Ainda no clima de dezembro:

Fico pensando se esse tanto de confraternização de final de ano expressa algum tipo de alegria real... Acho que a pergunta procede porque não é possível que não reflitamos sobre os fenômenos sociais que nos acomentem (nossa! Sempre quis usar uma frase assim. Gostou?)

Se não é felicidade em estado bruto (e põe bruto nisso!) talvez esteja mais mais para busca. Ou quem sabe não passe de um "vai-na-valsa" que ninguém entende muito bem mas adere assim mesmo. E depois do quinto chope, o que importa?

Não pensem que escolhi o ano de 2007 para implicar com tudo. Sou apenas uma pensadora - "atividade" muito valorizada na antiguidade, fique você sabendo.

Ontem fui à milésia confraternização. Abre parêntesis: foi a minha vez de cair no conto do Amigo Invisível. Comprei um presente de O Boticário e ganhei em troca um pacotinho beeem pequeno. Torci para que fosse um baton de qualidade mas logo me desapontei. Adivinhem! Acertou! Era um frasquinho de "reparador de pontas" (pontas de cabelo!) - produto que não deve ter custado nem cinco reais. Não me considero uma pessoa mesquinha, mas ontem doeu... Fecha parêntesis.

Pois bem: havia no local um grupo tão animado, mas tão animado que minha reação oscilava entre inveja e medo. Era sobressaltada vez por outra por gritos, exclamações incompreensíveis, uivos, pulos... E para aliviar as tensões, palavrões eram pronunciados com candura tal que chegava a enternecer a alma mais empedernida. Tudo dentro do mais legítimo Espírito Natalino. Eu acho. Se não for o tal, não sei bem a que atribuir aquelas manifestações paranormais.

Não me atrevi a por a culpa em Jesus Cristo.

Pois é: de lá para cá fiquei a me perguntar qual seria o motivo de tanta empolgação. Por que agiam assim, Santo Deus, tão fora dos padrões do dia-a-dia? Não tinham dívidas? Doenças? Chifres? Ninguém estava com o emprego por um fio? Ninguém se sentia só, com cólica ou calo?

Interessante como as pessoas atendem placidamente a voz de comando de cada época do ano. Finados: hora de chorar; Dia dos Namorados: hora de se comportar romanticamente; Natal: agora é pra ficar emotivo viu, galera? E valorizar a família. Carnaval: soltar a franga (entenda-se: "dar pra todo mundo") e por aí vai.

Em termos de "fenômeno provocador de felicidade", depois das confraternizações o que vem em segundo lugar com certeza são as piscinas domésticas. De clube não vale.

Dinheiro não traz felicidade mas piscina sim.

Explico: onde moro pude comprovar que nas casas onde existe piscina a felicidade está garantida. Aos finais de semana, pelo menos. É uma coisa mágica!

Piscina em casa é sinônimo de ajuntamento de crianças saudáveis comemorando com alegria desesperada o próprio existir. Lindo! Na vizinhança ninguém dorme, estuda ou faz oração: todos se tornam platéia para "aquilo". É como nas confraternizações: gritos, risadas descontroladas, música, disposição para continuar indefinidamente, abraços, comida, palavrões, bebida...

Gente, se eu soubesse que piscina trazia tanta felicidade nem teria comprado carro ou mobiliado a casa. Estou revendo meus conceitos...

Se você não tem piscina em casa é digno de pena. Mas como Deus é pai você pode, todos os finais do ano, ter acesso ao seu quinhão de alegria garantido pela infinidade de confraternizações da época.

Só advirto que tome cuidado com um certo "Amigo Invisível" (ou "O Tenebroso") que anda assombrando por aí. É fácil reconhece-lo: é um Papai Noel às avessas. Além de te desapontar, vai te encher de dívidas.

Legal, né?

Cristina Faraon

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Estranho vício


Que eu lembre assim, de sopetão, não tenho nenhum vício. Ou, como dizia uma conhecida minha: "fumar, beber, jogar... Desses viciozinhos tolos eu não tenho nenhum."


Mesmo sem ter vicíos posso entender alguns. A ciência explica de forma razoavelmente compreensível aos indoutos (como eu) o motivo de alguém se viciar em cigarro, jogo, bebida, drogas... Até que dá pra entender. Mas os viciados em trabalho desafiam minha capacidade de compreensão.


Existem pessoas que se inquietam frente a possibilidade de "não ter nada pra fazer". Têm crises de ansiedade - "Oh, que calamidade!" Não podem ficar paradas e declaram orgulhosamente que amam trabalhar: "O trabalho é minha razão de viver. Não sei ficar parado". São os viciados em trabalho. Credo.


Segundo a psicóloga Denise Mendonça de Melo (viva o Google!) os viciados em trabalho "passam pouco tempo com a família e mesmo quando estão presentes o assunto é sempre o trabalho. Sendo assim, o período de férias torna-se um suplício, pois longe de seu “habitat natural” sentem-se muito incomodadas, acreditando que estão desperdiçando tempo com futilidades e que por isso são pessoas inúteis. Anseiam para voltar ao trabalho, não conseguem relaxar."

Jesus, tende piedade dessas almas.

Li também que "Artigos científicos publicados em revistas de todo o mundo costumam levantar a hipótese de que boa parte dos seres humanos apresenta uma “predisposição psicológica” para o vício em trabalho."

Tô fora.

Entendo bem as pessoas que gostam do que fazem, que trabalham com afinco, são prestativas e dão o melhor de si em uma tarefa - têm um alvo a alcançar. Mas dá um nó em minha cabeça imaginar que um ser humano livre consiga resumir sua vida ao trabalho e ainda se gabe disso.

Para mim o trabalho é uma maneira legítima de realizarmos nossos sonhos. E é maravilhoso quando gostamos do que fazemos. Só que gostar do meu trabalho é bem diferente de viver para ele. Gostar é bom mas "viver para" é um tipo de maluquice. Pelo menos é o que eu acho do alto da minha pseudo-sanidade.

Sei perfeitamente que existem profissões com o poder de absorver grande parte do tempo de suas vítimas. Elas - as vítimas - por necessidade e/ou senso de responsabilidade se esforçam para cumprir todas as tarefas impostas pelo feitor - digo, empregador. Nisso passam 10, 12, 14 horas por dia. Se essas pessoas forem emocionalmente saudáveis preferirão viver de outra forma e nesse exato momento devem estar maquinando alguma maneira de sair dessa fria. Mas se o "prazerômetro" desse ser já tiver sido seriamente danificado ele vai continuar... até cair pra trás, roxo.

Uma pessoa com o "prazerômetro" danificado, quando de folga não consegue se livrar daquela sensação desgraçada de estar esquecendo de fazer alguma coisa importante. Sente uma "cuíra" misturada com sentimento de culpa quando não está com a enxada na mão. Outros sintomas:
Não consegue relaxar, sua frio e por fim fica dando voltas na casa procurando o que fazer; checa se a lâmpada precisa ser trocada, rearruma as gavetas - dessa vez por ordem de preço, não mais de cor - dá outro banho no cachorro, corta as unhas de todas as crianças do bairro, revira a casa procurando lápis para apontar, meia furada pra cerzir, pede a Deus que um passarinho cague em seu carro para que possa lavá-lo de novo, numera os gatos da vizinhança - tudo isso pra não precisar ficar uma hora balançando em uma rede, ouvindo música e tomando uma água de coco. Dá até pena.

Em meu profundo e profícuo exercício de pensar já concluí que para alguém chegar a esse estágil lamentável de desprezo ao ócio eventual a porta de entrada é sempre a mesma para todos: fuga.

Paira na vida desse tipo de pessoa o medo de refletir sobre a própria realidade. Ela teme dar de cara consigo mesma ou ter que "discutir a relação"com o sujeito do espelho. Seria a morte se descobrisse que sua vida é uma tremenda furada, que está infeliz e que prefere trabalhar até três da manhã do que ter que fingir que ama a pessoa com quem dorme.

Não estou criticando ninguém! Entendo que fugir não faz ninguém feliz, mas anestesia. É legítimo e humano tentar fugir da dor.

O trabalho, para alguns, é uma maneira de fugir sem parecer covarde. Bem, se essa fuga te deixar mais rico tudo bem: os herdeiros agradecem. Continue até morrer. Mas se não está nem ficando rico, receio que você esteja fazendo um mau negócio.

Aqui vai minha contribuição para a sua vida sem sal: uma pequena lista de sugestões de fuga que, a meu ver, são mais divertidas do que trabalhar em excesso:


Faça sexo (se não for exatamente disso que você estiver fugindo, claro);

Leia um livro. Auto ajuda não; é profundo demais.

Escreva um livro e empurre na goela dos amigos;

Leia uma revista de abobrinhas. Não me refiro a culinária, mas não deixa de ser uma opção.

Durma. E sonhe colorido de preferência.

Vá para uma academia e deleite-se em acreditar que está "embonitando".

Desista da beleza e vá com os amigos festejar sei-lá-o-quê no barzinho.

Tome um banho de espumas e vá dormir novamente.

Fique na janela estudando o valor social das bundas.

Visite aquela tia que talvez não viva até o próximo ano. Dê assim aos seus sobrinhos um bom exemplo...

Faça um check-up (só recomendo isso se voce tiver quase certeza de estar saudável)

Assista um filme bem triste e descubra o quanto sua vida é maravilhosa.

Faça compras.

Em caso de pobreza excessiva, vá ao shopping só olhar. Sonhar é de graça - ainda.

Curta um "dia da noiva" (ou do noivo) em algum salão de beleza. Dizem que a pessoa sai de lá 3 anos mais jovem. E um mês mais pobre - mas isso é só detalhe.

Evite seções de massagem porque nessas ocasiões a pessoa acaba pensando na vida e você não está preparado pra isso.

Converse com alguém na internet. Se for seu dia de sorte, em meio a tantos jumentos você conseguirá encontrar alguem minimamente alfabetizado.

Quanto tempo faz que você não usa o fio dental? Pois é: mãos a obra.

Cante uma mulher difícil. Se você está de folga terá tempo de experimentar todas as táticas pra ver qual funciona. Vai que dá certo! E no final de tudo você ainda poderá escrever um livro sobre isso e ganhar uns trocados.

Se nenhuma dessas sugestões lhe agrada aceite mais essa: consulte um psiquiatra ainda hoje. Sério.

Agora me dê licença que eu estou de férias e preciso bater o cartão de pontos na rede que está pendurada lá no meu pátio.

Cristina Faraon


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Noronha

Não, esse título não tem nada a ver com o nome de algum novo gatinho de estimação.
´
Estou em Fernando de Noronha - caso alguém esteja interessado em saber por onde ando.

Obviamente estou empolgada com tanta beleza. Recomendo a viagem. Antes porém sugiro que vendam alguns bens.

Hoje fiz mergulho. Adorei, mas pensei que fosse uma coisa mais fácil e banal. Nada disso. Dá uma tremenda aflição, cansa, pinta medo... mas vale a pena. E como!

Depois mostro umas fotos para vocês, tá? Por favor, não percam o sono enquanto eu providencio. Juro que vou mostrar.

Confirmei o que já desconfiava há tempos: os seres humanos NÃO FORAM FEITOS para habitar o fundo dos mares. O ambiente é lindo mas inóspito para nós. E olha que nem apareceram tubarões!

A pressão lá embaixo é muito grande e o ouvido sente. Os pulmões também. Quanto mais fundo mergulhamos pior a sensação de peso, opressão nos pulmões, perigo e desampado. Dificil deixar de imaginar a merda que seria ter um ataque de tosse lá embaixo...

Agora entendi porque os peixes não tem ouvidos: porque lá embaixo dói muito e eles teriam certa dificuldade em apertar o nariz para tentar desentupi-los. A natureza é sábia.

Uma coisa com a qual eu não contava: os instrutores nada me disseram sobre o risco de um acesso de risos. Por várias vezes tive que usar todo o meu poder de concentraçaõ para não rir da aparência de certos peixes. Havia um que parecia um retalho de pano florido. E para completar a impressão ele deixava-se jogar sobre uma pedra de um jeito bem engraçado. Parecia toalha de mesa de restaurante do interior.

Havia um peixe lindo, azul escuro com detalhes muito fashion em neon. Se não era neon resta-me dizer que a imitação era perfeita. Ah, também vi um que parecia ter os dois olhos de um lado só. Não deu para checar se do outro lado haviam mais dois... Tendo ou não tendo ele já está classificado na categoria "ESTRANHO".

Fiquei um pouco desapontada com a indiferença deles em relação a minha pessoa. Não me conformo de não terem me achado nem um pouco assustadora. Eles passeavam tranquilos a minha frente (e por cima e por trás também. E por baixo) demonstrando o quanto me acham comum. Chato, né? Só se esquivavam quando eu tentava lhes fazer um cafuné. Decididamente os peixes não apreciam essa demonstração de afeto.

Os cardumes passavam por mim como se eu não oferecesse perigo algum. Na verdade não oferecia, mas eles não precisavam deixar isso tão claro!

Bem, são essas, inicialmente e atabalhoadamente, minhas primeiras impressões do fundo do mar.


Cristina Faraon

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Não contem nada a eles!


O boi, o frango, o peixe, a capivara, o camarão, o marreco, a lula...

Como você, eu também devoro animais - sem trocadilhos.

Não, não me sinto nem um pouco culpada por isso e não vou erguer a bandeira magra e pálida do vegetarianismo. Meu pensamento é o seguinte: deu mole, virou refeição. Nunca aconteceu com você?


Calma! Estou me referindo (sinceramente!) a alimentação. Sabe essas coisas que a gente faz na cozinha, na mesa... Hmmm... Deixa eu melhorar: refiro-me a essas coisas que tem a ver com panelas, tempero, sobrevivência, mastigação. Ficou claro?

Continuemos.

Não sou vegetariana. Quero a saciedade que vem das carnes, quero me sentir "das cavernas" de vez em quando. Faz bem. Comer carne é (do lado de lá e do lado de cá) animalesco, violento e, talvez por isso mesmo, delicioso. O sangue é só um detalhe.
Você deve estar se perguntando o que, então, me levou a iniciar esse texto falando de seres tão comestíveis? O boi ... o frango... o peixe... O que, nesse simpático corredor da morte, instigou minhas considerações?

Tomemos como exemplo o frango: quantas e quantas vezes já me flagrei com um frango entre os dentes e o coração pesado a considerar a brevidade daquela vidinha tão desprovida de prazer e sentido. Tem sido doloroso pra mim imaginar que algo sagrado e misterioso como a VIDA possa acontecer sob determinações estatísticas e contábeis, com o fim único de ser destroçado por humanos impiedosos.

Pense em toda aquela expectativa da galinha, do "coito" à constatação de que mais um lindo ovo viria ao mundo! E para quê? Pra ser quebrado em minha frigideira. Ou sadicamente alimentado e espionado até atingir a idade do abate. Que porcaria de vida é essa?!

O camarão "singrando" os mares, fazendo planos para o futuro, sentido-se livre, jovem e desejado pelas camaroas ... Mal sabe ele que o "mar" que está singrando não passa de um viveiro safado e que sua vidinha vai acabar tão logo ele atinja o tamanho ideal.

Cruel.

Cruel, mas gostoso.

Cruelmente gostoso. E nem sai sangue!

Podemos dizer o mesmo do boi e de tantos outros desafortunados que pisaram esse mundo sem perceberem que nenhuma de suas qualidades seria apreciada, a não ser o valor nutritivo.

Do nascimento a morte o que pode haver de interessante na vida de um bicho desses? Pode até haver mas jamais saberemos. Jamais! Por que desenvolveram inutilmente habilidades? Por que aprenderam a andar, nadar ou voar? Por que ter lindas penas ou pelos macios se tudo se acabará no Auschwitz da nossa cozinha?

Qual a especial ventura ou aventura, o plano de existência, o ato de bravura a ser registrado? Quem se interessa pelo que cada um desses animais possa ter de singular? Manias, preferências, fobias, sobressaltos... De nada disso restará lembrança. Passam pela vida como coisas vãs, como nada! E no entanto são tão complexos em sua formação... A vida neles também é um mistério, tanto quanto em nós. Que força os sustenta? De onde vem? Como se mantém e para onde vai? Quem se importa? Toda a ciência de seu micro-mundo está destinada ao nada... a ser perdida para sempre.
Sabe, isso me inquieta. Não o suficiente para passar fome, mas inquieta.

Eles enxergam, ouvem, sentem as exigências da natureza, a aproximação do predador ou da fêmea, sentem fome, cansaço, aflição... Para quê? Tanta complexidade desperdiçada...
Se eles soubessem - não conte nada a eles! - o quão breve e pobre suas vidas são e quão cruamente estão destinados ao buraco negro do esquecimento... Se eles pudessem ao menos refletir sobre a porcaria de vida que levam...
Sabe, acho que eles se revoltariam. Ou ficariam deprimidos - não haveria Prozac suficiente no mundo. Ou quem sabe, uma vez dotados de entendimento, eles se contentassem em escrever um blog cheio de indignação e amargura.
Ah como é confortável ser contada entre os humanos! Eu: um ser superior! Obra prima da criação de Deus reinando sobre os outros animais. Os reis da floresta somos nós! Ah que chique mandar no pedaço, escolher quem morre e quem não morre, se é com fritas ou farofa... ou quem sabe umas torradinhas. E chope!
Somos quase divinos. Pare para pensar. Pelo menos em comparação a uma lula eu sou. Falo por mim. Não sei você.

Então, enquanto pesarosamente eu comia e lamentava a má sorte daqueles seres inferiores e azarados, me ocorreu o seguinte: será que esse mesmo tipo de consideração também "aflige" os vermes que, debaixo da terra, esperam por nós? Por mim?!
-"Pobres humanos... Que sentido tem suas vidas? Se eles soubessem que a única finalidade das suas existências é nos alimentar... Vidinha mais besta! tantos projetos, tanto suspens, tanta complexidade desperdiçada... Não contem nada a eles!"


Cristina Faraon

sábado, 3 de novembro de 2007

Pra quê?



Dia desses me senti meio patética (de novo!) vagando pelo shopping, tentando encontrar alguma coisa que valesse a pena ser comprada.


Tudo sem graça, manjado. E cada vitrine que eu olhava me encarava com perguntas irritantes:


- Um anel... Mas pra quê? Você tem vários e eles não melhoraram em nada a aparência das suas mãos. Não se iluda.

- Você tem mesmo certeza de que quer essa droga de vestido? Vai para onde com ele? Vai ver quem? Essa cópia de cópia vai ficar mofando meses em seu armário e você se sentirá pior ainda.

(Droga! Vamos aos sapatos.)

- Sapato de novo?! Conplexo de centopéia... Quantos pares de pés você tem, mulher? Tudo bem, se isso te fizer feliz compre. Mas nós sabemos muito bem que não te melhorará em nada, nem por dentro nem por fora.

(Ódio! Vou lanchar.)

- Vai engordar assim, de graça, sem nem estar com uma fome que justifique a transgressão? Depois já sabe: vem aquele sentimento de culpa, o espelho inclemente, as roupas que encolheram...

- Mulher, vá para a sua casa! O que você está fazendo aqui? Vá! Vá! Xô!

Responder o que? Fui. Mas antes resolvi me consolar com um sorvete. Não precisa estar morrendo de fome pra tomar sorvete, não é?

Uma vez ingerido não pude evitar: fiquei pensando na guerrilha interna que acabava de ser iniciada dentro do meu nobre corpo.

A gordura desesperada, procurando uma trincheira.

A área vip é o abdômem. Toda gordura do mundo quer ir para esse céu amarelo, mole e escorregadio. Quem não conseguiu classificação teve que se contentar como "classe média" acumulando-se em minhas costas.

As coxas são classificadas (segundo análise do modus operandi da invasora) como a pior parte da segunda classe. Elas não fazem muita questão de ir para lá mas acham preferível do que fazer volume um minha bunda. Filhas da mãe!


O espaço para essa guerra não é tão vasto, felizmente. Tenho procurado dificultar o acesso da inimiga às áreas principais, protegendo-as com exercícios físicos. Só que nem sempre isso é o suficiente. Atualmente são minhas únicas armas, além do ingênuo adoçante.

Ultimamente tenho percebido uma sutil "invasão de terras" também nos braços e queixo - áreas antes ignoradas e que têm tudo para passar a ser consideradas "vip". Era só o que me faltava! São locais difíceis de isolar. O canhão da ginástica nunca chega até lá. A solução deve ser drástica: capturar as invasoras manualmente e mandá-las para o campo de extermínio - entenda-se: lipoaspiração. Aguardem.


Se ginástica não resolve tudo, menos ainda roupas novas poderão resolver. Essas considerações foram revolvendo meu "estômago emocional" . Fui então pegando um nôjo - sério! - das roupas, das blusas, blusões, blusinhas, colares, sandálias, calcinhas... Cada lembrança, uma careta. Cada peça, um arrôto. Tudo me pareceu excessivo, colorido demais, fútil, pequeno, "aperuado".


Eu já estava prestes a vomitar mas meninas simpáticas me perseguiam para dizer que eu poderia comprar meio mundo e começar a pagar só em 100 dias.


Acho que vagar pelo shopping é a penúltima etapa para o fundo do poço. Tive pena de mim mesma...


Não quero nem saber como é o fundo do tal poço. Muito menos onde fica. Por favor, guarde para você essa informação.

Cristina Faraon

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Existe?


Há quem acredite na existência de duendes. E fadas. Seres extra terrestres. Sei que existe uma galera que jura já ter sido abduzida.
Tem gente que acredita em bruxas, em regeneração, em vida eterna, em igualdade, em homens fiéis...
Não estou animada a falar sobre essas coisas. Nada disso me inquieta, nada disso tira a minha paz.
Mas hoje ... Essa foto mexeu comigo.
Será que isso existe?
Claro que você não vai me perguntar "isso o quê?" Claro que estamos falando do momento supremo registrado por essa foto.
Essa representação de felicidade não estaria um tanto exagerada? Isso é para nos entreter ou para nos enganar? Tem a ver com a vida real? Essa liberdade toda não contraria a legislação vigente? Acho que a moça aí, de tão feliz conseguiria voar. Espero que tenha autorização.
Ah, quero sentir isso. Desse jeitinho mesmo. Vou me concentrar pra ver se pelo menos consigo sonhar que estou num lance desse.
Calma, calma! Respiremos fundo e analisemos.
Se considerarmos que o imóvel de onde a moça evadiu-se, representa apenas o invólucro de sua alma, poderíamos interpretar a figura como um flagrante imaginário de um momento único: a morte. Legal, não é? Até aí não vejo nenhum absurdo.
O problema é se...
... E se a foto não tiver nada de metafórico? E se for a verdade escancarada de alguns poucos agraciados pela vida? Aí o bicho pega... Não, talvez o bicho não pegue, porque a garota está livre, leve e solta.
Mas persiste a pergunta: é possível que ainda aqui em nosso planeta, arrastando carne, ossos, músculos, gord - deixa pra lá - é possível que nos encontremos um dia em meio a esse desespero de liberdade?
É possível sair por aí mostrando todos os dentes, correndo descalça, pulando, gritando talvez? Não seria um tanto ... subversivo? Anti natural? Indecente?
Será que, porventura, poderia vir a acontecer... comigo?

Cristina Faraon

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Que fofo!


Por falta de tempo de nos encontrarmos, costumo conversar com minhas amigas via internet. Ultimamente uma grande amiga e eu comentávamos o teor de um dos meus textos. Na continuação do diálogo, olhem que e-mail fofo ela me mandou!
Só não digo o nome dessa amiga porquecerta vez ela me disse que acha esse lance de blog uma coisa meio estranha: "é muita exposição!" rsrsrs.
Ela é muito sóbria e recatada.

"Olha, Cris, meu tempo é muito cheio de acadêmicos afazeres, mas também não sou assim uma pessoa tão incorruptível (rsrs)! De vez em quando (principalmente quando trabalho em casa) dou uma escapulida pela Internet. Hora do recreio! E se eu achar uma bolachinha com chocolate pra degustar, melhor ainda!

Pois é, teu texto era uma bolachinha com chocolate dos 2 lados... Saudável como o rir de nós mesmos... Não tive a impressão que estava registrando um "mau" momento. Ao contrário, deu para perceber muito bem a tua leveza e teu bom humor, e entendo o que estás falando a respeito da tua nova liberdade de ser.

Estou começando a enxergar algumas coisas das reações viciadas que a gente adquire em anos de igreja sem aprender a desconfiar de tudo que nos leva a nos esconder atrás de máscaras espirituais. A liberdade de ser é uma coisa contagiante. Falei que estava "pensando em voz alta", com toda a liberdade de uma amiga, sem nenhuma crítica velada atrás de minhas palavras, para tentar analisar honestamente o desconforto que sinto, principalmente se eu penso na categoria de pessoas passíveis de se escandalizarem com essa liberdade. É verdade que não dá para ficar sempre se preocupando com o que as pessoas vão pensar, mas no fundo não consigo parar de me preocupar e acabo voltando à velha pergunta: é lícito sacudir os escandalizáveis escandalizando-os com nossa liberdade ou não adianta? Seja uma estratégia ou seja espontâneo. Não sei...

Enfim, acho que tu sempre estás algumas milhas na minha frente, na reflexão a respeito de nossa experiência cristã. Achava isso quando te conheci de longe, nos anos 80, esbanjando uma batistésima segurança nas doutrinas (ainda que como forma de procurar uma segurança) e agora, nesse teu processo de busca de odres novos. És uma amiga estimulante, tá vendo! "

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Desconfio


Sempre olhei assim, meio de lado, para as pessoas que fazem questão de mostrar pra todo mundo o quão felizes elas são. São a pior vertente do Politicamente Correto.

Quem é sincero, mas sincero mesmo, não é politicamente correto - convenhamos. A vida de ninguém é um cartão postal e se parecer com um, desconfie.

Você já se sentiu logrado por fotografias de lugares paradisíacos que não eram tão paradisíacos assim? A areia não era tão fina, a água não era tão clara, a praia não era tão lotada, as moscas não eram tão persistentes... Pois é.

Os Manequins de Vitrine de Subúrbio - doravante chamados MVS - são uma propaganda viva de... de quê mesmo? Ah sim: às vezes de uma religião, de uma causa, filosofia, um movimento... Uma utopia qualquer - não importa. Eles só querem mostrar que a coisa funciona. Vivem para isso e para isso empenham - e emprenham - a alma.

Não se enganem: eles não ostentam essa suposta ventura com o objetivo de animar ninguém. Muito pelo contrário: querem mesmo é ficar pairando no céu como pipas coloridas, inacessíveis e cobiçadas pela molecada esfarrapada do bairro. Há uma maldade velada naqueles sorrisinhos.

Não louvo quem vive reclamando de tudo. Esses também são chatos. Mas me sinto muito bem ao lado de gente-como-a-gente, que não sente necessidade de provar para ninguém que está “no andar superior” da vida.

Geralmente as pessoas que admitem que estão com “a bola murcha” são as mais humanas e batalhadoras. São as que te entendem, que dividem o sanduíche, que explicam que “a vida é assim mesmo mas amanhã melhora” - e ainda te convidam para tomar uma cervejinha cada um pagando a sua. Elas presumem, corretamente, que os outros são como elas e que percalço não é vergonha. O lance é “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.”

Gente só é legal quando é gente. Porque gente que não é gente, enche o saco da gente.

Altos e baixos, dia e noite, som e silêncio... É assim mesmo. As pessoas que tem essa postura não encaram os problemas como castigo de Deus, maldição, pé frio ou “algum mal eu fiz no meu passado”. Dessa forma são as únicas aptas a te dar um abraço amigo quando tudo está um caos e a mulher dorme de calça jeans. Elas vêm, pagam um cafezinho e tudo o que dizem pode ser resumido em: “tem razão, as vezes a vida é uma merda. Mas não esquente que amanhã a coisa melhora. Meta a cara e vá levando porque você não é um rato.”

Ninguém precisa de super homens. Nem mesmo para resolver nossos problemas. Por mais que se esforcem os super homens só conseguem fazer com que nos sintamos como minhocas. Onde vão, arrastam consigo (entre parênteses) a seguinte legenda: “Cara, como você consegue ser tão azarado?”

Pior do que um MVS, só dois. Refiro-me aos casais de vitrine.

Você já conheceu um casal assim, que parece só se animar quando há platéia? Eu já. Deu vontade de colocar tachinhas na cadeira deles, “adoçar” o suco com sal, plantar uma barata morta em seus bolsos, pedrinhas na comida... Não fiz nada disso e ainda pedi perdão a Deus. Pode olhar minha ficha que nada consta!

Selinhos sem naturalidade, mãozinhas dadas em público, “depois a gente conversa sobre isso, meu amor”. Vai ver que nem transam.

Não consigo abandonar a idéia de que os MVS escondem uma tremenda amargura em suas almas plásticas. Acho que sofrem de uma carência de alegria crônica mas, doentiamente, recusam-se a admitir. Exibem-se nem tanto por vaidade, mas por necessidade desesperada de acreditar que estão dando certo - ainda que nem estejam dando. Certo?

Concordo que é doloroso demais constatar que o castelo virou farelo, mas poxa! A gente tem que encarar os fatos! Se não para melhorar, pelo menos para não ser mala.

Meu coração pertence aos com-defeito: pessoas que suam, que perdem a paciência, sentem dor de cotovelo, ciúme, não escondem o furo da meia e vez por outra ainda estouram o cartão de crédito. São a companhia ideal porque, apesar da vida, não deformam nem perdem as tiras.

Quanto a galera da vitrine... Sei não, acho que é tudo broxa.


Cristina Faraon






sábado, 20 de outubro de 2007

Tudo e Todos

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo

Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando é sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Toda pessoa é feia se olhada sem amor

Nada é verdade absoluta
Mas tudo o existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MEMÓRIAS - 01

Desde cedo os homens contavam com a minha incansável admiração. A figura masculina sempre mexeu muito comigo - no sentido mais inocente do termo.

Desde pequena eu já professava algumas idéias feministas. As pessoas sabiam disso e provocavam meus discursos: sim, homem e mulher tem direitos iguais e devem ser igualmente respeitados. Mas ao mesmo tempo que dizia isso com muita convicção, enxergava os homens como seres especiais; muito, mas muito mais fascinante do que as aguadas mulheres.

Caramba! Eu já era contraditória desde então!

Por mais que as mulheres fossem sempre simpáticas comigo (colegas, amigas da mamãe, tias...) e me tratassem com sorrisos, atenção, presentes e carinhos, tudo o que elas provocavam em mim era uma certa irritação. A minha vontade era dizer-lhes: "Não me toquem pelo amor de Deus!" Mas não dizia, cláro. Ficava só calada e muito séria, olhando meio “de banda”.
A verdade é que as mulheres nunca me despertaram nem um décimo da empolgação que um simples sorriso masculino provocava. Para mim as coisas mais lindas do mundo eram a voz e o sorriso masculino. E os músculos, sem dúvida. E tudo o mais.

Dos afagos femininos eu pensava: “coisa mais sem graça!” Já para os homens não: eu abria um enorme sorriso, me derretia toda, ficava por perto, torcia para que me dessem atenção e que me colocassem no colo. Ah, tão simpáticos os amigos do papai!

Em minhas análises eu olhava para meu pai, primos, irmãos, amigos da família, vizinhos... e depois os comparava com as mulheres. Concluía então que eles eram muito mais interessantes, fortes, desejáveis, bonitos e agradáveis do que as mulheres. Não precisavam de artifício algum, bastava que existissem.

Então imaginava como seria maravilhoso se uma voz grossa e aveludada um dia dissesse, bem no pé do meu ouvido, que eu era linda, que me amava e queria casar comigo - igual nos contos de fada. Ah... Eu suspirava!

Ter um homem com certeza seria a glória. Um dia eu haveria de ter um só pra mim! Não o dividiria com ninguém.

Detalhe: eu não contava ainda nem dez anos de idade. Não sabia absolutamente nada sobre sexo. A questão é: para que cargas d´água será eu queria um homem?

Acho que era só para ficar olhando, olhando, olhando...
Cristina Faraon

domingo, 30 de setembro de 2007

As respostas ficam por sua conta


Por que será que a gente insiste em querer que tudo tenha sentido? Por que a falta de explicação para todos os fatos da vida tira tanta gente do sério?

Quem disse que tudo tem que ter sentido? Você acredita em duendes?

Porque ninguém assume que causa-e-efeito são, de fato, as molas mestras do mundo? Acho que se não todos, pelo menos os ateus teriam o dever de acreditar devotamente nisso.

O aleatório, quando casado com a causa-e-efeito, tem um poder determinante inegável. Por que tanta relutância em aceitar isso?

Por que existe pobreza? Será que é porque existem pessoas que buscam melhorar de vida enquanto outras não se empenham muito nisso?

Mas nem todos tem oportunidade. Por que alguns não tem chance? Seria porque uns são mais fortes e passam na frente?

Não, nem sempre. Muitos já nascem com a faca e o queijo na mão enquanto outros...
É verdade: uns recebem de seus pais uma herança chamada "chance". Os pais plantam, os filhos colhem. Outros pais fazem tudo errado e deixam para o filho uma herança de outra natureza: pobreza e ignorância.

Nossa, será que estou dizendo que não temos o direito de deixar heranças para nossos filhos? Tudo o que fizermos e conquistarmos nesse mundo deveria ser levado conosco para a cova?
Que tal isso começar com você e na sua família? Eu tô fora!

Não... não é justo que os filhos recebam "herança"! Cada um que nasce deveria começar do zero!
Será? Então tá: vamos revogar a lei da causa-e-efeito. Como também não acho justo que as pessoas tropecem e caiam, vamos aproveitar e revogar também a lei da gravidade. A lei da sobrevivência do mais apto é injusta também? Vamos dar um jeito nisso! Vamos lançar a campanha "vida longa aos medíocres e morte aos mais capacitados!" Assim teremos um mundo cor-de-rosa.

Mesmo com todo esse arrazoado não consigo me conformar com o fato de crianças já nascerem determinadas a viver mal.

Mas pensemos bem: de onde tiramos a idéia de que as coisas tem que ser justas e fazer sentido?
E se TEM que ser justas, de onde tiramos a convicção de que são injustas?
O que sabemos sobre justiça? De onde vem essa noção? Provavelmente da cabeça de pessoas como nós: injustas!
O que entendemos sobre a manifestação da injustiça e todos os milhares de fatos que a geram? Conhecemos realmente essa pessoa que "não teve oportunidade"? Sabemos tudo mesmo sobre sua vida? Conhecemos cada passo seu, cada escolha, cada equívoco? Temos certeza absoluta de que ela não tem ou não terá oportunidade alguma durante todo o curso de sua existência? Eu apostaria todos os seus bens nessa afirmativa?

A "vida" é injusta? É... Mas já que estamos com as etiquetas na mão, que tal aproveitarmos pra rotular também de injustos os pais irresponsáveis?
Também há que se considerar que em todas as espécies de animais, a sobrevivência é uma luta mais ou menos sangrenta. Por que cargas d' água eu deveria achar que entre os seres humanos a coisa era pra ser diferente? Já vi documentários sobre a vida selvagem. Já vi um animal estraçalhando outro impiedosamente. Acho que eu não perderia meu tempo tentando reeducar uma onça...
Mas nós somos humanos! Somos racionais!
Até que ponto?
Será que a fera que existe dentro de nós morreu por causa da nossa "humanidade"?
Sei lá, acho que somos racionais apenas o suficiente para sentir dor moral...
É justo não colhermos o que plantamos?
Será que todas as nossas más ações deveriam ser estéreis, ou seja: sem resultado? Aí teríamos que refazer o mundo!

Ai céus! O que proponho? Uma corrida na qual todos cheguemos em primeiro lugar? Seria uma proposta idiota.

É justo eu ter o que tenho enquanto outros não tem? Mas seria justo que me tirassem o que tenho mesmo sabendo que o que alcancei foi com trabalho e honestidade? Seria justo privar meus filhos de colherem o que plantei?

Existe mesmo riqueza para todos nesse mundo?

Temos certeza de que todas as pessoas querem ser iguais? Você quer ser igual a todo mundo?Não seria isso uma grande mentira? Desde sempre as pessoas querem mesmo é se destacar, afirmar sua individualidade e sentir-se únicas.

Não seria exatamente por isso que exista tantas diferenças sociais? "Igualdade" não seria o falso discurso de quem apenas está por baixo? Uma vez "subindo alguns degraus" a pessoa passa imediatamente a querer a distinção. Não é verdade?

Todos os nossos males sociais não seriam apenas o outro lado de uma moeda que conservamos com tanto empenho?

Por que o mal subsiste? Talvez porque toda a miséria humana exista como subproduto do que lhes seja mais caro e desejável.

Ninguém pode abrir mão de apenas um lado de uma moeda!

Nós queremos realmente mudar tudo isso?

Se quiséssemos mesmo será que já não teríamos mudado?

Se não abolimos as desgraças não seria por saber que elas são o inevitável efeito colateral de tudo o que nos apaixona e move nossos pés?

A beleza subsistiria ante a ausência da feiúra? Ela seria percebida e gozada?

Estamos realmente dispostos a abrir mão de todos os gozos que resultam em dor?

Não seríamos hipócritas? Não temos coragem de abrir mão de prazeres que fazem mal a nós mesmos!!! Quanto mais abrir mão daqueles prazeres que fazem mal aos outros!

O que estou dizendo lhe parece muito estranho?

Você nunca comeu alguma coisa sabendo que iria se sentir mal depois? Não fuma? Não bebe? Não come frituras? Como anda seu colesterol? Está em seu peso ideal?

Fala sério!

Você veio de Marte? Ou a marciana aqui sou eu?


Cristina Faraon


quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O laranjinha


O mar pode ser comparado a um tipo de céu assim como o céu é um oceano sem fim. As aves são seus peixes. Escamas e penas são só detalhes.

Sempre achei que os peixes fossem as aves do mar. No caso dos peixes pequenos e coloridos, sem dúvida que são as borboletas do mar.

Mas não falaremos hoje sobre as borboletas mas aqui vai uma dica: elas são apenas flores que não conseguem ficar paradas.

Voltemos aos peixes. Regra número um: é terminantemente proibido comer peixes coloridos. Certa vez comi um. Sem querer - registre-se.

Foi no ano que fugi para a Praia Secreta. Nem procure no mapa porque não consta. Em lá chegando segui de canoa para uma pequena ilha não muito distante. O som mais alto que se ouvia por lá era o “creu-créu” das aves. Ninguém merece ouvir “creu-créu” o dia todo, então fui nadar. Nadar é preciso.

Era como se eu mergulhasse em vidro líquido. A água não era fria nem quente. Minha alma aquática adaptou-se àquele meio rapidamente.
Nadei com uma desenvoltura incrível e quanto mais eu nadava mais energia havia para seguir adiante. Então fui mais fundo, mais longe, mais fundo e mais longe. Era tudo tão lindo que, instintivamente, prendi a respiração. A respiração, por sua vez, não queria mesmo sair. Ficou lá em suspenso, grudada em meus pulmões implorando por não ser respirada. Tudo bem. Deixemo-la. De maneira semelhante meus olhos se comportaram, recusando-se a piscar.

Bem, lá estava eu totalmente em alerta e hipnotizada com o que via. Talvez ali fosse o Reino das Águas Claras do qual falava Monteiro Lobato. E a gente pensando que o velho estava delirando. Vejam só como são as coisas...

Acho que fiquei uma "pequena eternidade" sem piscar ou respirar. Cardumes e mais cardumes rebolavam em minha frente naquele exibicionismo silencioso tão próprio dos peixes, desdenhando aplausos. Havia a tribo prateada, a preta, a dourada, a pintada, os redondinhos, os esguios... Não vi os quadrados. Certamente são tímidos.
Nenhum queria conversa comigo mas dançavam e dançavam, ensaiadíssimos! Vi também pedras, corais... e uma enorme quantidade de “troços-sem-nome” delicadamente arrumados aos lado de “coisas-sem-registro”. Tudo muito estético. Dos cantos de algumas pedras brilhosas cresciam lindos “o-que-que-é-isso!” para o deleite dos visitantes. No caso, eu.

Distraída, eu quase dava de encontro com um “ai-jesuis”. Virei de repente, ainda a tempo. Foi quando me deparei com um cardume de colorido hipnotizante. Estavam parados me olhando com uma expressão indefinível, talvez se perguntando, lá com suas guelras: “avançar ou recuar?”

Acostumada aos movimentos dançantes das criaturas aquáticas, assustei-me com aquela imobilidade. No susto cometi um erro fatal: abri a boca e “puxei o ar” como fazemos quando ficamos surpresos. Os peixes são mais discretos em seus sustos: apenas dão meia volta e tiram o cardume de campo. Pois é: foi nesse momento que engoli, sem querer, um pequeno “laranjinha”. Pelo que lembro de seu tamanho, deveria ser um adolescente cheio de vida...

Jamais me perdoei. Eles também não me perdoaram. O fundo do mar tem seus encantamentos e códigos de ética. Esses lances de “fui mal” ou tirar a bronca acendendo velas, simplesmente não funcionam por lá.

O castigo: fiquei três anos sonhando em preto e branco. Três anos!

Para que você jamais passe por isso deixo aqui esse alerta: nunca, jamais, mas nunquinha mesmo, coma um peixe da tribo colorida. E na dúvida, não coma borboletas também.

Cristina Faraon

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pessoas amarelas


"Somos todos farinha do mesmo saco."

Será? Digamos que sim. Mas...

Observe que mesmo nas farinhas do mesmo saco, os grãos que a integram não são idênticos. Se peneirarmos essa farinha será possível separá-las e rotulá-las em dois sacos distintos: o da farinha fina e o da grossa. E comparados um com o outro eles nos parecerão tão diferentes como se tivessem sido produzidos em locais distintos.

Mas por que estou dizendo isso? Para embasar minha mais nova teoria: a de que, mesmo sendo "do mesmo saco", se coarmos direitinho a humanidade saltará aos nossos olhos os seres amarelos.

Não, Mané! Não estou me referindo à raça amarela! Vou explicar.

As pessoas amarelas não se aceitam, logo, não são autênticas. Algo lá no fundo de suas mentes atormentadas lhes adverte de que, se disserem o que pensam realmente e se comportarem de forma transparente, serão rejeitadas. É claro que o receio procede mas só os amarelos se imobilizam com isso e acabam tomando a forma mais aceita na sociedade.

Para os amarelos não há nada mais aflitivo do que quem não se importa com a aceitação alheia. Alguém assim tão livre é uma afronta aos amarelos. Não porque eles sejam maus, mas porque esse coquetel de liberdade alheia + inveja (principalmente a inveja) faz com que se sintam muito humilhados.

Não, eles não são maus. A não ser consigo mesmos.

Os amarelos vivem de fazer média. E se dão bem - dependendo do que você entenda por "se dar bem". São aceitos pelos outros amarelos e com eles se consolam, formando uma sociedade patética. São aceitos também pelos "normais", que a princípio pensam que eles são autênticos. Quando os normais descobrem, botam a boca no trombone. Já um amarelo é eternamente fiel ao outro amarelo. Ponto pra eles.

Os amarelos sorriem e são politicamente corretos. São "amigos" de todos e incapazes de dizer algo que possa ferir aguém - pela frente. Por trás também não. Interessante, né? Então como fazem para "fritar" uma pessoa? Eles não se comunicam entre si? Claro que sim!

Atenção a esse detalhe: no mundo dos amarelos a comunicação é toda efetuada por sinais sutilíssimos, olhares, metades de meias palavras, grunhidos e gestos quase imperceptíveis. Se você não for "macaco velho" vai ficar boiando porque os amarelos não confiam em ninguém - nem no espelho. São pessoas atormentadas.

Os amarelos não são de muita refrexão. Odeiam pensar porque pensar dói muito. Fazem qualquer coisa para não precisar pensar: lavam latrina, criam associações, enxugam gelo, limpaz carvão, organizam enciclopédias de regras imprestáveis, códigos de comunicação... Qualquer coisa e qualquer assunto vale, desde que não precisem pensar na própria vida.

Eles costumam manter distância de quem questiona e procura a verdade das coisas. A proximidade com essas pessoas os adoecem. Por que? Porque quando conseguem parar pra pensar, tem crise de identidade:

"Eu sou eu ou eu sou esse personagem? E se eu deixar de ser o que os outros querem, vou morrer? Broxar? Minha pele vai enrugar, os cabelos vão cair e o mundo se acaba em barranco? Ah como eu queria chutar o pau da barraca! Meter o pé na jaca ... chutar o balde... comer melado e me lambuzar... soltar a franga... Oh vida! Oh céus! Oh azar!"

Realmente eles não se gostam. Pensando bem, devem ter lá os seus motivos.

Quem se gosta, se assume. E quanto mais se assume mais se curte. E quanto mais se curte, mais autêntico se torna e quanto mais autêntico, mais querido por uns e detestado por outros. Não dá pra ficar neutro frente a uma pessoa autêntica.

Mas quem são os amarelos? Hmmm...

Não vou ficar aqui separando o joio do trigo mas deixo umas dicas: parecem ser amigos de todo mundo. Não questionam ninguém (porque questionar é pensar e pensar dói) mas ficam sinceramente inquietos com os que lhes parecem ser "fora do padrão". Sorriem para todo mundo por dever de ofício. Têm dificuldade em ser criativos. 80 % do que dizem é composto de frases feitas e chavões. São tristes mas morrem de medo que notem que eles são tristes. Aí está o motivo de sorrirem (amarelo) para todo mundo.

Sei lá... Tô sentindo um certo carinho pelos amarelinhos.

Hoje vou acender uma vela pra eles.

Cristina Faraon

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Será?

(Quem decide as eleições no Brasil não é quem lê jornal, mas sim quem limpa a bunda com ele...)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Mea-culpa



Contra todas as minhas previsões, domingo foi o melhor dia em Salinas.

Com um pessimismo detestável, imaginei que encontraria uma multidão grudenta, barulhenta e bêbada fazendo careta pra mim.

Nada disso.

Quando chegamos ao Atalaia não dobramos à direita, como de costume. Fomos para o lado esquerdo, do Farol Velho - local onde a maioria das pessoas ainda reluta em acionar o “treme-terra” de seus carros. Havia apenas um mal-elemento com o som ligado, mas estava distante. Não tive muita dificuldade em ignora-lo. Só lamento que isso não tenha trazido a ele nenhum tipo de dissabor.

O sol estava absolutamente de-si-ni-bi-do! Silêncio ... árvores fazendo chique-chique, cerveja cristal bem geladinha... E pra completar, graças a Deus eu pego um bronze super rápido. Uma salva de palmas para as minhas raízes africanas!

Brancos, mordei-vos de inveja!

Ontem eu realmente senti aquela vontade gostosinha de continuar na praia mais um pouco e mais e mais... Depois ir pra água, voltar, fritar novamente ao sol, voltar pra água, tomar várias cervejinhas... até observar que as nuvens não seguem mais seu caminho retilíneo. Ao contrário: ficam dando curiosas voltas no céu, numa ciranda muito fofa! Que coisa, né? E então começar a rir muito disso tudo. Mas não é mesmo hilário? E o mundo é uma bola, as bundas bem-sucedidas também são bolas... e os peitos... e os pintos tem bolas!

Pena que cerveja engorda.

Mas por que estou escrevendo isso? Para dizer que Deus se aborreceu com minhas considerações anteriores com respeito a Salinas e me castigou no domingo.

Sabem como? Vou contar: quando a água estava mais mansa e clara; quando o silêncio se fazia até sentir; quando as palmeiras ensaiavam um feliz rebolado e as nuvens começavam a dar-se as mãos para organizarem aquela ciranda divertida e quando o vento tentava enfiar a língua na minha orelha... aí a “galera” resolveu ir embora para “fugir do engarrafamento”. Dá pra acreditar?

Argumentei contra. E eu lá sou de ficar calada? Sim, expliquei com a mansidão dos cordeirinhos que nós não tínhamos filhos pequenos nos esperando e que também não precisávamos nos comportar como se tivéssemos que bater cartão de ponto. Não adiantou. Também não me rebelei. Reconheci o castigo divino.

Para eu deixar de ser besta. Mereci! Bato no peito sete vezes confessando compungida: “Eu mereci, Senhor! Jogai um raio em minha cabeça! Afligi-me com piras!”

Nelson me fez lembrar que antes de chegarmos à praia eu havia concordado em que retornaríamos cedo. É verdade, concordei. Mas não pensei que justamente ontem a praia me pareceria tão ampla, sorridente e menos povoada. Poxa, não tenho bola de cristal! Passei alguns minutos tentando explicar a ele que eu havia concordado mas que daquele momento em diante eu “desconcordava” oficialmente.

Ele não conseguir entender o conceito de “desconcordância”. Para mim parece tão claro! Sei lá, acho que eu não soube explicar.

Com a alma esperneante pagamos a conta e fomos embora.

Mea-culpa! Mea maxima culpa!

Cristina Faraon



quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Salinópolis


Estou indo para Salinópolis!

Sabia que isso já foi chique? Talvez você ainda não tivesse nascido, mas é verdade.

No Pará, paraíso da água doce, encontramos a salgada Salinas. É uma praia realmente bonita mas...

É onde todos os caboclos do Pará finalmente tem a chance de mostrar o sonzão de seu carro. Quanto ao volume do som, o céu é o limite. Viva a liberdade e o mal gosto!

É onde você pode checar (querendo ou não) os novos sucessos musicais - todos ao mesmo tempo! - e desejar a morte (de quem os compôs).

Salinas... Na praia é fila pra entrar, fila pra sair, banheiros asquerosos. O banheiro é quem mija em você, acredite no que estou falando.

Ah, aquele filete de água doce!
Oh desejado, disputado
E adorado filete de água doce
Das barracas de Salinas
Salve salve!

Se você conseguir se molhar, considere-se um agraciado. Seu corpo pegajoso merece o sacrifício da fila.

Ainda não entendi por que é que no Pará se economiza tanto a água mas no Nordeste os banhistas podem tirar o sal do corpo sem sobressaltos. Estranho, né?

Mas ninguém me segura: estou mesmo indo para a bela Salinópolis - bela e plana. Você caminha 100 km mar adentro e não consegue molhar os ombros, a não ser que se jogue de peito na água. Ainda assim é capaz de voltar com as costas secas.

(Maldade esse exagero, mas hoje estou com a macaca.)

Ah, comer aquelas caríssimas pratiqueiras fritas em óleo noviiiinho! É tão divertido ficar procurando o que comer em meio àquelas espinhas esturricadas!

Observar, sob o sol causticante, que tenho muito mais celulites do que supunha e que esqueci em casa, sim, algum objeto imprescindível.

Bom mesmo é tirar aqueles cochilos rápidos... pelo tempo suficiente para descobrir, sobressaltada, que a maré está quase para levar seu carro para o fundo do mar. Os chinelos já foram!

Lembranças ao Titanic!

Nem penso na possibilidade de ser atropelada na praia por um lindo filhinho-de-papai que se exibe para uma linda patricinha vinte anos mais nova e vinte quilos mais magra do que eu. Por que isso aconteceria? Bem mais provável é ficar menstruada no meio da tarde, dirigir-me aflita à farmácia e só conseguir chegar 2 horas depois por causa do engarrafamento.

Chegar em casa pra tomar banho, ligar a torneira e perceber que toda a cidade teve a mesma idéia naquele exato momento.

Ah... Bater papo com os amigos tomando uma cervejinha...

Finalmente uma coisa boa!

Obs.: Eu sei que já falei sobre isso, mas não resisto. E preciso resistir? O blog é meu!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

"Chan Chan"


Esse é o apelido da chinezinha mais gracinha do mundo. Pelo menos para mim.

Os olhos são obviamente apertados e bem negros - como duas amêndoas de ônix. E o cabelos, beeeeem lisinhos. Por determinação superior (ou seja: minha) hoje são cortados no estilo “chanel” bem curtinho. Tipo “melindrosa”. O corte alonga o pescoço de forma graciosa e o efeito é chiquérrimo.

Boneca-souvenir.

É magra - não come muito. Sendo assim, tem perninhas finas. Só as pernas não - ela é toda fininha. A gente tem até a impressão de que pode quebrá-la facilmente, assim como quebramos o macarrão cru apara que caiba na panela de água fervente. Mas claro: ninguém faria isso com a Chan Chan!

Ela deve ter uns seis anos. Eu acho. E não conheceu os pais naturais. Viveu sua pouca vidinha em um orfanato no interior da China. Bons ventos a trouxeram.

Acho que já disse aqui que não sou muito fã de meninas pequeninas. Sempre gostei mais dos meninos. Meninas são mais legais quando já são mocinhas. Mas a Chan Chan é um caso àparte. Não fui atrás, não a escolhi. Veio trazida pela mão de uma amiga e eu me apaixonei.

Você sabe: a gente não escolhe por quem vai se apaixonar. Também não se prepara para o momento fatal. Quando vê, já era. Foi assim.

Ela estava com um vestidinho “tubinho” de gorgorão amarelo. Assim, numa primeira olhada me lembrou um abajur. Abandonei logo a idéia porque lembrei que os abajures não lambem pirulito e ela estava atracada com um e seu jeitinho era distante e satisfeito - “o mundo que se acabe!” - pude ler em seus pensamentos.

Por que estava arrepiada? Acho que esqueceram de penteá-la, porque ela não tinha a aparência de quem andou pulando por aí.

Minha amiga e eu ficamos conversando na sala. Ela me contou a história da chinesinha: que estava ali “emprestada” mas que deveria ser devolvida ao seu responsável: o Estado.

- Hmm... Precisa devolver mesmo?
- Gracinha ela, né?
- Não vai ficar com você?
- Não posso! Você sabe a minha vida como é.
- Mas não dá peninha de devolver?
- Dá. Mas é assim mesmo. Vou visita-la de vez em quando. Ficamos amigas!
- Será que ela ficaria comigo um final de semana?
- Acho que sim. “Você gostou da tia, Chan Chan?”

Ela não respondeu nada mas li seus pensamentos de novo: “prefiro meu pirulito!” Perdoei e coloquei-a sobre meu colo. Era leve como o Nepomuceno (meu cachorrinho inanimado, lavável e anti alérgico) .

Menininha de isopor e cabelo arrepiado...

Demorou um bocado até ouvirmos sua voz. Demorou também para podermos vê-la pulando e perseguindo a Lucrécia (minha gata animada, pouco lavável e altamente alérgica).

Só sei dizer que a Chan Chan foi ficando, ficando... E já tem um monte de vestidinhos no armário. E Melissas coloridas também.

Garanto que é a chinesinha mais fashion das redondezas.

(Galera, isso é só uma fantasia, tá? Vocês já deveriam estar acostumados com meu jeito assim, meio delirante.)

Cristina Faraon

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Quando acontecer


Quando você vier não será tarde demais, mas assim vai parecer.

Será em um dia-noite de céu cinzento, muito cinzento e ar pesado. Calor e frio em mistura opressiva, como febre. Frio por dentro, calor por fora e nenhuma roupa do mundo que amenize esse desconforto.

Hoje o mundo todo tem febre. A Terra está ébria.

A ninguém importa se é dia ou noite; o tempo já não se conta mais dessa maneira; os parâmetros estão desregulados - tanto o das estações quanto o da vida e morte e tudo o mais. O escuro e o claro vez por outra se chocam nessa estranha subversão de todas as coisas.

As pessoas não são confiáveis. Não porque não queiram, mas por estarem deixando de ser pessoas (no sentido mais doce do termo). E no mundo das coisas não há conceitos de moralidade. Aliás, não há conceito algum.

Os relógios não são morais. Talvez por isso estejam se transformando em deuses.
Mesmo amorais há o consenso de que são as únicas coisas confiáveis ainda existentes - embora ninguém se sinta reconfortado por isso. Como são quase deuses, todos os dias olhamos reverentemente para eles, nem que seja uma vez apenas. Ninguém sabe explicar exatamente por quê. Virou uma espécie de ritual. É estranho não fazer... e assustador quando um relógio para.

Os seres, andróginos.

As mulheres há muito deixaram de ser consideradas “caça”. Não são muito amistosas. Pisam duro e por questão de segurança mantêm-se magras.

Nossos homens-meninos são reprodutores assustados e também sozinhos. Geralmente trazem tatuados pelo corpo alguns símbolos representando força. Inutilmente.

As pessoas dormem atormentadas e sonham coisas inquietantes. Dizem que esses sonhos se devem a “memória genética”. Foi feita uma pesquisa e constatou-se que praticamente todo mundo tem sonhos recorrentes que guardam grande semelhança entre si.

As mulheres, geralmente, se vêem em invólucros úmidos, encolhidas como bebês no útero. Ouvem sons musicais profundamente emotivos e acordam chorando convulsivamente.

Os homens sonham com mulheres diferentes: roliças, meigas e comestíveis. Lembram as mulheres de hoje, mas parecem estar em etapa evolutiva anterior. Então acordam angustiados, sentindo saudades daqueles seios, coxas e carnes das fêmeas. Sentem uma falta angustiante de algo que foi posteriormente definido como aconchego.

Nos sonhos masculinos as mulheres tem um cheiro específico. Sabemos que isso não existe! Todas as pessoas tem o mesmo cheiro, independentemente da idade e do sexo.

Há também entre nós pessoas delirantes que afirmam ser isso causado por “espíritos inquietos” que se dedicam a atormentar os humanos com essas saudades inexplicáveis. Só não explicam bem o que seriam os “espíritos”. Mas todos sabemos o que é esse “inferno virtual”.

Por essas e por outras, as mulheres que ainda trazem características físicas que não evoluíram são mantidas em recolhimento como medida de egurança.

Há várias crianças gagas. Algumas são como gatos: ariscas e sobressaltadas. Muitas outras são hostis.

Bichinhos tristes.

Os bichos, todos eles, andam em bandos. Não como antigamente; os bandos de hoje evoluíram para uma coisa que forma quase que um corpo só; são absolutamente coesos e impenetráveis. Os bichos lembram as crianças as vezes... Estão sempre assustados.

A grande angústia dos humanos desse século é a total incapacidade de se proteger em bandos. Todos tem medo de todos; todos desejam ardentemente companhia e abraço ao mesmo tempo em que isso parece arriscado demais. Desejam com a alma, com o fígado, com os rins, mas não conseguem. É uma espécie de fome emocional.

Ninguém sabe onde andam as mães. As mães sumiram do mundo, dando lugar às atuais fêmeas agressivas da espécie humana. Seios secos e mãos crispadas.

Aí você aparece. Ninguém mais estava esperando.

Você é terrível, magnetizante. E assustador de tão lindo. Em nosso mundo, nada que tenha sido lindo sobreviveu. Se existe o belo absoluto, você é a personificação.

Cabelos! Por que seus cabelos são compridos e de negritude tão profunda? Seu olhar é assustador! Emana uma coisa estranha. Parece “paz” ou algo assim. Mas paz é uma coisa perigosa demais. Temos medo! Sempre que nos disseram “há paz!” catástrofes aconteceram em seguida.

A ameaça trazida pela paz é velada. É a calmaria antes da tempestade. Hoje a paz é prenúncio de morte, de lâmina fina perfurando o umbigo. Você é perturbador em sua paz e beleza estonteantes. Temos medo de você, muito medo.

Por que sorri? Por que nos olha assim e sorri?

Quem é essa criatura que sorri?

E todos fogem do seu sorriso pois uma pessoa sem medo traz consigo morte. Tem sido assim.

Mas você vem, implacável e sem armas na mão. Para onde podemos fugir?

Estamos todos armados;
Armados e sujos;
Sujos e famintos;
Famintos e amedrontados;
Amedrontados e suplicantes
E tão cansados!

O que você quer? Diga logo!

Quer nossa carcaça? Nossas mulheres? Foi você quem desconfigurou nossas mães e secou seus seios? Foi você, Criatura Sem Nome, quem domou nossos heróis e os atormentou com saudades e terrores? Você é o tal “espírito” de quem falam os velhos?

Que é você que vem de cima, que vara as nuvens, que faz tudo explodir em cores? Quem é você, que pára os nossos relógios sagrados? Por que vem acompanhado de música e arcos celestes? Por que nos comove? Não sabe que não podemos chorar? Os predadores estão a espreita!

Quem é você? Por tudo o que é mais sagrado, diga-nos seu nome! O que exige de nós? Nossas armas enferrujadas? Nossas frutas mirradas tiradas a fórceps de terras estéreis? Crianças mudas? Mulheres ressecadas?

Quem é você, que nos assusta com essa glória, esse riso, esses sons estranhos que nos fazem chorar?

Por favor, vá embora! Retire-se de nós! Volte para o seu mundo!

Nossos pesadelos agora serão outros. Vimos você, que é tudo o que nossa alma mais deseja. Você é o resumo de tudo, a explicação, a fórmula, a revelação do mistério, o princípio e o fim de todas as coisas.

Vamos sonhar com você para sempre: homens e mulheres. E a saudade do Belo Pleno nos atormentará para sempre.

Não se aproxime, não nos olhe assim. Nós temos medo de tanto amor!
Cristina Faraon


domingo, 26 de agosto de 2007

A sabedoria e o ralo


Vou apresentar a vocês a mulher que já foi uma das mais sábias da face da Terra:

Eu.

Sério! Até algo em torno dos 25 anos de idade eu sabia tudo sobre a vida, sobre criação de filhos, relacionamento familiar, homem/mulher etc e tal. Era só perguntar.

Minha sabedoria era tanta que eu tinha na ponta da língua a resposta para tudo quanto fosse questionamento humano. Problemas? Eu sabia não apenas a solução, mas a origem, o que era mais brilhante de minha parte.

O filho não obedece? O marido não é legal? Você se sente só? Seus pais são um saco? Anda deprimido? É tímido? Tem bicho no pé? Fale com a Cristina.

Legal era que eu nem precisava pensar muito. Pensar para quê? A vida é simples, esse povo é que complica. Não havia motivo para angústia ou pânico; era só seguir meus conselhos que tudo daria certo.

Aí o tempo foi passando, passando... Então o mundo já não me parecia mais tão simples. Os problemas das pessoas eram sustentados por diversas raízes e não apenas uma, como eu singelamente supunha. Vieram os questionamentos, a experiência alheia, a experiência própria, teorias, as diversas interpretações a respeito de um mesmo fato... Ou seja: veio a vida real. E minha visão em preto-e-branco não tinha lugar no mundo real, das dores e amores em carne, osso e sangue.

É chato constatar a própria tolice.
Cristina: uma simplória.

Então passei a ler mais. Mais complicação. Revistas, livros, depoimentos, reportagens, ficção, ensaios... Conversas e mais conversar com pessoas muito diferentes umas das outras... Então antenei os ouvidos para seus motivos, suas razões e questões. Nada é simples e a verdade é um bem supremo sempre correndo da gente.

Ah, minhas receitas... Não funcionavam na vida real para as pessoas de carne e osso. Nós, os humanos, somos complicados. Nossas emoções as vezes parecem vir do nada. E levamos anos para entender por que, afinal de contas, sentimos antipatia gratuita, medo do escuro, timidez, paixão avassaladora, arrependimento, impulsos de ternura, necessidade de afastamento, êxtases, tédio e somos tão bons e tão maus.

Confesso: foi duro lembrar das inúmeras vezes que, insensatamente, analisei e simplifiquei a vida dos outros e o mundo em geral. Ô vexame!
O tempo foi passando e minha "imensa sabedoria" foi para o ralo. Para o ralo também, a reboque, seguiu minha crença na simplicidade de tudo.
Hoje, com toda a minha vivência, sei bem menos do que quando era uma garota. Sei tanto quanto você. Ou seja: NADA.
Cristina: uma simplória... Melhor ficar calada.
Cristina Faraon

sábado, 25 de agosto de 2007

Carta aquática


Querido homem da terra:

Escrevo-te do fundo do mar, das entranhas silenciosas do mundo, de onde surgiram as primeiras formas de vida. Agora esse é o meu lugar. Tornei-me mais uma dentre tantas estranhas criaturas.

Faz tempo que estou aqui mas o que me resta de humanidade ainda pensa em ti. Ainda tenho em memória o cheiro dos teus cabelos molhados, cujas gotas d’água caiam lascivas em minhas costas.

As vezes vejo tua imagem sendo formada em redemoinhos breves, levantando a areia mais fina. As vezes me sorris dessas imagens mas em outras apenas me fitas pensativo.

Viraste uma aparição... Mas não me assustas.

És da terra. Agora sou do mar, para sempre.

Escrevo-te com menos dor; obviamente com menos humanidade. Minhas roupas foram comidas por crustáceos e nada mais há que esconda o que já te pertenceu. Veja, amor, como estou fria, frágil e descorada!

Pálida e nua.
Cada vez mais pálida
Mas ainda tua.

Ainda faço versos.

Meus cabelos cresceram muito e flutuam levemente. Estão semeados de algas e cada dia mais verdes. Diariamente sou analisada por criaturas curiosas e lentas.

Não me importa as intempéries da superfície; poucos movimentos ressoam aqui em baixo. Poucos mudam a direção dos meus cabelos.

Envelhecerás rapidamente nesse mundo árido crestado pelo sol, nesse mundo barulhento e rápido ao qual já pertenci.

Adeus para sempre...
Ou mergulha para mim!
Eu peço demais?
Então é o fim.

Escrevo-te entre algas possessivas, peixes, esponjas e relíquias antigas de navegantes apaixonados.

Os peixes vão e vem, aproximam-se de meus olhos espelhados. Parecem divertir-se. Há peixes em minhas coxas, seios, pés, sexo... Desassustados beijam-me a boca. Beijam-me em teu lugar e profanam todos os teus santuários.

A água me embala como mãe sonolenta. Durmo e acordo mil vezes. Não há pressa nem tempo. Tudo aqui é eterno.

Talvez eu vire sereia, talvez alga, talvez pedra, talvez esfinge das águas. Mas nada, nada nesse mundo poderá transformar-me em tua mulher. Então fico e desfaço-me.

Nunca me visitarás. Jamais mergulharás tão fundo a ponto de poder achar-me.

Permaneço:
Muda, nua,
molhada e ainda tua.

Pairo como planta aquática. Mando-te essas palavras escritas em espumas, em folhas e em escamas de peixes gentis.

Despeço-me do teu século.

Adeus, meu amor.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Paulo Zulu


Peço a ajuda de gente amiga e de pessoas influentes junto a mídia.

Alguém aí tem acesso a esse rapaz?

Vou te contar... Existe alguma coisa pior do que um homem que não se manca? Ele vive me mandando fotos, bombons, flores... Já esgotei meu estoque de foras mas ele se faz de desentendido.

Há pouco tempo atrás ele não tinha onde cair morto.
O que é a vaidade humana, né? Só porque ele saiu bem em meia dúzia de fotos, acha que vou dar bola. Vou contar pra vocês: pessoalmente ele é o "cão chupando manga" de tão feio. Sério! Tudo aí que vocês estão vendo é pura produção. Tirando o filtro da câmera, a edição da foto e a maquiagem, o que sobra é de dar dó.
Dia desses ele falou que viria a um desfile na cidade e deixou o número de seu apartamento no Hilton. Ainda que eu não fosse comprometida vocês acham que eu pagaria um mico desse? Fala sério! Só perdoei porque afinal de contas as pessoas apaixonadas passam mesmo dos limites. Todos já vivemos uma fase assim, não é verdade?

Admito que ele é um bom rapaz: esforçado, sustenta toda a família, leva a mãe para passear no parque, dá banho no cachorro, troca lâmpadas, é carinhoso, sabe cozinhar, adora crianças, lava as próprias cuecas, vive tomando banho, troca lâmparas queimadas, arruma a cama quando acorda, não ronca e ainda faz trabalho voluntário. Mas pergunto: e eu com isso? Grandes coisas!
Bem, por que estou pedindo ajuda? Porque ele está pirando e não sei onde isso vai acabar! Posso ter sérios problemas com essa história. Se ele é carente, se nenhuma mulher dá bola pra ele, o que é que eu posso fazer? A vida é assim!

Uma coisa me tranquiliza: ele tá se tratando. Se bem que o terapeuta dele me falou que ele anda muito "deprê" e que a culpa é minha. Minha! Teve a cara de pau de dizer que se a carreira do rapaz for para o ralo eu serei responsabilizada. O trabalho desse açougueiro é fazer seu cliente aprender a se valorizar mais e não ficar fazendo chantagem emocional com pessoas que tem mais o que fazer. Felizmente eu não sou boazinha. Nunca fui. Pode espernear a vontade.

Confesso que as vezes dá pena, mas não vou comprar um problemão só por causa de um pobre-diabo de um metro e noventa e oito, conservadinho, moreno e de olhos verdes. Disso aí o Ver-o-Peso tá cheio.

Tô fora!

Tá com pena? Leva ele pra você!


Cristina Faraon

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Oração da paz



Senhor!
Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado
Compreender, que ser compreendido
Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

(Esta obra representa um dos mais importantes documentos literários de linguagem popular de São Francisco, é a única obra de São Francisco escrita em italiano antigo. Foi nesta língua que ele certamente ditou a maioria dos seus escritos, antes que os irmãos versados em letras os traduzissem para o latim, a língua comum da época.)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Insônia do bem


Estava tudo combinado: Rita e eu sairíamos para colocar as fofocas em dia. Essa semana teria que dar certo de qualquer jeito, uma vez que ela vai viajar de férias.


Ela telefonou ontem a tarde dizendo que no final do dia podéríamos nos encontrar para o happy hour.


Tudo certo. Certíssimo.


Aí a Sandra ligou perguntando o que eu iria fazer a noite. Expliquei e ela disse que talvez aparecesse. Tudo bem, seríamos três.


Fui buscar a Rita no trabalho dela. Quando estava estacionando o carro no "Boteco da Computer" observei pelo vidro que o Victor estava lá. Coincidência... Deveria estar com a namorada. Aí quando fui entrando encontrei com o Nelson. Cúmulo da coincidência. Bem, não seria mais uma noite de conversar femininas mas seria uma noite legal.


Subi as escadas e deparei-me com um monte de amigos e parentes com as mesas "juntadas". Perguntei para a Rita que raios aquele povo todo estava fazendo ali. Estranho, né?


Não, não era meu aniversário.


Foi aí que a Rita, perdendo a paciência, me puxou pelo braço e obrigou-me a ler um banner onde estava escrito que aquela era a noite de lançamento do livro Rio Coragem - de minha autoria! Oh!


Devo ter ficado alguns segundos com cara de "oh!" Tomara que não tenham filmado.


Então depois de alguns segundo, nos quais meus neurônios pararam de dar de encontro uns nos outros e tomaram suas formações costumeiras ela me fez vez as outras pessoas convidadas, entre elas o amigo Marcos Quinan, escritor e compositor que me deu a maior força no livro.


Fiquei tão feliz que pulei no pescoço dele e o abracei efusivamente. Tomara que o povo tenha entendido que aquele era um momento especialíssimo e eu estava abobalhada de alegria e surpresa.


Abracei meio mundo de gente, beijei, ri, tirei fotos, autografei...


Isso mesmo. O livro era um lançamento virtual mas me fizeram a surpresa de mandar imprimir e encadernar vários exemplares, o que tornou possivel os autógrafos. Os exemplares esgotaram-se, felizmente. Se forem feitos mais, já poderei chamar de "segunda edição". Uau!


Foi maravilhoso. Recitaram meus poemas e o amigo e músico Eduardo Dias - agora parceiro - musicou um deles e apresentou no evento. O Marcos Quinan também musicou um poema meu, mas não foi apresentado na ocasião. Aguardem!


Voltando para casa não consegui dormir. Rolei muito tempo na cama. Foi quando entendi que meus neurônios resolveram fazer serão porque receberam muito serviço extra e não queriam deixar nada para o dia seguinte.


Pensamentos, lembranças, poesias e textos pululavam em minha mente.


Feliz insônia.
Brigadaê, galera!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A decadência do escorpião

Antes que vocês saibam por outras bocas vou logo dizendo: sou do signo de Escorpião, com todas as suas implicações. E nunca impliquei com as implicações.

Embora a descrição de uma pessoa nascida “sob esse signo” (odeio a expressão) case quase em 100% com o que sou, não acredito em horóscopo. Menciono que sou de escorpião com o objetivo único de “adiantar o serviço” para o caso de alguém querer me conhecer.

Horóscopo é uma crendice que não deveria estar demorando tanto a desaparecer. Vai entender! Não tem nada a ver comigo acreditar nesse tipo de coisa. Além de não fazer nenhum sentido, as piores celebridades que conheço acreditam nessas baboseiras (juntamente com duendes, pirâmides, abduções ...).

Obviamente nada disso impede que eu tenha nascido em 13 de novembro de mil novecentos e.

Por jamais ter implicado com as implicações escorpianas é que certo dia decidi tatuar um magnífico escorpião em meu ombro. Freud explica. Acho que foi um lance de auto afirmação ou coisa assim - quem se importa? Passei então da intenção aos atos preparatórios - como se diz no Direito.

Certo dia um amigo, conhecedor da minha pretensão, pesquisou na internet vários modelos desse bichinho perigosinho e venenosinho. Encantei-me com o desenho de um meio rotundo, azul e com detalhes lilazes (adoro essa combinação). Uma gracinha - tudo o que um escorpião não é.

Caí na bobeira de não guardar o desenho. Pedi novamente para meu amigo mas ele também não encontrou mais. Não desisti, porém.

Mais convicta do que nunca, resolvi esquecer o escorpião gorducho azul e tatuar o mais realista que eu encontrasse. Tudo a ver com a imagem da mulher forte e decidida - no caso, eu. Não ria.

Sim, nada como o realismo! Uma mulher forte e decidida não se deixa flagrar envolvida com coisinhas fofas, você não acha? Claro que acha.

Olhei uns vinte mil catálogos e encontrei vários modelos. Detestei os estilizados, desprezei os fofinhos, os sorridentes e os com florinha do lado. Mas pintou um contratempo: ao invés de ficar satisfeita com os desenhos, fiquei foi irritada com a feiúra deles. Não era possível que ninguém nesse mundo soubesse desenhar um escorpião do jeito que eu queria. Ô incompetência!

Eu tinha em mente algo realista porém bonito, entende? Claro que entende. Reclamei com o tatuador e perguntei como era possível que em meio a tantos catálogos não houvesse nada a meu gosto. Por que cargas d'água só existiam duas categorias de escorpião: os lindinhos ou os feiosos? Queria algo, elegante, cheio de estilo. “-Será que estou falando grego?!” Foi quando o cara calmamente me respondeu - “Mas escorpião é assim mesmo!”

Acendeu-se uma luz. Como se diz hoje em dia "caiu a ficha". Eu estava querendo algo que não existia.

Essa síndrome me persegue? Isso se aplica a outras situações em minha vida? Ah, deixa pra lá. Depois escrevo sobre isso.

Continuando: toda vez que olhava aqueles desenhos realistas eu achava aquele bichinho nojento e muito mal encarado.

Punha-me a imaginar-lo todo desengonçado, tentando se locomover e ao mesmo tempo manter aquele ferrão melecado para cima, de forma a parecer ameaçador. Sabe, ele anda com as sobrancelhas (ou algo que o valha) levantadas acintosamente, desafiando os outros. Onde ele chega, o clima fica pesado. Não retribui sorrisos nem dá informações. Nunca é bem-vindo. Chega numa festa, vê todo mundo comendo mas ninguém lhe oferece nada. E ele também não pede. Fica lá, com a barriga roncando e o ferrão pra cima. Claro que ele não usa desodorante, o que só piora as coisas.

Descobri que na verdade o escorpião não tem nada de poderoso. Não passa de um ser inseguro e com complexo de rejeição. E mania de perseguição. Sentindo-se sempre ameaçado, está o tempo todo com medo. Agora me diga: desse jeito quem é que faz amigos? Conclusão: é um ser solitário. E infeliz. E feio.

Nunca vi os olhos de um escorpião mas posso apostar que são arregalados. Os lábios (lábios? Essa foi forte...) sempre cerrados, a tentativa patética de se manter ereto e eternamente ameaçador. Mal sabe ele que tirando aquelas patinhas da frente fica parecido mesmo é com um camarão.

Também nunca cheirei um bicho desses mas tenho sempre a impressão de que é “pitiú”. Deve ser uma mistura de percevejo com barata. Blerg! E pisa-lo não deve dar nenhum prazer, apesar de tudo. Porque tenho certeza de que ele espoca igualzinho a uma barata em seus últimos momentos. Sabe aquele barulhinho escroto? “Plec!”

O que esperar de um bicho parecido com camarão, fedorento como o cruzamento de percevejo com barata e que morre fazendo “plec”?

Antipático, inseguro, fedorento. O que antes eu admirava tornou-se um símbolo de decadência. Ah não, nas minhas costas não!

Em assim sendo, decidi tatuar em minha perna três “terríveis” borboletas coloridas.

Nada a ver, né? Mas ficou bonitinho.

Cristina Faraon

domingo, 12 de agosto de 2007

Tudo

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo
Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Todo homem é feio se olhado sem amor

Nada é verdade absoluta
Tudo o que existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O outro lado da moeda


Dia desses fiz uns comentários sobre palhaços, lembra? Ao final prometi fazer revelações sobre os palhaços do mal. Pois aqui estou eu, cumprindo a promessa com o risco de minha própria vida.

Sim, eles existem e nesse exato momento acho que estou sendo observada. Digo isso porque sinto pelo menos um par de olhos cravados em minhas costas. Ui!

Se eu desaparecer sem mais nem menos vocês já sabem. Vou logo adiantando: deixo meus bens para os amigos e as dívidas para os inimigos. Justa divisão, né?

Mas vamos lá: a maldade dos palhaços dessa estirpe é patente e invisível ao mesmo tempo. Alguns poucos “agraciados” percebem o perigo ao redor, o clima pesado, mas ninguém lhes dá ouvidos. A história se repete: um pobre-diabo saca tudo, perde a paz e, mais tarde, a sanidade - mas ninguém acredita nele.

A propósito: você tem ouvido vozes ultimamente? Sente-se perseguido? Ainda não? Tudo bem.

Olhos gélidos e ensandecidos... Se você notar, prepare-se para se sentir sozinho no mundo e, de quebra, ser chamado de louco. Conforme-se em ser a voz do que clama no deserto. Crianças desaparecerão e apenas você conhecerá a verdade. E eles sabem quando alguém sabe deles. Sendo assim, eles sabem que você sabe mas você não sabe se eles sabem que você sabe. É angustiante.

Olhe bem para o palhaço mais próximo. Você nota em sua roupa uma pequena mancha cor de vinho? Claro que não é vinho, seu tonto! É sangue velho, ressecado.

E se a mancha não for cor de vinho, mas vermelho vivo? Pior ainda: é sangue novo!

Mas e se ele estiver com as roupas perfeitamente limpas, como que acabadas de sair da gaveta? Mal sinal. Deve ter acabado de estrangular alguém e ainda agora precisou trocar de roupa às pressas. Se você for verificar seu cesto de roupas sujas verá as evidências. Você tem coragem de entrar em seu esconderijo - digo, camarim - durante o espetáculo?

E se as roupas não estão recém-saídas da gaveta, não tem mancha escura nem clara? Aí é de se desconfiar de que ele ainda não realizou seu intento, mas está armando... Fique alerta!

Quando ele olha para você e vê que você está olhando para ele, ele parece tenso? Desvia o olhar? Ou sorri cínico? Parece desconfiado ou estressado? Os palhaços do mal estão sempre estressados. Só a maquiagem ri com aquele colorido grotesco. Aquelas sobrancelhas negras e tenebrosas, as unhas sujas, o chulé inconfundível...

Aquela bola vermelha no nariz é para desviar o olhar da direção dos lábios, pois os lábios os denunciam. Eles não conseguem disfarçar que por detrás da maquiagem a boca se contrai involuntariamente em um esgar estranho e assustador. Não conseguem controlar isso.

Sumiu alguma criança esses dias? Alguma solteirona “mudou-se” de repente? Uma vovó que morava sozinha foi “visitar a família” e não voltou mais? Um mendigo abandonou seu ponto? Aquele gatinho chato nunca mais miou em sua janela? E o que foi feito dos peixinhos da vizinha? Hummm...

Seu sobrinho quer ir ao circo. Ele está encantado com o “simpático” palhaço e suas brincadeiras sinistras. Não, seu sobrinho não sacou que são sinistras, só você, Mané! O pirralho chama aquele espantalho de tio, quer ir ao camarim pra ganhar um brinquedo e quer usar roupas iguais às dele. O que fazer? Desespere-se.

Vamos ser justos: o palhaço do mal não nasceu assim. Ele teve uma infância triste, sofreu abuso de todo tipo, passou fome e frio e era humilhado pelos meninos ricos. O pai bebia e era violento. A mãe era safada e apareceu morta sem mais nem menos em um terreno baldio, com roupas mínimas. Essas coisas, sabe? Se eu contar tudo você chora.

Tudo bem, ele não tem culpa de estar com a mente detonada por situações destrutivas, mas tá com pena? Leva ele pra você!

Aquela criança magrinha e sofrida tornou-se um ser irrecuperável, meu amigo! É uma alma atormentada por pesadelos e estranhas fixações. E o pior de tudo: está solto no mundo, posando de bonzinho com seu riso nervoso. É, ele não tem culpa de ter virado um monstro colorido - mas seu sobrinho não precisa pagar por isso!

Só existe uma solução: essa alma disforme precisa ser eliminada. Precisa! Essa é a sua missão na terra. Se você não fizer nada, cabeças vão rolar. Não adianta explicar para a polícia - vão acabar te mandando para um manicômio pra se alimentar de pão e água para o resto da vida e tomar choques elétricos aos finais de semana. E o pior: de pijama listrado. Não, fora de cogitação pedir ajuda. Você precisa resolver isso sozinho.

Coragem, amigo. O serviço precisa ser feito o quanto antes.

Onde você guardou mesmo aquela faca?

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Efeito ploft



Existem vários tipos de alegria. Sim, a vida é bela.
Entre os principais tipos, em nossas vidas é possível nos depararmos com uma autêntica "alegria uau"... ou com aquela que podemos chamar de "alegria ploft". E em que consiste esse estranho fenômeno "ploft"?
Primeiramente consiste em não ser realmente estranho. É mais presente em nossas vidas do que queremos admitir. Convivemos com ele, mas geralmente fingimos que não existe.

E porque fingimos? Porque é frustrante, claro! E ninguém quer andar por aí passando atestado de tolo.
Funciona assim: a gente adquire um pacote de alegria a determinado preço e pensa que vai durar um tempão. Só que você sabe:"pensando morreu um burro". Mal a gente consegue "aquela coisa legal" e cadê seu principal acessório? Vazou. Aí procuramos no armário, reviramos a casa toda e nada. Não é assim? Retornamos apressados à lixeira pedindo a Deus que ninguém tenha cuspido por lá e resgatamos a embalagem da loja com o olhar ansioso que nada mais é do que um prenuncio do desapontamento que virá a seguir. Tão certo quanto a noite seguindo-se ao dia.
Você já fez isso? Já revirou as sacolas de lojas sem encontrar aquela coisinha preciosa? E em seguida sentou na beirada da cama pensativo... e se tocou de que sua conquista não passava de mais uma "alegria ploft"?

Pois é, você foi enganado. De novo.J á deveríamos ter aprendido a lição, mas como somos teimosos! Por que será que caímos sempre no mesmo truque?
E agora vamos ao que mais importa: como detectar uma "alegria ploft" - essa safada que atenta contra a nossa auto estima.
Geralmente nós a conseguimos com dinheiro. Nem sempre, mas geralmente.Você passa trocentos anos para comprar um IPod achando que ele renderá meses de prazer e para sua surpresa pouco depois descobre que ele é apenas mais um treco no meio das suas coisas. E como tem trecos nas suas coisas!
Esses dias comprei uma bolsa. Não sabia que era "ploft", juro! Vou denunciar ao PROCON. Tenho meus direitos de consumidora!
Uma etiqueta na mercadoria deveria prevenir os compradores: "Atenção, esse produto é"ploft" - e em baixo, com letras menores: "Não exija deste produto mais do que ele pode dar. Ele perde o brilho em 24 hs ou, com sorte, depois de algumas semanas - mas inevitavelmente perde o brilho."Nenhum vendedor dá essa dica. Acho que eles ficam rindo de nós, à socapa.

Morte aos vendedores!
Brincadeirinha.
Também é possível conseguir "alegria ploft" contando mentiras, inventando histórias para impressionar as pessoas e coisas assim. Você acha que aquela glória vai duraaaaar mas em pouco tempo a "alegria ploft" mostra sua verdadeira face: amarela.
Diplomas geralmente são "ploft". Pergunte aí pra galera quanto tempo durou aquela alegria de "ser formado". Claro que é bom ter diploma mas aquela empolgação também é um barato! E eu a quero de volta!Quero minha empolgação de volta! Uma não: todas elas!
Nem vou dar outros exemplos porque você também já achou em sua vida essa pirita. Quem mais encontra é quem mais procura. Comece a procurar e vai surgir um monte de "ploft" pululando à sua frente. Mas fique na sua, vá vivendo na boa sem grandes pretensões e verá surgir de vez em quando uma autêntica "uau!"
Isso está ficando com cara de auto-ajuda, mas não é. Eu, que estou escrevendo, não vou ganhar nem um tostão com isso! Sendo assim, não é auto-ajuda. Certo?
É temerário fazer listas mas vou me arriscar a dizer que filho não é"ploft", é um "uau!" autêntico. E dura pra caramba. Saúde é "uau" mas a gente demora a perceber.
Para completar e no intuito de simplificar (só que complicando) digo a você que um "uau" pode virar"ploft" e vice-versa, dependendo do proprietário. Uma semente que você tenha plantado e que tenha virado flor pode ser um autêntico "uau" em sua vida. Mas se você só queria se exibir para os amigos e ninguém deu a mínima, pode virar "ploft" rapidinho. Cuidado!
Jesus é "uau" - religião é "ploft". Amor é "uau" - transa ocasional é "ploft". Uma casa nova pode ser "uau" ou "ploft" dependendo da cabeça de seu possuidor.
Agora existe um lance macabro: tem gente que "plofa" tudo onde põe a mão. Afaste-se dessas pessoas!
Em minha vida tenho um monte de "alegria uau". Beleza. Mas de vez em quando caio no conto do "ploft", como no confessado lance daquela bolsa.
É... acho que tenho um monte de "ploft" mofando em minha vida. Não sei o que fazer com eles. Alguém aí dá uma idéia?

Quem sabe um leilão?
Acho que uma pergunta vem bem a calhar:

E VOCÊ? É "UAU" OU PLOFT"?
Obs.: Eu sou os dois.
Cristina Faraon

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Lero-lero pra 2008

É ou não é uma ironia? A cada ano novo todos nos tornamos mais velhos.

Então comemoramos o quê nessas "viradas de ano" (credo!)?
Acho que comemoramos a deliciosa fantasia da "página em branco", limpinha, para começarmos tudo de novo. Nova chance, Deus zerando o nosso counter... O passado morreu e ninguem se lembra mais "daquilo".

Quem dera, né? Mas vá lá. Sem fantasia o que sobra da vida? Sobra mesmo muita coisa, mas não é o recheio, com certeza.

Sem fantasia sobra o alface, a beterraba, o peito de frango grelhado e umas bolotas de soja. Tudo com pouco sal. Faz um beeeeem!

Em 2008, criemos todos juízo. E se isso nos tornar menos interessantes, repensemos a mudança. Se der, jogue fora a fantasia e se torne um esbelto emocional. Seja um exemplo mas tente fazer isso sem ser chato. Se você você se tornar chato, volte correndo à lixeira e vista tudo de novo. Depois a gente pensa juntos em um jeito mais simpático de crescermos em 2008.

É isso aí. Por enquanto.

domingo, 23 de dezembro de 2007

A visita


Ela entrou pela porta da frente. Como? Até hoje não sei.

Em meio a tantas outras visitas ela simplesmente fez-se uma a mais. Misturou-se, veio junto e até fez amizades. Como encontrou nosso endereço?

Dona Dor é aquela visita incômoda que vai adquirindo direitos e por fim, conquista um espaço só seu dentro da casa. Querendo ou não ela passa a influenciar nas decisões do lar, acompanha a família às festas, ajeita a cortina, remenda a almofada, rouba flores de velório para decorar a casa... E não é que fica lindo?

Nem todas as vezes fica para dormir mas só vai embora tarde da noite. Bem tarde. É verdade que as vezes desaparece por uns tempos mas sempre volta. Geralmente quando já esquecemos dela.

Dona Dor nem sempre dá explicações. As vezes dá a entender que fomos nós quem a convidamos. Outras vezes diz que a casa é dela... ou que veio porque fomos nós que deixamos a porta aberta e ela se sentiu convidada. Ela suporta nossas perguntas mas não se anima em dar respostas. E quando dá, se contradiz em seguida. Ela adora contradizer-se. Ah como se diverte com isso!

Não se engane: não importa quanto tempo passe mas ela voltará. Sempre volta e cada vez em intervalos de tempo menores.

Dona Dor sempre nos ajuda com a decoração. Parece pouco mas quando falta, faz falta. Dona Dor sabe enfeitar o "ininfeitável" e decorar o "indecorável". Arranja beleza não sei como e a gente sempre se pergunta onde teria adquirido tanto bom gosto.

Nunca sabemos quando vai embora. As vezes parece que não vai nunca. Outras vezes sai pela porta da mesma forma sorrateira como entrou. Ela sempre nos incomoda: quando vem e quando vai. Indo ou vindo ela é o que é.

Quando chega sempre arranja um canto para ficar. Quando permanece incomoda. Quando vai... Não é bom nem ruim: é apenas estranho.

Fica um espaço quando parte. Se não colocarmos nada em seu lugar, ela volta. Precisamos arranjar rapidamente um vaso de flor, uma poltrona, uma luminária. Dona Dor não resiste a espaços vazios.

Claro que não a queremos de volta mas temos que admitir que sem ela nunca mais teremos aqueles arranjos de flores...

Cristina Faraon

sábado, 15 de dezembro de 2007

Confraternizações e piscinas

Ainda no clima de dezembro:

Fico pensando se esse tanto de confraternização de final de ano expressa algum tipo de alegria real... Acho que a pergunta procede porque não é possível que não reflitamos sobre os fenômenos sociais que nos acomentem (nossa! Sempre quis usar uma frase assim. Gostou?)

Se não é felicidade em estado bruto (e põe bruto nisso!) talvez esteja mais mais para busca. Ou quem sabe não passe de um "vai-na-valsa" que ninguém entende muito bem mas adere assim mesmo. E depois do quinto chope, o que importa?

Não pensem que escolhi o ano de 2007 para implicar com tudo. Sou apenas uma pensadora - "atividade" muito valorizada na antiguidade, fique você sabendo.

Ontem fui à milésia confraternização. Abre parêntesis: foi a minha vez de cair no conto do Amigo Invisível. Comprei um presente de O Boticário e ganhei em troca um pacotinho beeem pequeno. Torci para que fosse um baton de qualidade mas logo me desapontei. Adivinhem! Acertou! Era um frasquinho de "reparador de pontas" (pontas de cabelo!) - produto que não deve ter custado nem cinco reais. Não me considero uma pessoa mesquinha, mas ontem doeu... Fecha parêntesis.

Pois bem: havia no local um grupo tão animado, mas tão animado que minha reação oscilava entre inveja e medo. Era sobressaltada vez por outra por gritos, exclamações incompreensíveis, uivos, pulos... E para aliviar as tensões, palavrões eram pronunciados com candura tal que chegava a enternecer a alma mais empedernida. Tudo dentro do mais legítimo Espírito Natalino. Eu acho. Se não for o tal, não sei bem a que atribuir aquelas manifestações paranormais.

Não me atrevi a por a culpa em Jesus Cristo.

Pois é: de lá para cá fiquei a me perguntar qual seria o motivo de tanta empolgação. Por que agiam assim, Santo Deus, tão fora dos padrões do dia-a-dia? Não tinham dívidas? Doenças? Chifres? Ninguém estava com o emprego por um fio? Ninguém se sentia só, com cólica ou calo?

Interessante como as pessoas atendem placidamente a voz de comando de cada época do ano. Finados: hora de chorar; Dia dos Namorados: hora de se comportar romanticamente; Natal: agora é pra ficar emotivo viu, galera? E valorizar a família. Carnaval: soltar a franga (entenda-se: "dar pra todo mundo") e por aí vai.

Em termos de "fenômeno provocador de felicidade", depois das confraternizações o que vem em segundo lugar com certeza são as piscinas domésticas. De clube não vale.

Dinheiro não traz felicidade mas piscina sim.

Explico: onde moro pude comprovar que nas casas onde existe piscina a felicidade está garantida. Aos finais de semana, pelo menos. É uma coisa mágica!

Piscina em casa é sinônimo de ajuntamento de crianças saudáveis comemorando com alegria desesperada o próprio existir. Lindo! Na vizinhança ninguém dorme, estuda ou faz oração: todos se tornam platéia para "aquilo". É como nas confraternizações: gritos, risadas descontroladas, música, disposição para continuar indefinidamente, abraços, comida, palavrões, bebida...

Gente, se eu soubesse que piscina trazia tanta felicidade nem teria comprado carro ou mobiliado a casa. Estou revendo meus conceitos...

Se você não tem piscina em casa é digno de pena. Mas como Deus é pai você pode, todos os finais do ano, ter acesso ao seu quinhão de alegria garantido pela infinidade de confraternizações da época.

Só advirto que tome cuidado com um certo "Amigo Invisível" (ou "O Tenebroso") que anda assombrando por aí. É fácil reconhece-lo: é um Papai Noel às avessas. Além de te desapontar, vai te encher de dívidas.

Legal, né?

Cristina Faraon

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Estranho vício


Que eu lembre assim, de sopetão, não tenho nenhum vício. Ou, como dizia uma conhecida minha: "fumar, beber, jogar... Desses viciozinhos tolos eu não tenho nenhum."


Mesmo sem ter vicíos posso entender alguns. A ciência explica de forma razoavelmente compreensível aos indoutos (como eu) o motivo de alguém se viciar em cigarro, jogo, bebida, drogas... Até que dá pra entender. Mas os viciados em trabalho desafiam minha capacidade de compreensão.


Existem pessoas que se inquietam frente a possibilidade de "não ter nada pra fazer". Têm crises de ansiedade - "Oh, que calamidade!" Não podem ficar paradas e declaram orgulhosamente que amam trabalhar: "O trabalho é minha razão de viver. Não sei ficar parado". São os viciados em trabalho. Credo.


Segundo a psicóloga Denise Mendonça de Melo (viva o Google!) os viciados em trabalho "passam pouco tempo com a família e mesmo quando estão presentes o assunto é sempre o trabalho. Sendo assim, o período de férias torna-se um suplício, pois longe de seu “habitat natural” sentem-se muito incomodadas, acreditando que estão desperdiçando tempo com futilidades e que por isso são pessoas inúteis. Anseiam para voltar ao trabalho, não conseguem relaxar."

Jesus, tende piedade dessas almas.

Li também que "Artigos científicos publicados em revistas de todo o mundo costumam levantar a hipótese de que boa parte dos seres humanos apresenta uma “predisposição psicológica” para o vício em trabalho."

Tô fora.

Entendo bem as pessoas que gostam do que fazem, que trabalham com afinco, são prestativas e dão o melhor de si em uma tarefa - têm um alvo a alcançar. Mas dá um nó em minha cabeça imaginar que um ser humano livre consiga resumir sua vida ao trabalho e ainda se gabe disso.

Para mim o trabalho é uma maneira legítima de realizarmos nossos sonhos. E é maravilhoso quando gostamos do que fazemos. Só que gostar do meu trabalho é bem diferente de viver para ele. Gostar é bom mas "viver para" é um tipo de maluquice. Pelo menos é o que eu acho do alto da minha pseudo-sanidade.

Sei perfeitamente que existem profissões com o poder de absorver grande parte do tempo de suas vítimas. Elas - as vítimas - por necessidade e/ou senso de responsabilidade se esforçam para cumprir todas as tarefas impostas pelo feitor - digo, empregador. Nisso passam 10, 12, 14 horas por dia. Se essas pessoas forem emocionalmente saudáveis preferirão viver de outra forma e nesse exato momento devem estar maquinando alguma maneira de sair dessa fria. Mas se o "prazerômetro" desse ser já tiver sido seriamente danificado ele vai continuar... até cair pra trás, roxo.

Uma pessoa com o "prazerômetro" danificado, quando de folga não consegue se livrar daquela sensação desgraçada de estar esquecendo de fazer alguma coisa importante. Sente uma "cuíra" misturada com sentimento de culpa quando não está com a enxada na mão. Outros sintomas:
Não consegue relaxar, sua frio e por fim fica dando voltas na casa procurando o que fazer; checa se a lâmpada precisa ser trocada, rearruma as gavetas - dessa vez por ordem de preço, não mais de cor - dá outro banho no cachorro, corta as unhas de todas as crianças do bairro, revira a casa procurando lápis para apontar, meia furada pra cerzir, pede a Deus que um passarinho cague em seu carro para que possa lavá-lo de novo, numera os gatos da vizinhança - tudo isso pra não precisar ficar uma hora balançando em uma rede, ouvindo música e tomando uma água de coco. Dá até pena.

Em meu profundo e profícuo exercício de pensar já concluí que para alguém chegar a esse estágil lamentável de desprezo ao ócio eventual a porta de entrada é sempre a mesma para todos: fuga.

Paira na vida desse tipo de pessoa o medo de refletir sobre a própria realidade. Ela teme dar de cara consigo mesma ou ter que "discutir a relação"com o sujeito do espelho. Seria a morte se descobrisse que sua vida é uma tremenda furada, que está infeliz e que prefere trabalhar até três da manhã do que ter que fingir que ama a pessoa com quem dorme.

Não estou criticando ninguém! Entendo que fugir não faz ninguém feliz, mas anestesia. É legítimo e humano tentar fugir da dor.

O trabalho, para alguns, é uma maneira de fugir sem parecer covarde. Bem, se essa fuga te deixar mais rico tudo bem: os herdeiros agradecem. Continue até morrer. Mas se não está nem ficando rico, receio que você esteja fazendo um mau negócio.

Aqui vai minha contribuição para a sua vida sem sal: uma pequena lista de sugestões de fuga que, a meu ver, são mais divertidas do que trabalhar em excesso:


Faça sexo (se não for exatamente disso que você estiver fugindo, claro);

Leia um livro. Auto ajuda não; é profundo demais.

Escreva um livro e empurre na goela dos amigos;

Leia uma revista de abobrinhas. Não me refiro a culinária, mas não deixa de ser uma opção.

Durma. E sonhe colorido de preferência.

Vá para uma academia e deleite-se em acreditar que está "embonitando".

Desista da beleza e vá com os amigos festejar sei-lá-o-quê no barzinho.

Tome um banho de espumas e vá dormir novamente.

Fique na janela estudando o valor social das bundas.

Visite aquela tia que talvez não viva até o próximo ano. Dê assim aos seus sobrinhos um bom exemplo...

Faça um check-up (só recomendo isso se voce tiver quase certeza de estar saudável)

Assista um filme bem triste e descubra o quanto sua vida é maravilhosa.

Faça compras.

Em caso de pobreza excessiva, vá ao shopping só olhar. Sonhar é de graça - ainda.

Curta um "dia da noiva" (ou do noivo) em algum salão de beleza. Dizem que a pessoa sai de lá 3 anos mais jovem. E um mês mais pobre - mas isso é só detalhe.

Evite seções de massagem porque nessas ocasiões a pessoa acaba pensando na vida e você não está preparado pra isso.

Converse com alguém na internet. Se for seu dia de sorte, em meio a tantos jumentos você conseguirá encontrar alguem minimamente alfabetizado.

Quanto tempo faz que você não usa o fio dental? Pois é: mãos a obra.

Cante uma mulher difícil. Se você está de folga terá tempo de experimentar todas as táticas pra ver qual funciona. Vai que dá certo! E no final de tudo você ainda poderá escrever um livro sobre isso e ganhar uns trocados.

Se nenhuma dessas sugestões lhe agrada aceite mais essa: consulte um psiquiatra ainda hoje. Sério.

Agora me dê licença que eu estou de férias e preciso bater o cartão de pontos na rede que está pendurada lá no meu pátio.

Cristina Faraon


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Noronha

Não, esse título não tem nada a ver com o nome de algum novo gatinho de estimação.
´
Estou em Fernando de Noronha - caso alguém esteja interessado em saber por onde ando.

Obviamente estou empolgada com tanta beleza. Recomendo a viagem. Antes porém sugiro que vendam alguns bens.

Hoje fiz mergulho. Adorei, mas pensei que fosse uma coisa mais fácil e banal. Nada disso. Dá uma tremenda aflição, cansa, pinta medo... mas vale a pena. E como!

Depois mostro umas fotos para vocês, tá? Por favor, não percam o sono enquanto eu providencio. Juro que vou mostrar.

Confirmei o que já desconfiava há tempos: os seres humanos NÃO FORAM FEITOS para habitar o fundo dos mares. O ambiente é lindo mas inóspito para nós. E olha que nem apareceram tubarões!

A pressão lá embaixo é muito grande e o ouvido sente. Os pulmões também. Quanto mais fundo mergulhamos pior a sensação de peso, opressão nos pulmões, perigo e desampado. Dificil deixar de imaginar a merda que seria ter um ataque de tosse lá embaixo...

Agora entendi porque os peixes não tem ouvidos: porque lá embaixo dói muito e eles teriam certa dificuldade em apertar o nariz para tentar desentupi-los. A natureza é sábia.

Uma coisa com a qual eu não contava: os instrutores nada me disseram sobre o risco de um acesso de risos. Por várias vezes tive que usar todo o meu poder de concentraçaõ para não rir da aparência de certos peixes. Havia um que parecia um retalho de pano florido. E para completar a impressão ele deixava-se jogar sobre uma pedra de um jeito bem engraçado. Parecia toalha de mesa de restaurante do interior.

Havia um peixe lindo, azul escuro com detalhes muito fashion em neon. Se não era neon resta-me dizer que a imitação era perfeita. Ah, também vi um que parecia ter os dois olhos de um lado só. Não deu para checar se do outro lado haviam mais dois... Tendo ou não tendo ele já está classificado na categoria "ESTRANHO".

Fiquei um pouco desapontada com a indiferença deles em relação a minha pessoa. Não me conformo de não terem me achado nem um pouco assustadora. Eles passeavam tranquilos a minha frente (e por cima e por trás também. E por baixo) demonstrando o quanto me acham comum. Chato, né? Só se esquivavam quando eu tentava lhes fazer um cafuné. Decididamente os peixes não apreciam essa demonstração de afeto.

Os cardumes passavam por mim como se eu não oferecesse perigo algum. Na verdade não oferecia, mas eles não precisavam deixar isso tão claro!

Bem, são essas, inicialmente e atabalhoadamente, minhas primeiras impressões do fundo do mar.


Cristina Faraon

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Não contem nada a eles!


O boi, o frango, o peixe, a capivara, o camarão, o marreco, a lula...

Como você, eu também devoro animais - sem trocadilhos.

Não, não me sinto nem um pouco culpada por isso e não vou erguer a bandeira magra e pálida do vegetarianismo. Meu pensamento é o seguinte: deu mole, virou refeição. Nunca aconteceu com você?


Calma! Estou me referindo (sinceramente!) a alimentação. Sabe essas coisas que a gente faz na cozinha, na mesa... Hmmm... Deixa eu melhorar: refiro-me a essas coisas que tem a ver com panelas, tempero, sobrevivência, mastigação. Ficou claro?

Continuemos.

Não sou vegetariana. Quero a saciedade que vem das carnes, quero me sentir "das cavernas" de vez em quando. Faz bem. Comer carne é (do lado de lá e do lado de cá) animalesco, violento e, talvez por isso mesmo, delicioso. O sangue é só um detalhe.
Você deve estar se perguntando o que, então, me levou a iniciar esse texto falando de seres tão comestíveis? O boi ... o frango... o peixe... O que, nesse simpático corredor da morte, instigou minhas considerações?

Tomemos como exemplo o frango: quantas e quantas vezes já me flagrei com um frango entre os dentes e o coração pesado a considerar a brevidade daquela vidinha tão desprovida de prazer e sentido. Tem sido doloroso pra mim imaginar que algo sagrado e misterioso como a VIDA possa acontecer sob determinações estatísticas e contábeis, com o fim único de ser destroçado por humanos impiedosos.

Pense em toda aquela expectativa da galinha, do "coito" à constatação de que mais um lindo ovo viria ao mundo! E para quê? Pra ser quebrado em minha frigideira. Ou sadicamente alimentado e espionado até atingir a idade do abate. Que porcaria de vida é essa?!

O camarão "singrando" os mares, fazendo planos para o futuro, sentido-se livre, jovem e desejado pelas camaroas ... Mal sabe ele que o "mar" que está singrando não passa de um viveiro safado e que sua vidinha vai acabar tão logo ele atinja o tamanho ideal.

Cruel.

Cruel, mas gostoso.

Cruelmente gostoso. E nem sai sangue!

Podemos dizer o mesmo do boi e de tantos outros desafortunados que pisaram esse mundo sem perceberem que nenhuma de suas qualidades seria apreciada, a não ser o valor nutritivo.

Do nascimento a morte o que pode haver de interessante na vida de um bicho desses? Pode até haver mas jamais saberemos. Jamais! Por que desenvolveram inutilmente habilidades? Por que aprenderam a andar, nadar ou voar? Por que ter lindas penas ou pelos macios se tudo se acabará no Auschwitz da nossa cozinha?

Qual a especial ventura ou aventura, o plano de existência, o ato de bravura a ser registrado? Quem se interessa pelo que cada um desses animais possa ter de singular? Manias, preferências, fobias, sobressaltos... De nada disso restará lembrança. Passam pela vida como coisas vãs, como nada! E no entanto são tão complexos em sua formação... A vida neles também é um mistério, tanto quanto em nós. Que força os sustenta? De onde vem? Como se mantém e para onde vai? Quem se importa? Toda a ciência de seu micro-mundo está destinada ao nada... a ser perdida para sempre.
Sabe, isso me inquieta. Não o suficiente para passar fome, mas inquieta.

Eles enxergam, ouvem, sentem as exigências da natureza, a aproximação do predador ou da fêmea, sentem fome, cansaço, aflição... Para quê? Tanta complexidade desperdiçada...
Se eles soubessem - não conte nada a eles! - o quão breve e pobre suas vidas são e quão cruamente estão destinados ao buraco negro do esquecimento... Se eles pudessem ao menos refletir sobre a porcaria de vida que levam...
Sabe, acho que eles se revoltariam. Ou ficariam deprimidos - não haveria Prozac suficiente no mundo. Ou quem sabe, uma vez dotados de entendimento, eles se contentassem em escrever um blog cheio de indignação e amargura.
Ah como é confortável ser contada entre os humanos! Eu: um ser superior! Obra prima da criação de Deus reinando sobre os outros animais. Os reis da floresta somos nós! Ah que chique mandar no pedaço, escolher quem morre e quem não morre, se é com fritas ou farofa... ou quem sabe umas torradinhas. E chope!
Somos quase divinos. Pare para pensar. Pelo menos em comparação a uma lula eu sou. Falo por mim. Não sei você.

Então, enquanto pesarosamente eu comia e lamentava a má sorte daqueles seres inferiores e azarados, me ocorreu o seguinte: será que esse mesmo tipo de consideração também "aflige" os vermes que, debaixo da terra, esperam por nós? Por mim?!
-"Pobres humanos... Que sentido tem suas vidas? Se eles soubessem que a única finalidade das suas existências é nos alimentar... Vidinha mais besta! tantos projetos, tanto suspens, tanta complexidade desperdiçada... Não contem nada a eles!"


Cristina Faraon

sábado, 3 de novembro de 2007

Pra quê?



Dia desses me senti meio patética (de novo!) vagando pelo shopping, tentando encontrar alguma coisa que valesse a pena ser comprada.


Tudo sem graça, manjado. E cada vitrine que eu olhava me encarava com perguntas irritantes:


- Um anel... Mas pra quê? Você tem vários e eles não melhoraram em nada a aparência das suas mãos. Não se iluda.

- Você tem mesmo certeza de que quer essa droga de vestido? Vai para onde com ele? Vai ver quem? Essa cópia de cópia vai ficar mofando meses em seu armário e você se sentirá pior ainda.

(Droga! Vamos aos sapatos.)

- Sapato de novo?! Conplexo de centopéia... Quantos pares de pés você tem, mulher? Tudo bem, se isso te fizer feliz compre. Mas nós sabemos muito bem que não te melhorará em nada, nem por dentro nem por fora.

(Ódio! Vou lanchar.)

- Vai engordar assim, de graça, sem nem estar com uma fome que justifique a transgressão? Depois já sabe: vem aquele sentimento de culpa, o espelho inclemente, as roupas que encolheram...

- Mulher, vá para a sua casa! O que você está fazendo aqui? Vá! Vá! Xô!

Responder o que? Fui. Mas antes resolvi me consolar com um sorvete. Não precisa estar morrendo de fome pra tomar sorvete, não é?

Uma vez ingerido não pude evitar: fiquei pensando na guerrilha interna que acabava de ser iniciada dentro do meu nobre corpo.

A gordura desesperada, procurando uma trincheira.

A área vip é o abdômem. Toda gordura do mundo quer ir para esse céu amarelo, mole e escorregadio. Quem não conseguiu classificação teve que se contentar como "classe média" acumulando-se em minhas costas.

As coxas são classificadas (segundo análise do modus operandi da invasora) como a pior parte da segunda classe. Elas não fazem muita questão de ir para lá mas acham preferível do que fazer volume um minha bunda. Filhas da mãe!


O espaço para essa guerra não é tão vasto, felizmente. Tenho procurado dificultar o acesso da inimiga às áreas principais, protegendo-as com exercícios físicos. Só que nem sempre isso é o suficiente. Atualmente são minhas únicas armas, além do ingênuo adoçante.

Ultimamente tenho percebido uma sutil "invasão de terras" também nos braços e queixo - áreas antes ignoradas e que têm tudo para passar a ser consideradas "vip". Era só o que me faltava! São locais difíceis de isolar. O canhão da ginástica nunca chega até lá. A solução deve ser drástica: capturar as invasoras manualmente e mandá-las para o campo de extermínio - entenda-se: lipoaspiração. Aguardem.


Se ginástica não resolve tudo, menos ainda roupas novas poderão resolver. Essas considerações foram revolvendo meu "estômago emocional" . Fui então pegando um nôjo - sério! - das roupas, das blusas, blusões, blusinhas, colares, sandálias, calcinhas... Cada lembrança, uma careta. Cada peça, um arrôto. Tudo me pareceu excessivo, colorido demais, fútil, pequeno, "aperuado".


Eu já estava prestes a vomitar mas meninas simpáticas me perseguiam para dizer que eu poderia comprar meio mundo e começar a pagar só em 100 dias.


Acho que vagar pelo shopping é a penúltima etapa para o fundo do poço. Tive pena de mim mesma...


Não quero nem saber como é o fundo do tal poço. Muito menos onde fica. Por favor, guarde para você essa informação.

Cristina Faraon

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Existe?


Há quem acredite na existência de duendes. E fadas. Seres extra terrestres. Sei que existe uma galera que jura já ter sido abduzida.
Tem gente que acredita em bruxas, em regeneração, em vida eterna, em igualdade, em homens fiéis...
Não estou animada a falar sobre essas coisas. Nada disso me inquieta, nada disso tira a minha paz.
Mas hoje ... Essa foto mexeu comigo.
Será que isso existe?
Claro que você não vai me perguntar "isso o quê?" Claro que estamos falando do momento supremo registrado por essa foto.
Essa representação de felicidade não estaria um tanto exagerada? Isso é para nos entreter ou para nos enganar? Tem a ver com a vida real? Essa liberdade toda não contraria a legislação vigente? Acho que a moça aí, de tão feliz conseguiria voar. Espero que tenha autorização.
Ah, quero sentir isso. Desse jeitinho mesmo. Vou me concentrar pra ver se pelo menos consigo sonhar que estou num lance desse.
Calma, calma! Respiremos fundo e analisemos.
Se considerarmos que o imóvel de onde a moça evadiu-se, representa apenas o invólucro de sua alma, poderíamos interpretar a figura como um flagrante imaginário de um momento único: a morte. Legal, não é? Até aí não vejo nenhum absurdo.
O problema é se...
... E se a foto não tiver nada de metafórico? E se for a verdade escancarada de alguns poucos agraciados pela vida? Aí o bicho pega... Não, talvez o bicho não pegue, porque a garota está livre, leve e solta.
Mas persiste a pergunta: é possível que ainda aqui em nosso planeta, arrastando carne, ossos, músculos, gord - deixa pra lá - é possível que nos encontremos um dia em meio a esse desespero de liberdade?
É possível sair por aí mostrando todos os dentes, correndo descalça, pulando, gritando talvez? Não seria um tanto ... subversivo? Anti natural? Indecente?
Será que, porventura, poderia vir a acontecer... comigo?

Cristina Faraon

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Que fofo!


Por falta de tempo de nos encontrarmos, costumo conversar com minhas amigas via internet. Ultimamente uma grande amiga e eu comentávamos o teor de um dos meus textos. Na continuação do diálogo, olhem que e-mail fofo ela me mandou!
Só não digo o nome dessa amiga porquecerta vez ela me disse que acha esse lance de blog uma coisa meio estranha: "é muita exposição!" rsrsrs.
Ela é muito sóbria e recatada.

"Olha, Cris, meu tempo é muito cheio de acadêmicos afazeres, mas também não sou assim uma pessoa tão incorruptível (rsrs)! De vez em quando (principalmente quando trabalho em casa) dou uma escapulida pela Internet. Hora do recreio! E se eu achar uma bolachinha com chocolate pra degustar, melhor ainda!

Pois é, teu texto era uma bolachinha com chocolate dos 2 lados... Saudável como o rir de nós mesmos... Não tive a impressão que estava registrando um "mau" momento. Ao contrário, deu para perceber muito bem a tua leveza e teu bom humor, e entendo o que estás falando a respeito da tua nova liberdade de ser.

Estou começando a enxergar algumas coisas das reações viciadas que a gente adquire em anos de igreja sem aprender a desconfiar de tudo que nos leva a nos esconder atrás de máscaras espirituais. A liberdade de ser é uma coisa contagiante. Falei que estava "pensando em voz alta", com toda a liberdade de uma amiga, sem nenhuma crítica velada atrás de minhas palavras, para tentar analisar honestamente o desconforto que sinto, principalmente se eu penso na categoria de pessoas passíveis de se escandalizarem com essa liberdade. É verdade que não dá para ficar sempre se preocupando com o que as pessoas vão pensar, mas no fundo não consigo parar de me preocupar e acabo voltando à velha pergunta: é lícito sacudir os escandalizáveis escandalizando-os com nossa liberdade ou não adianta? Seja uma estratégia ou seja espontâneo. Não sei...

Enfim, acho que tu sempre estás algumas milhas na minha frente, na reflexão a respeito de nossa experiência cristã. Achava isso quando te conheci de longe, nos anos 80, esbanjando uma batistésima segurança nas doutrinas (ainda que como forma de procurar uma segurança) e agora, nesse teu processo de busca de odres novos. És uma amiga estimulante, tá vendo! "

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Desconfio


Sempre olhei assim, meio de lado, para as pessoas que fazem questão de mostrar pra todo mundo o quão felizes elas são. São a pior vertente do Politicamente Correto.

Quem é sincero, mas sincero mesmo, não é politicamente correto - convenhamos. A vida de ninguém é um cartão postal e se parecer com um, desconfie.

Você já se sentiu logrado por fotografias de lugares paradisíacos que não eram tão paradisíacos assim? A areia não era tão fina, a água não era tão clara, a praia não era tão lotada, as moscas não eram tão persistentes... Pois é.

Os Manequins de Vitrine de Subúrbio - doravante chamados MVS - são uma propaganda viva de... de quê mesmo? Ah sim: às vezes de uma religião, de uma causa, filosofia, um movimento... Uma utopia qualquer - não importa. Eles só querem mostrar que a coisa funciona. Vivem para isso e para isso empenham - e emprenham - a alma.

Não se enganem: eles não ostentam essa suposta ventura com o objetivo de animar ninguém. Muito pelo contrário: querem mesmo é ficar pairando no céu como pipas coloridas, inacessíveis e cobiçadas pela molecada esfarrapada do bairro. Há uma maldade velada naqueles sorrisinhos.

Não louvo quem vive reclamando de tudo. Esses também são chatos. Mas me sinto muito bem ao lado de gente-como-a-gente, que não sente necessidade de provar para ninguém que está “no andar superior” da vida.

Geralmente as pessoas que admitem que estão com “a bola murcha” são as mais humanas e batalhadoras. São as que te entendem, que dividem o sanduíche, que explicam que “a vida é assim mesmo mas amanhã melhora” - e ainda te convidam para tomar uma cervejinha cada um pagando a sua. Elas presumem, corretamente, que os outros são como elas e que percalço não é vergonha. O lance é “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.”

Gente só é legal quando é gente. Porque gente que não é gente, enche o saco da gente.

Altos e baixos, dia e noite, som e silêncio... É assim mesmo. As pessoas que tem essa postura não encaram os problemas como castigo de Deus, maldição, pé frio ou “algum mal eu fiz no meu passado”. Dessa forma são as únicas aptas a te dar um abraço amigo quando tudo está um caos e a mulher dorme de calça jeans. Elas vêm, pagam um cafezinho e tudo o que dizem pode ser resumido em: “tem razão, as vezes a vida é uma merda. Mas não esquente que amanhã a coisa melhora. Meta a cara e vá levando porque você não é um rato.”

Ninguém precisa de super homens. Nem mesmo para resolver nossos problemas. Por mais que se esforcem os super homens só conseguem fazer com que nos sintamos como minhocas. Onde vão, arrastam consigo (entre parênteses) a seguinte legenda: “Cara, como você consegue ser tão azarado?”

Pior do que um MVS, só dois. Refiro-me aos casais de vitrine.

Você já conheceu um casal assim, que parece só se animar quando há platéia? Eu já. Deu vontade de colocar tachinhas na cadeira deles, “adoçar” o suco com sal, plantar uma barata morta em seus bolsos, pedrinhas na comida... Não fiz nada disso e ainda pedi perdão a Deus. Pode olhar minha ficha que nada consta!

Selinhos sem naturalidade, mãozinhas dadas em público, “depois a gente conversa sobre isso, meu amor”. Vai ver que nem transam.

Não consigo abandonar a idéia de que os MVS escondem uma tremenda amargura em suas almas plásticas. Acho que sofrem de uma carência de alegria crônica mas, doentiamente, recusam-se a admitir. Exibem-se nem tanto por vaidade, mas por necessidade desesperada de acreditar que estão dando certo - ainda que nem estejam dando. Certo?

Concordo que é doloroso demais constatar que o castelo virou farelo, mas poxa! A gente tem que encarar os fatos! Se não para melhorar, pelo menos para não ser mala.

Meu coração pertence aos com-defeito: pessoas que suam, que perdem a paciência, sentem dor de cotovelo, ciúme, não escondem o furo da meia e vez por outra ainda estouram o cartão de crédito. São a companhia ideal porque, apesar da vida, não deformam nem perdem as tiras.

Quanto a galera da vitrine... Sei não, acho que é tudo broxa.


Cristina Faraon






sábado, 20 de outubro de 2007

Tudo e Todos

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo

Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando é sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Toda pessoa é feia se olhada sem amor

Nada é verdade absoluta
Mas tudo o existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MEMÓRIAS - 01

Desde cedo os homens contavam com a minha incansável admiração. A figura masculina sempre mexeu muito comigo - no sentido mais inocente do termo.

Desde pequena eu já professava algumas idéias feministas. As pessoas sabiam disso e provocavam meus discursos: sim, homem e mulher tem direitos iguais e devem ser igualmente respeitados. Mas ao mesmo tempo que dizia isso com muita convicção, enxergava os homens como seres especiais; muito, mas muito mais fascinante do que as aguadas mulheres.

Caramba! Eu já era contraditória desde então!

Por mais que as mulheres fossem sempre simpáticas comigo (colegas, amigas da mamãe, tias...) e me tratassem com sorrisos, atenção, presentes e carinhos, tudo o que elas provocavam em mim era uma certa irritação. A minha vontade era dizer-lhes: "Não me toquem pelo amor de Deus!" Mas não dizia, cláro. Ficava só calada e muito séria, olhando meio “de banda”.
A verdade é que as mulheres nunca me despertaram nem um décimo da empolgação que um simples sorriso masculino provocava. Para mim as coisas mais lindas do mundo eram a voz e o sorriso masculino. E os músculos, sem dúvida. E tudo o mais.

Dos afagos femininos eu pensava: “coisa mais sem graça!” Já para os homens não: eu abria um enorme sorriso, me derretia toda, ficava por perto, torcia para que me dessem atenção e que me colocassem no colo. Ah, tão simpáticos os amigos do papai!

Em minhas análises eu olhava para meu pai, primos, irmãos, amigos da família, vizinhos... e depois os comparava com as mulheres. Concluía então que eles eram muito mais interessantes, fortes, desejáveis, bonitos e agradáveis do que as mulheres. Não precisavam de artifício algum, bastava que existissem.

Então imaginava como seria maravilhoso se uma voz grossa e aveludada um dia dissesse, bem no pé do meu ouvido, que eu era linda, que me amava e queria casar comigo - igual nos contos de fada. Ah... Eu suspirava!

Ter um homem com certeza seria a glória. Um dia eu haveria de ter um só pra mim! Não o dividiria com ninguém.

Detalhe: eu não contava ainda nem dez anos de idade. Não sabia absolutamente nada sobre sexo. A questão é: para que cargas d´água será eu queria um homem?

Acho que era só para ficar olhando, olhando, olhando...
Cristina Faraon

domingo, 30 de setembro de 2007

As respostas ficam por sua conta


Por que será que a gente insiste em querer que tudo tenha sentido? Por que a falta de explicação para todos os fatos da vida tira tanta gente do sério?

Quem disse que tudo tem que ter sentido? Você acredita em duendes?

Porque ninguém assume que causa-e-efeito são, de fato, as molas mestras do mundo? Acho que se não todos, pelo menos os ateus teriam o dever de acreditar devotamente nisso.

O aleatório, quando casado com a causa-e-efeito, tem um poder determinante inegável. Por que tanta relutância em aceitar isso?

Por que existe pobreza? Será que é porque existem pessoas que buscam melhorar de vida enquanto outras não se empenham muito nisso?

Mas nem todos tem oportunidade. Por que alguns não tem chance? Seria porque uns são mais fortes e passam na frente?

Não, nem sempre. Muitos já nascem com a faca e o queijo na mão enquanto outros...
É verdade: uns recebem de seus pais uma herança chamada "chance". Os pais plantam, os filhos colhem. Outros pais fazem tudo errado e deixam para o filho uma herança de outra natureza: pobreza e ignorância.

Nossa, será que estou dizendo que não temos o direito de deixar heranças para nossos filhos? Tudo o que fizermos e conquistarmos nesse mundo deveria ser levado conosco para a cova?
Que tal isso começar com você e na sua família? Eu tô fora!

Não... não é justo que os filhos recebam "herança"! Cada um que nasce deveria começar do zero!
Será? Então tá: vamos revogar a lei da causa-e-efeito. Como também não acho justo que as pessoas tropecem e caiam, vamos aproveitar e revogar também a lei da gravidade. A lei da sobrevivência do mais apto é injusta também? Vamos dar um jeito nisso! Vamos lançar a campanha "vida longa aos medíocres e morte aos mais capacitados!" Assim teremos um mundo cor-de-rosa.

Mesmo com todo esse arrazoado não consigo me conformar com o fato de crianças já nascerem determinadas a viver mal.

Mas pensemos bem: de onde tiramos a idéia de que as coisas tem que ser justas e fazer sentido?
E se TEM que ser justas, de onde tiramos a convicção de que são injustas?
O que sabemos sobre justiça? De onde vem essa noção? Provavelmente da cabeça de pessoas como nós: injustas!
O que entendemos sobre a manifestação da injustiça e todos os milhares de fatos que a geram? Conhecemos realmente essa pessoa que "não teve oportunidade"? Sabemos tudo mesmo sobre sua vida? Conhecemos cada passo seu, cada escolha, cada equívoco? Temos certeza absoluta de que ela não tem ou não terá oportunidade alguma durante todo o curso de sua existência? Eu apostaria todos os seus bens nessa afirmativa?

A "vida" é injusta? É... Mas já que estamos com as etiquetas na mão, que tal aproveitarmos pra rotular também de injustos os pais irresponsáveis?
Também há que se considerar que em todas as espécies de animais, a sobrevivência é uma luta mais ou menos sangrenta. Por que cargas d' água eu deveria achar que entre os seres humanos a coisa era pra ser diferente? Já vi documentários sobre a vida selvagem. Já vi um animal estraçalhando outro impiedosamente. Acho que eu não perderia meu tempo tentando reeducar uma onça...
Mas nós somos humanos! Somos racionais!
Até que ponto?
Será que a fera que existe dentro de nós morreu por causa da nossa "humanidade"?
Sei lá, acho que somos racionais apenas o suficiente para sentir dor moral...
É justo não colhermos o que plantamos?
Será que todas as nossas más ações deveriam ser estéreis, ou seja: sem resultado? Aí teríamos que refazer o mundo!

Ai céus! O que proponho? Uma corrida na qual todos cheguemos em primeiro lugar? Seria uma proposta idiota.

É justo eu ter o que tenho enquanto outros não tem? Mas seria justo que me tirassem o que tenho mesmo sabendo que o que alcancei foi com trabalho e honestidade? Seria justo privar meus filhos de colherem o que plantei?

Existe mesmo riqueza para todos nesse mundo?

Temos certeza de que todas as pessoas querem ser iguais? Você quer ser igual a todo mundo?Não seria isso uma grande mentira? Desde sempre as pessoas querem mesmo é se destacar, afirmar sua individualidade e sentir-se únicas.

Não seria exatamente por isso que exista tantas diferenças sociais? "Igualdade" não seria o falso discurso de quem apenas está por baixo? Uma vez "subindo alguns degraus" a pessoa passa imediatamente a querer a distinção. Não é verdade?

Todos os nossos males sociais não seriam apenas o outro lado de uma moeda que conservamos com tanto empenho?

Por que o mal subsiste? Talvez porque toda a miséria humana exista como subproduto do que lhes seja mais caro e desejável.

Ninguém pode abrir mão de apenas um lado de uma moeda!

Nós queremos realmente mudar tudo isso?

Se quiséssemos mesmo será que já não teríamos mudado?

Se não abolimos as desgraças não seria por saber que elas são o inevitável efeito colateral de tudo o que nos apaixona e move nossos pés?

A beleza subsistiria ante a ausência da feiúra? Ela seria percebida e gozada?

Estamos realmente dispostos a abrir mão de todos os gozos que resultam em dor?

Não seríamos hipócritas? Não temos coragem de abrir mão de prazeres que fazem mal a nós mesmos!!! Quanto mais abrir mão daqueles prazeres que fazem mal aos outros!

O que estou dizendo lhe parece muito estranho?

Você nunca comeu alguma coisa sabendo que iria se sentir mal depois? Não fuma? Não bebe? Não come frituras? Como anda seu colesterol? Está em seu peso ideal?

Fala sério!

Você veio de Marte? Ou a marciana aqui sou eu?


Cristina Faraon


quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O laranjinha


O mar pode ser comparado a um tipo de céu assim como o céu é um oceano sem fim. As aves são seus peixes. Escamas e penas são só detalhes.

Sempre achei que os peixes fossem as aves do mar. No caso dos peixes pequenos e coloridos, sem dúvida que são as borboletas do mar.

Mas não falaremos hoje sobre as borboletas mas aqui vai uma dica: elas são apenas flores que não conseguem ficar paradas.

Voltemos aos peixes. Regra número um: é terminantemente proibido comer peixes coloridos. Certa vez comi um. Sem querer - registre-se.

Foi no ano que fugi para a Praia Secreta. Nem procure no mapa porque não consta. Em lá chegando segui de canoa para uma pequena ilha não muito distante. O som mais alto que se ouvia por lá era o “creu-créu” das aves. Ninguém merece ouvir “creu-créu” o dia todo, então fui nadar. Nadar é preciso.

Era como se eu mergulhasse em vidro líquido. A água não era fria nem quente. Minha alma aquática adaptou-se àquele meio rapidamente.
Nadei com uma desenvoltura incrível e quanto mais eu nadava mais energia havia para seguir adiante. Então fui mais fundo, mais longe, mais fundo e mais longe. Era tudo tão lindo que, instintivamente, prendi a respiração. A respiração, por sua vez, não queria mesmo sair. Ficou lá em suspenso, grudada em meus pulmões implorando por não ser respirada. Tudo bem. Deixemo-la. De maneira semelhante meus olhos se comportaram, recusando-se a piscar.

Bem, lá estava eu totalmente em alerta e hipnotizada com o que via. Talvez ali fosse o Reino das Águas Claras do qual falava Monteiro Lobato. E a gente pensando que o velho estava delirando. Vejam só como são as coisas...

Acho que fiquei uma "pequena eternidade" sem piscar ou respirar. Cardumes e mais cardumes rebolavam em minha frente naquele exibicionismo silencioso tão próprio dos peixes, desdenhando aplausos. Havia a tribo prateada, a preta, a dourada, a pintada, os redondinhos, os esguios... Não vi os quadrados. Certamente são tímidos.
Nenhum queria conversa comigo mas dançavam e dançavam, ensaiadíssimos! Vi também pedras, corais... e uma enorme quantidade de “troços-sem-nome” delicadamente arrumados aos lado de “coisas-sem-registro”. Tudo muito estético. Dos cantos de algumas pedras brilhosas cresciam lindos “o-que-que-é-isso!” para o deleite dos visitantes. No caso, eu.

Distraída, eu quase dava de encontro com um “ai-jesuis”. Virei de repente, ainda a tempo. Foi quando me deparei com um cardume de colorido hipnotizante. Estavam parados me olhando com uma expressão indefinível, talvez se perguntando, lá com suas guelras: “avançar ou recuar?”

Acostumada aos movimentos dançantes das criaturas aquáticas, assustei-me com aquela imobilidade. No susto cometi um erro fatal: abri a boca e “puxei o ar” como fazemos quando ficamos surpresos. Os peixes são mais discretos em seus sustos: apenas dão meia volta e tiram o cardume de campo. Pois é: foi nesse momento que engoli, sem querer, um pequeno “laranjinha”. Pelo que lembro de seu tamanho, deveria ser um adolescente cheio de vida...

Jamais me perdoei. Eles também não me perdoaram. O fundo do mar tem seus encantamentos e códigos de ética. Esses lances de “fui mal” ou tirar a bronca acendendo velas, simplesmente não funcionam por lá.

O castigo: fiquei três anos sonhando em preto e branco. Três anos!

Para que você jamais passe por isso deixo aqui esse alerta: nunca, jamais, mas nunquinha mesmo, coma um peixe da tribo colorida. E na dúvida, não coma borboletas também.

Cristina Faraon

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pessoas amarelas


"Somos todos farinha do mesmo saco."

Será? Digamos que sim. Mas...

Observe que mesmo nas farinhas do mesmo saco, os grãos que a integram não são idênticos. Se peneirarmos essa farinha será possível separá-las e rotulá-las em dois sacos distintos: o da farinha fina e o da grossa. E comparados um com o outro eles nos parecerão tão diferentes como se tivessem sido produzidos em locais distintos.

Mas por que estou dizendo isso? Para embasar minha mais nova teoria: a de que, mesmo sendo "do mesmo saco", se coarmos direitinho a humanidade saltará aos nossos olhos os seres amarelos.

Não, Mané! Não estou me referindo à raça amarela! Vou explicar.

As pessoas amarelas não se aceitam, logo, não são autênticas. Algo lá no fundo de suas mentes atormentadas lhes adverte de que, se disserem o que pensam realmente e se comportarem de forma transparente, serão rejeitadas. É claro que o receio procede mas só os amarelos se imobilizam com isso e acabam tomando a forma mais aceita na sociedade.

Para os amarelos não há nada mais aflitivo do que quem não se importa com a aceitação alheia. Alguém assim tão livre é uma afronta aos amarelos. Não porque eles sejam maus, mas porque esse coquetel de liberdade alheia + inveja (principalmente a inveja) faz com que se sintam muito humilhados.

Não, eles não são maus. A não ser consigo mesmos.

Os amarelos vivem de fazer média. E se dão bem - dependendo do que você entenda por "se dar bem". São aceitos pelos outros amarelos e com eles se consolam, formando uma sociedade patética. São aceitos também pelos "normais", que a princípio pensam que eles são autênticos. Quando os normais descobrem, botam a boca no trombone. Já um amarelo é eternamente fiel ao outro amarelo. Ponto pra eles.

Os amarelos sorriem e são politicamente corretos. São "amigos" de todos e incapazes de dizer algo que possa ferir aguém - pela frente. Por trás também não. Interessante, né? Então como fazem para "fritar" uma pessoa? Eles não se comunicam entre si? Claro que sim!

Atenção a esse detalhe: no mundo dos amarelos a comunicação é toda efetuada por sinais sutilíssimos, olhares, metades de meias palavras, grunhidos e gestos quase imperceptíveis. Se você não for "macaco velho" vai ficar boiando porque os amarelos não confiam em ninguém - nem no espelho. São pessoas atormentadas.

Os amarelos não são de muita refrexão. Odeiam pensar porque pensar dói muito. Fazem qualquer coisa para não precisar pensar: lavam latrina, criam associações, enxugam gelo, limpaz carvão, organizam enciclopédias de regras imprestáveis, códigos de comunicação... Qualquer coisa e qualquer assunto vale, desde que não precisem pensar na própria vida.

Eles costumam manter distância de quem questiona e procura a verdade das coisas. A proximidade com essas pessoas os adoecem. Por que? Porque quando conseguem parar pra pensar, tem crise de identidade:

"Eu sou eu ou eu sou esse personagem? E se eu deixar de ser o que os outros querem, vou morrer? Broxar? Minha pele vai enrugar, os cabelos vão cair e o mundo se acaba em barranco? Ah como eu queria chutar o pau da barraca! Meter o pé na jaca ... chutar o balde... comer melado e me lambuzar... soltar a franga... Oh vida! Oh céus! Oh azar!"

Realmente eles não se gostam. Pensando bem, devem ter lá os seus motivos.

Quem se gosta, se assume. E quanto mais se assume mais se curte. E quanto mais se curte, mais autêntico se torna e quanto mais autêntico, mais querido por uns e detestado por outros. Não dá pra ficar neutro frente a uma pessoa autêntica.

Mas quem são os amarelos? Hmmm...

Não vou ficar aqui separando o joio do trigo mas deixo umas dicas: parecem ser amigos de todo mundo. Não questionam ninguém (porque questionar é pensar e pensar dói) mas ficam sinceramente inquietos com os que lhes parecem ser "fora do padrão". Sorriem para todo mundo por dever de ofício. Têm dificuldade em ser criativos. 80 % do que dizem é composto de frases feitas e chavões. São tristes mas morrem de medo que notem que eles são tristes. Aí está o motivo de sorrirem (amarelo) para todo mundo.

Sei lá... Tô sentindo um certo carinho pelos amarelinhos.

Hoje vou acender uma vela pra eles.

Cristina Faraon

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Será?

(Quem decide as eleições no Brasil não é quem lê jornal, mas sim quem limpa a bunda com ele...)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Mea-culpa



Contra todas as minhas previsões, domingo foi o melhor dia em Salinas.

Com um pessimismo detestável, imaginei que encontraria uma multidão grudenta, barulhenta e bêbada fazendo careta pra mim.

Nada disso.

Quando chegamos ao Atalaia não dobramos à direita, como de costume. Fomos para o lado esquerdo, do Farol Velho - local onde a maioria das pessoas ainda reluta em acionar o “treme-terra” de seus carros. Havia apenas um mal-elemento com o som ligado, mas estava distante. Não tive muita dificuldade em ignora-lo. Só lamento que isso não tenha trazido a ele nenhum tipo de dissabor.

O sol estava absolutamente de-si-ni-bi-do! Silêncio ... árvores fazendo chique-chique, cerveja cristal bem geladinha... E pra completar, graças a Deus eu pego um bronze super rápido. Uma salva de palmas para as minhas raízes africanas!

Brancos, mordei-vos de inveja!

Ontem eu realmente senti aquela vontade gostosinha de continuar na praia mais um pouco e mais e mais... Depois ir pra água, voltar, fritar novamente ao sol, voltar pra água, tomar várias cervejinhas... até observar que as nuvens não seguem mais seu caminho retilíneo. Ao contrário: ficam dando curiosas voltas no céu, numa ciranda muito fofa! Que coisa, né? E então começar a rir muito disso tudo. Mas não é mesmo hilário? E o mundo é uma bola, as bundas bem-sucedidas também são bolas... e os peitos... e os pintos tem bolas!

Pena que cerveja engorda.

Mas por que estou escrevendo isso? Para dizer que Deus se aborreceu com minhas considerações anteriores com respeito a Salinas e me castigou no domingo.

Sabem como? Vou contar: quando a água estava mais mansa e clara; quando o silêncio se fazia até sentir; quando as palmeiras ensaiavam um feliz rebolado e as nuvens começavam a dar-se as mãos para organizarem aquela ciranda divertida e quando o vento tentava enfiar a língua na minha orelha... aí a “galera” resolveu ir embora para “fugir do engarrafamento”. Dá pra acreditar?

Argumentei contra. E eu lá sou de ficar calada? Sim, expliquei com a mansidão dos cordeirinhos que nós não tínhamos filhos pequenos nos esperando e que também não precisávamos nos comportar como se tivéssemos que bater cartão de ponto. Não adiantou. Também não me rebelei. Reconheci o castigo divino.

Para eu deixar de ser besta. Mereci! Bato no peito sete vezes confessando compungida: “Eu mereci, Senhor! Jogai um raio em minha cabeça! Afligi-me com piras!”

Nelson me fez lembrar que antes de chegarmos à praia eu havia concordado em que retornaríamos cedo. É verdade, concordei. Mas não pensei que justamente ontem a praia me pareceria tão ampla, sorridente e menos povoada. Poxa, não tenho bola de cristal! Passei alguns minutos tentando explicar a ele que eu havia concordado mas que daquele momento em diante eu “desconcordava” oficialmente.

Ele não conseguir entender o conceito de “desconcordância”. Para mim parece tão claro! Sei lá, acho que eu não soube explicar.

Com a alma esperneante pagamos a conta e fomos embora.

Mea-culpa! Mea maxima culpa!

Cristina Faraon



quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Salinópolis


Estou indo para Salinópolis!

Sabia que isso já foi chique? Talvez você ainda não tivesse nascido, mas é verdade.

No Pará, paraíso da água doce, encontramos a salgada Salinas. É uma praia realmente bonita mas...

É onde todos os caboclos do Pará finalmente tem a chance de mostrar o sonzão de seu carro. Quanto ao volume do som, o céu é o limite. Viva a liberdade e o mal gosto!

É onde você pode checar (querendo ou não) os novos sucessos musicais - todos ao mesmo tempo! - e desejar a morte (de quem os compôs).

Salinas... Na praia é fila pra entrar, fila pra sair, banheiros asquerosos. O banheiro é quem mija em você, acredite no que estou falando.

Ah, aquele filete de água doce!
Oh desejado, disputado
E adorado filete de água doce
Das barracas de Salinas
Salve salve!

Se você conseguir se molhar, considere-se um agraciado. Seu corpo pegajoso merece o sacrifício da fila.

Ainda não entendi por que é que no Pará se economiza tanto a água mas no Nordeste os banhistas podem tirar o sal do corpo sem sobressaltos. Estranho, né?

Mas ninguém me segura: estou mesmo indo para a bela Salinópolis - bela e plana. Você caminha 100 km mar adentro e não consegue molhar os ombros, a não ser que se jogue de peito na água. Ainda assim é capaz de voltar com as costas secas.

(Maldade esse exagero, mas hoje estou com a macaca.)

Ah, comer aquelas caríssimas pratiqueiras fritas em óleo noviiiinho! É tão divertido ficar procurando o que comer em meio àquelas espinhas esturricadas!

Observar, sob o sol causticante, que tenho muito mais celulites do que supunha e que esqueci em casa, sim, algum objeto imprescindível.

Bom mesmo é tirar aqueles cochilos rápidos... pelo tempo suficiente para descobrir, sobressaltada, que a maré está quase para levar seu carro para o fundo do mar. Os chinelos já foram!

Lembranças ao Titanic!

Nem penso na possibilidade de ser atropelada na praia por um lindo filhinho-de-papai que se exibe para uma linda patricinha vinte anos mais nova e vinte quilos mais magra do que eu. Por que isso aconteceria? Bem mais provável é ficar menstruada no meio da tarde, dirigir-me aflita à farmácia e só conseguir chegar 2 horas depois por causa do engarrafamento.

Chegar em casa pra tomar banho, ligar a torneira e perceber que toda a cidade teve a mesma idéia naquele exato momento.

Ah... Bater papo com os amigos tomando uma cervejinha...

Finalmente uma coisa boa!

Obs.: Eu sei que já falei sobre isso, mas não resisto. E preciso resistir? O blog é meu!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

"Chan Chan"


Esse é o apelido da chinezinha mais gracinha do mundo. Pelo menos para mim.

Os olhos são obviamente apertados e bem negros - como duas amêndoas de ônix. E o cabelos, beeeeem lisinhos. Por determinação superior (ou seja: minha) hoje são cortados no estilo “chanel” bem curtinho. Tipo “melindrosa”. O corte alonga o pescoço de forma graciosa e o efeito é chiquérrimo.

Boneca-souvenir.

É magra - não come muito. Sendo assim, tem perninhas finas. Só as pernas não - ela é toda fininha. A gente tem até a impressão de que pode quebrá-la facilmente, assim como quebramos o macarrão cru apara que caiba na panela de água fervente. Mas claro: ninguém faria isso com a Chan Chan!

Ela deve ter uns seis anos. Eu acho. E não conheceu os pais naturais. Viveu sua pouca vidinha em um orfanato no interior da China. Bons ventos a trouxeram.

Acho que já disse aqui que não sou muito fã de meninas pequeninas. Sempre gostei mais dos meninos. Meninas são mais legais quando já são mocinhas. Mas a Chan Chan é um caso àparte. Não fui atrás, não a escolhi. Veio trazida pela mão de uma amiga e eu me apaixonei.

Você sabe: a gente não escolhe por quem vai se apaixonar. Também não se prepara para o momento fatal. Quando vê, já era. Foi assim.

Ela estava com um vestidinho “tubinho” de gorgorão amarelo. Assim, numa primeira olhada me lembrou um abajur. Abandonei logo a idéia porque lembrei que os abajures não lambem pirulito e ela estava atracada com um e seu jeitinho era distante e satisfeito - “o mundo que se acabe!” - pude ler em seus pensamentos.

Por que estava arrepiada? Acho que esqueceram de penteá-la, porque ela não tinha a aparência de quem andou pulando por aí.

Minha amiga e eu ficamos conversando na sala. Ela me contou a história da chinesinha: que estava ali “emprestada” mas que deveria ser devolvida ao seu responsável: o Estado.

- Hmm... Precisa devolver mesmo?
- Gracinha ela, né?
- Não vai ficar com você?
- Não posso! Você sabe a minha vida como é.
- Mas não dá peninha de devolver?
- Dá. Mas é assim mesmo. Vou visita-la de vez em quando. Ficamos amigas!
- Será que ela ficaria comigo um final de semana?
- Acho que sim. “Você gostou da tia, Chan Chan?”

Ela não respondeu nada mas li seus pensamentos de novo: “prefiro meu pirulito!” Perdoei e coloquei-a sobre meu colo. Era leve como o Nepomuceno (meu cachorrinho inanimado, lavável e anti alérgico) .

Menininha de isopor e cabelo arrepiado...

Demorou um bocado até ouvirmos sua voz. Demorou também para podermos vê-la pulando e perseguindo a Lucrécia (minha gata animada, pouco lavável e altamente alérgica).

Só sei dizer que a Chan Chan foi ficando, ficando... E já tem um monte de vestidinhos no armário. E Melissas coloridas também.

Garanto que é a chinesinha mais fashion das redondezas.

(Galera, isso é só uma fantasia, tá? Vocês já deveriam estar acostumados com meu jeito assim, meio delirante.)

Cristina Faraon

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Quando acontecer


Quando você vier não será tarde demais, mas assim vai parecer.

Será em um dia-noite de céu cinzento, muito cinzento e ar pesado. Calor e frio em mistura opressiva, como febre. Frio por dentro, calor por fora e nenhuma roupa do mundo que amenize esse desconforto.

Hoje o mundo todo tem febre. A Terra está ébria.

A ninguém importa se é dia ou noite; o tempo já não se conta mais dessa maneira; os parâmetros estão desregulados - tanto o das estações quanto o da vida e morte e tudo o mais. O escuro e o claro vez por outra se chocam nessa estranha subversão de todas as coisas.

As pessoas não são confiáveis. Não porque não queiram, mas por estarem deixando de ser pessoas (no sentido mais doce do termo). E no mundo das coisas não há conceitos de moralidade. Aliás, não há conceito algum.

Os relógios não são morais. Talvez por isso estejam se transformando em deuses.
Mesmo amorais há o consenso de que são as únicas coisas confiáveis ainda existentes - embora ninguém se sinta reconfortado por isso. Como são quase deuses, todos os dias olhamos reverentemente para eles, nem que seja uma vez apenas. Ninguém sabe explicar exatamente por quê. Virou uma espécie de ritual. É estranho não fazer... e assustador quando um relógio para.

Os seres, andróginos.

As mulheres há muito deixaram de ser consideradas “caça”. Não são muito amistosas. Pisam duro e por questão de segurança mantêm-se magras.

Nossos homens-meninos são reprodutores assustados e também sozinhos. Geralmente trazem tatuados pelo corpo alguns símbolos representando força. Inutilmente.

As pessoas dormem atormentadas e sonham coisas inquietantes. Dizem que esses sonhos se devem a “memória genética”. Foi feita uma pesquisa e constatou-se que praticamente todo mundo tem sonhos recorrentes que guardam grande semelhança entre si.

As mulheres, geralmente, se vêem em invólucros úmidos, encolhidas como bebês no útero. Ouvem sons musicais profundamente emotivos e acordam chorando convulsivamente.

Os homens sonham com mulheres diferentes: roliças, meigas e comestíveis. Lembram as mulheres de hoje, mas parecem estar em etapa evolutiva anterior. Então acordam angustiados, sentindo saudades daqueles seios, coxas e carnes das fêmeas. Sentem uma falta angustiante de algo que foi posteriormente definido como aconchego.

Nos sonhos masculinos as mulheres tem um cheiro específico. Sabemos que isso não existe! Todas as pessoas tem o mesmo cheiro, independentemente da idade e do sexo.

Há também entre nós pessoas delirantes que afirmam ser isso causado por “espíritos inquietos” que se dedicam a atormentar os humanos com essas saudades inexplicáveis. Só não explicam bem o que seriam os “espíritos”. Mas todos sabemos o que é esse “inferno virtual”.

Por essas e por outras, as mulheres que ainda trazem características físicas que não evoluíram são mantidas em recolhimento como medida de egurança.

Há várias crianças gagas. Algumas são como gatos: ariscas e sobressaltadas. Muitas outras são hostis.

Bichinhos tristes.

Os bichos, todos eles, andam em bandos. Não como antigamente; os bandos de hoje evoluíram para uma coisa que forma quase que um corpo só; são absolutamente coesos e impenetráveis. Os bichos lembram as crianças as vezes... Estão sempre assustados.

A grande angústia dos humanos desse século é a total incapacidade de se proteger em bandos. Todos tem medo de todos; todos desejam ardentemente companhia e abraço ao mesmo tempo em que isso parece arriscado demais. Desejam com a alma, com o fígado, com os rins, mas não conseguem. É uma espécie de fome emocional.

Ninguém sabe onde andam as mães. As mães sumiram do mundo, dando lugar às atuais fêmeas agressivas da espécie humana. Seios secos e mãos crispadas.

Aí você aparece. Ninguém mais estava esperando.

Você é terrível, magnetizante. E assustador de tão lindo. Em nosso mundo, nada que tenha sido lindo sobreviveu. Se existe o belo absoluto, você é a personificação.

Cabelos! Por que seus cabelos são compridos e de negritude tão profunda? Seu olhar é assustador! Emana uma coisa estranha. Parece “paz” ou algo assim. Mas paz é uma coisa perigosa demais. Temos medo! Sempre que nos disseram “há paz!” catástrofes aconteceram em seguida.

A ameaça trazida pela paz é velada. É a calmaria antes da tempestade. Hoje a paz é prenúncio de morte, de lâmina fina perfurando o umbigo. Você é perturbador em sua paz e beleza estonteantes. Temos medo de você, muito medo.

Por que sorri? Por que nos olha assim e sorri?

Quem é essa criatura que sorri?

E todos fogem do seu sorriso pois uma pessoa sem medo traz consigo morte. Tem sido assim.

Mas você vem, implacável e sem armas na mão. Para onde podemos fugir?

Estamos todos armados;
Armados e sujos;
Sujos e famintos;
Famintos e amedrontados;
Amedrontados e suplicantes
E tão cansados!

O que você quer? Diga logo!

Quer nossa carcaça? Nossas mulheres? Foi você quem desconfigurou nossas mães e secou seus seios? Foi você, Criatura Sem Nome, quem domou nossos heróis e os atormentou com saudades e terrores? Você é o tal “espírito” de quem falam os velhos?

Que é você que vem de cima, que vara as nuvens, que faz tudo explodir em cores? Quem é você, que pára os nossos relógios sagrados? Por que vem acompanhado de música e arcos celestes? Por que nos comove? Não sabe que não podemos chorar? Os predadores estão a espreita!

Quem é você? Por tudo o que é mais sagrado, diga-nos seu nome! O que exige de nós? Nossas armas enferrujadas? Nossas frutas mirradas tiradas a fórceps de terras estéreis? Crianças mudas? Mulheres ressecadas?

Quem é você, que nos assusta com essa glória, esse riso, esses sons estranhos que nos fazem chorar?

Por favor, vá embora! Retire-se de nós! Volte para o seu mundo!

Nossos pesadelos agora serão outros. Vimos você, que é tudo o que nossa alma mais deseja. Você é o resumo de tudo, a explicação, a fórmula, a revelação do mistério, o princípio e o fim de todas as coisas.

Vamos sonhar com você para sempre: homens e mulheres. E a saudade do Belo Pleno nos atormentará para sempre.

Não se aproxime, não nos olhe assim. Nós temos medo de tanto amor!
Cristina Faraon


domingo, 26 de agosto de 2007

A sabedoria e o ralo


Vou apresentar a vocês a mulher que já foi uma das mais sábias da face da Terra:

Eu.

Sério! Até algo em torno dos 25 anos de idade eu sabia tudo sobre a vida, sobre criação de filhos, relacionamento familiar, homem/mulher etc e tal. Era só perguntar.

Minha sabedoria era tanta que eu tinha na ponta da língua a resposta para tudo quanto fosse questionamento humano. Problemas? Eu sabia não apenas a solução, mas a origem, o que era mais brilhante de minha parte.

O filho não obedece? O marido não é legal? Você se sente só? Seus pais são um saco? Anda deprimido? É tímido? Tem bicho no pé? Fale com a Cristina.

Legal era que eu nem precisava pensar muito. Pensar para quê? A vida é simples, esse povo é que complica. Não havia motivo para angústia ou pânico; era só seguir meus conselhos que tudo daria certo.

Aí o tempo foi passando, passando... Então o mundo já não me parecia mais tão simples. Os problemas das pessoas eram sustentados por diversas raízes e não apenas uma, como eu singelamente supunha. Vieram os questionamentos, a experiência alheia, a experiência própria, teorias, as diversas interpretações a respeito de um mesmo fato... Ou seja: veio a vida real. E minha visão em preto-e-branco não tinha lugar no mundo real, das dores e amores em carne, osso e sangue.

É chato constatar a própria tolice.
Cristina: uma simplória.

Então passei a ler mais. Mais complicação. Revistas, livros, depoimentos, reportagens, ficção, ensaios... Conversas e mais conversar com pessoas muito diferentes umas das outras... Então antenei os ouvidos para seus motivos, suas razões e questões. Nada é simples e a verdade é um bem supremo sempre correndo da gente.

Ah, minhas receitas... Não funcionavam na vida real para as pessoas de carne e osso. Nós, os humanos, somos complicados. Nossas emoções as vezes parecem vir do nada. E levamos anos para entender por que, afinal de contas, sentimos antipatia gratuita, medo do escuro, timidez, paixão avassaladora, arrependimento, impulsos de ternura, necessidade de afastamento, êxtases, tédio e somos tão bons e tão maus.

Confesso: foi duro lembrar das inúmeras vezes que, insensatamente, analisei e simplifiquei a vida dos outros e o mundo em geral. Ô vexame!
O tempo foi passando e minha "imensa sabedoria" foi para o ralo. Para o ralo também, a reboque, seguiu minha crença na simplicidade de tudo.
Hoje, com toda a minha vivência, sei bem menos do que quando era uma garota. Sei tanto quanto você. Ou seja: NADA.
Cristina: uma simplória... Melhor ficar calada.
Cristina Faraon

sábado, 25 de agosto de 2007

Carta aquática


Querido homem da terra:

Escrevo-te do fundo do mar, das entranhas silenciosas do mundo, de onde surgiram as primeiras formas de vida. Agora esse é o meu lugar. Tornei-me mais uma dentre tantas estranhas criaturas.

Faz tempo que estou aqui mas o que me resta de humanidade ainda pensa em ti. Ainda tenho em memória o cheiro dos teus cabelos molhados, cujas gotas d’água caiam lascivas em minhas costas.

As vezes vejo tua imagem sendo formada em redemoinhos breves, levantando a areia mais fina. As vezes me sorris dessas imagens mas em outras apenas me fitas pensativo.

Viraste uma aparição... Mas não me assustas.

És da terra. Agora sou do mar, para sempre.

Escrevo-te com menos dor; obviamente com menos humanidade. Minhas roupas foram comidas por crustáceos e nada mais há que esconda o que já te pertenceu. Veja, amor, como estou fria, frágil e descorada!

Pálida e nua.
Cada vez mais pálida
Mas ainda tua.

Ainda faço versos.

Meus cabelos cresceram muito e flutuam levemente. Estão semeados de algas e cada dia mais verdes. Diariamente sou analisada por criaturas curiosas e lentas.

Não me importa as intempéries da superfície; poucos movimentos ressoam aqui em baixo. Poucos mudam a direção dos meus cabelos.

Envelhecerás rapidamente nesse mundo árido crestado pelo sol, nesse mundo barulhento e rápido ao qual já pertenci.

Adeus para sempre...
Ou mergulha para mim!
Eu peço demais?
Então é o fim.

Escrevo-te entre algas possessivas, peixes, esponjas e relíquias antigas de navegantes apaixonados.

Os peixes vão e vem, aproximam-se de meus olhos espelhados. Parecem divertir-se. Há peixes em minhas coxas, seios, pés, sexo... Desassustados beijam-me a boca. Beijam-me em teu lugar e profanam todos os teus santuários.

A água me embala como mãe sonolenta. Durmo e acordo mil vezes. Não há pressa nem tempo. Tudo aqui é eterno.

Talvez eu vire sereia, talvez alga, talvez pedra, talvez esfinge das águas. Mas nada, nada nesse mundo poderá transformar-me em tua mulher. Então fico e desfaço-me.

Nunca me visitarás. Jamais mergulharás tão fundo a ponto de poder achar-me.

Permaneço:
Muda, nua,
molhada e ainda tua.

Pairo como planta aquática. Mando-te essas palavras escritas em espumas, em folhas e em escamas de peixes gentis.

Despeço-me do teu século.

Adeus, meu amor.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Paulo Zulu


Peço a ajuda de gente amiga e de pessoas influentes junto a mídia.

Alguém aí tem acesso a esse rapaz?

Vou te contar... Existe alguma coisa pior do que um homem que não se manca? Ele vive me mandando fotos, bombons, flores... Já esgotei meu estoque de foras mas ele se faz de desentendido.

Há pouco tempo atrás ele não tinha onde cair morto.
O que é a vaidade humana, né? Só porque ele saiu bem em meia dúzia de fotos, acha que vou dar bola. Vou contar pra vocês: pessoalmente ele é o "cão chupando manga" de tão feio. Sério! Tudo aí que vocês estão vendo é pura produção. Tirando o filtro da câmera, a edição da foto e a maquiagem, o que sobra é de dar dó.
Dia desses ele falou que viria a um desfile na cidade e deixou o número de seu apartamento no Hilton. Ainda que eu não fosse comprometida vocês acham que eu pagaria um mico desse? Fala sério! Só perdoei porque afinal de contas as pessoas apaixonadas passam mesmo dos limites. Todos já vivemos uma fase assim, não é verdade?

Admito que ele é um bom rapaz: esforçado, sustenta toda a família, leva a mãe para passear no parque, dá banho no cachorro, troca lâmpadas, é carinhoso, sabe cozinhar, adora crianças, lava as próprias cuecas, vive tomando banho, troca lâmparas queimadas, arruma a cama quando acorda, não ronca e ainda faz trabalho voluntário. Mas pergunto: e eu com isso? Grandes coisas!
Bem, por que estou pedindo ajuda? Porque ele está pirando e não sei onde isso vai acabar! Posso ter sérios problemas com essa história. Se ele é carente, se nenhuma mulher dá bola pra ele, o que é que eu posso fazer? A vida é assim!

Uma coisa me tranquiliza: ele tá se tratando. Se bem que o terapeuta dele me falou que ele anda muito "deprê" e que a culpa é minha. Minha! Teve a cara de pau de dizer que se a carreira do rapaz for para o ralo eu serei responsabilizada. O trabalho desse açougueiro é fazer seu cliente aprender a se valorizar mais e não ficar fazendo chantagem emocional com pessoas que tem mais o que fazer. Felizmente eu não sou boazinha. Nunca fui. Pode espernear a vontade.

Confesso que as vezes dá pena, mas não vou comprar um problemão só por causa de um pobre-diabo de um metro e noventa e oito, conservadinho, moreno e de olhos verdes. Disso aí o Ver-o-Peso tá cheio.

Tô fora!

Tá com pena? Leva ele pra você!


Cristina Faraon

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Oração da paz



Senhor!
Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado
Compreender, que ser compreendido
Amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

(Esta obra representa um dos mais importantes documentos literários de linguagem popular de São Francisco, é a única obra de São Francisco escrita em italiano antigo. Foi nesta língua que ele certamente ditou a maioria dos seus escritos, antes que os irmãos versados em letras os traduzissem para o latim, a língua comum da época.)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Insônia do bem


Estava tudo combinado: Rita e eu sairíamos para colocar as fofocas em dia. Essa semana teria que dar certo de qualquer jeito, uma vez que ela vai viajar de férias.


Ela telefonou ontem a tarde dizendo que no final do dia podéríamos nos encontrar para o happy hour.


Tudo certo. Certíssimo.


Aí a Sandra ligou perguntando o que eu iria fazer a noite. Expliquei e ela disse que talvez aparecesse. Tudo bem, seríamos três.


Fui buscar a Rita no trabalho dela. Quando estava estacionando o carro no "Boteco da Computer" observei pelo vidro que o Victor estava lá. Coincidência... Deveria estar com a namorada. Aí quando fui entrando encontrei com o Nelson. Cúmulo da coincidência. Bem, não seria mais uma noite de conversar femininas mas seria uma noite legal.


Subi as escadas e deparei-me com um monte de amigos e parentes com as mesas "juntadas". Perguntei para a Rita que raios aquele povo todo estava fazendo ali. Estranho, né?


Não, não era meu aniversário.


Foi aí que a Rita, perdendo a paciência, me puxou pelo braço e obrigou-me a ler um banner onde estava escrito que aquela era a noite de lançamento do livro Rio Coragem - de minha autoria! Oh!


Devo ter ficado alguns segundos com cara de "oh!" Tomara que não tenham filmado.


Então depois de alguns segundo, nos quais meus neurônios pararam de dar de encontro uns nos outros e tomaram suas formações costumeiras ela me fez vez as outras pessoas convidadas, entre elas o amigo Marcos Quinan, escritor e compositor que me deu a maior força no livro.


Fiquei tão feliz que pulei no pescoço dele e o abracei efusivamente. Tomara que o povo tenha entendido que aquele era um momento especialíssimo e eu estava abobalhada de alegria e surpresa.


Abracei meio mundo de gente, beijei, ri, tirei fotos, autografei...


Isso mesmo. O livro era um lançamento virtual mas me fizeram a surpresa de mandar imprimir e encadernar vários exemplares, o que tornou possivel os autógrafos. Os exemplares esgotaram-se, felizmente. Se forem feitos mais, já poderei chamar de "segunda edição". Uau!


Foi maravilhoso. Recitaram meus poemas e o amigo e músico Eduardo Dias - agora parceiro - musicou um deles e apresentou no evento. O Marcos Quinan também musicou um poema meu, mas não foi apresentado na ocasião. Aguardem!


Voltando para casa não consegui dormir. Rolei muito tempo na cama. Foi quando entendi que meus neurônios resolveram fazer serão porque receberam muito serviço extra e não queriam deixar nada para o dia seguinte.


Pensamentos, lembranças, poesias e textos pululavam em minha mente.


Feliz insônia.
Brigadaê, galera!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A decadência do escorpião

Antes que vocês saibam por outras bocas vou logo dizendo: sou do signo de Escorpião, com todas as suas implicações. E nunca impliquei com as implicações.

Embora a descrição de uma pessoa nascida “sob esse signo” (odeio a expressão) case quase em 100% com o que sou, não acredito em horóscopo. Menciono que sou de escorpião com o objetivo único de “adiantar o serviço” para o caso de alguém querer me conhecer.

Horóscopo é uma crendice que não deveria estar demorando tanto a desaparecer. Vai entender! Não tem nada a ver comigo acreditar nesse tipo de coisa. Além de não fazer nenhum sentido, as piores celebridades que conheço acreditam nessas baboseiras (juntamente com duendes, pirâmides, abduções ...).

Obviamente nada disso impede que eu tenha nascido em 13 de novembro de mil novecentos e.

Por jamais ter implicado com as implicações escorpianas é que certo dia decidi tatuar um magnífico escorpião em meu ombro. Freud explica. Acho que foi um lance de auto afirmação ou coisa assim - quem se importa? Passei então da intenção aos atos preparatórios - como se diz no Direito.

Certo dia um amigo, conhecedor da minha pretensão, pesquisou na internet vários modelos desse bichinho perigosinho e venenosinho. Encantei-me com o desenho de um meio rotundo, azul e com detalhes lilazes (adoro essa combinação). Uma gracinha - tudo o que um escorpião não é.

Caí na bobeira de não guardar o desenho. Pedi novamente para meu amigo mas ele também não encontrou mais. Não desisti, porém.

Mais convicta do que nunca, resolvi esquecer o escorpião gorducho azul e tatuar o mais realista que eu encontrasse. Tudo a ver com a imagem da mulher forte e decidida - no caso, eu. Não ria.

Sim, nada como o realismo! Uma mulher forte e decidida não se deixa flagrar envolvida com coisinhas fofas, você não acha? Claro que acha.

Olhei uns vinte mil catálogos e encontrei vários modelos. Detestei os estilizados, desprezei os fofinhos, os sorridentes e os com florinha do lado. Mas pintou um contratempo: ao invés de ficar satisfeita com os desenhos, fiquei foi irritada com a feiúra deles. Não era possível que ninguém nesse mundo soubesse desenhar um escorpião do jeito que eu queria. Ô incompetência!

Eu tinha em mente algo realista porém bonito, entende? Claro que entende. Reclamei com o tatuador e perguntei como era possível que em meio a tantos catálogos não houvesse nada a meu gosto. Por que cargas d'água só existiam duas categorias de escorpião: os lindinhos ou os feiosos? Queria algo, elegante, cheio de estilo. “-Será que estou falando grego?!” Foi quando o cara calmamente me respondeu - “Mas escorpião é assim mesmo!”

Acendeu-se uma luz. Como se diz hoje em dia "caiu a ficha". Eu estava querendo algo que não existia.

Essa síndrome me persegue? Isso se aplica a outras situações em minha vida? Ah, deixa pra lá. Depois escrevo sobre isso.

Continuando: toda vez que olhava aqueles desenhos realistas eu achava aquele bichinho nojento e muito mal encarado.

Punha-me a imaginar-lo todo desengonçado, tentando se locomover e ao mesmo tempo manter aquele ferrão melecado para cima, de forma a parecer ameaçador. Sabe, ele anda com as sobrancelhas (ou algo que o valha) levantadas acintosamente, desafiando os outros. Onde ele chega, o clima fica pesado. Não retribui sorrisos nem dá informações. Nunca é bem-vindo. Chega numa festa, vê todo mundo comendo mas ninguém lhe oferece nada. E ele também não pede. Fica lá, com a barriga roncando e o ferrão pra cima. Claro que ele não usa desodorante, o que só piora as coisas.

Descobri que na verdade o escorpião não tem nada de poderoso. Não passa de um ser inseguro e com complexo de rejeição. E mania de perseguição. Sentindo-se sempre ameaçado, está o tempo todo com medo. Agora me diga: desse jeito quem é que faz amigos? Conclusão: é um ser solitário. E infeliz. E feio.

Nunca vi os olhos de um escorpião mas posso apostar que são arregalados. Os lábios (lábios? Essa foi forte...) sempre cerrados, a tentativa patética de se manter ereto e eternamente ameaçador. Mal sabe ele que tirando aquelas patinhas da frente fica parecido mesmo é com um camarão.

Também nunca cheirei um bicho desses mas tenho sempre a impressão de que é “pitiú”. Deve ser uma mistura de percevejo com barata. Blerg! E pisa-lo não deve dar nenhum prazer, apesar de tudo. Porque tenho certeza de que ele espoca igualzinho a uma barata em seus últimos momentos. Sabe aquele barulhinho escroto? “Plec!”

O que esperar de um bicho parecido com camarão, fedorento como o cruzamento de percevejo com barata e que morre fazendo “plec”?

Antipático, inseguro, fedorento. O que antes eu admirava tornou-se um símbolo de decadência. Ah não, nas minhas costas não!

Em assim sendo, decidi tatuar em minha perna três “terríveis” borboletas coloridas.

Nada a ver, né? Mas ficou bonitinho.

Cristina Faraon

domingo, 12 de agosto de 2007

Tudo

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo
Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Todo homem é feio se olhado sem amor

Nada é verdade absoluta
Tudo o que existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O outro lado da moeda


Dia desses fiz uns comentários sobre palhaços, lembra? Ao final prometi fazer revelações sobre os palhaços do mal. Pois aqui estou eu, cumprindo a promessa com o risco de minha própria vida.

Sim, eles existem e nesse exato momento acho que estou sendo observada. Digo isso porque sinto pelo menos um par de olhos cravados em minhas costas. Ui!

Se eu desaparecer sem mais nem menos vocês já sabem. Vou logo adiantando: deixo meus bens para os amigos e as dívidas para os inimigos. Justa divisão, né?

Mas vamos lá: a maldade dos palhaços dessa estirpe é patente e invisível ao mesmo tempo. Alguns poucos “agraciados” percebem o perigo ao redor, o clima pesado, mas ninguém lhes dá ouvidos. A história se repete: um pobre-diabo saca tudo, perde a paz e, mais tarde, a sanidade - mas ninguém acredita nele.

A propósito: você tem ouvido vozes ultimamente? Sente-se perseguido? Ainda não? Tudo bem.

Olhos gélidos e ensandecidos... Se você notar, prepare-se para se sentir sozinho no mundo e, de quebra, ser chamado de louco. Conforme-se em ser a voz do que clama no deserto. Crianças desaparecerão e apenas você conhecerá a verdade. E eles sabem quando alguém sabe deles. Sendo assim, eles sabem que você sabe mas você não sabe se eles sabem que você sabe. É angustiante.

Olhe bem para o palhaço mais próximo. Você nota em sua roupa uma pequena mancha cor de vinho? Claro que não é vinho, seu tonto! É sangue velho, ressecado.

E se a mancha não for cor de vinho, mas vermelho vivo? Pior ainda: é sangue novo!

Mas e se ele estiver com as roupas perfeitamente limpas, como que acabadas de sair da gaveta? Mal sinal. Deve ter acabado de estrangular alguém e ainda agora precisou trocar de roupa às pressas. Se você for verificar seu cesto de roupas sujas verá as evidências. Você tem coragem de entrar em seu esconderijo - digo, camarim - durante o espetáculo?

E se as roupas não estão recém-saídas da gaveta, não tem mancha escura nem clara? Aí é de se desconfiar de que ele ainda não realizou seu intento, mas está armando... Fique alerta!

Quando ele olha para você e vê que você está olhando para ele, ele parece tenso? Desvia o olhar? Ou sorri cínico? Parece desconfiado ou estressado? Os palhaços do mal estão sempre estressados. Só a maquiagem ri com aquele colorido grotesco. Aquelas sobrancelhas negras e tenebrosas, as unhas sujas, o chulé inconfundível...

Aquela bola vermelha no nariz é para desviar o olhar da direção dos lábios, pois os lábios os denunciam. Eles não conseguem disfarçar que por detrás da maquiagem a boca se contrai involuntariamente em um esgar estranho e assustador. Não conseguem controlar isso.

Sumiu alguma criança esses dias? Alguma solteirona “mudou-se” de repente? Uma vovó que morava sozinha foi “visitar a família” e não voltou mais? Um mendigo abandonou seu ponto? Aquele gatinho chato nunca mais miou em sua janela? E o que foi feito dos peixinhos da vizinha? Hummm...

Seu sobrinho quer ir ao circo. Ele está encantado com o “simpático” palhaço e suas brincadeiras sinistras. Não, seu sobrinho não sacou que são sinistras, só você, Mané! O pirralho chama aquele espantalho de tio, quer ir ao camarim pra ganhar um brinquedo e quer usar roupas iguais às dele. O que fazer? Desespere-se.

Vamos ser justos: o palhaço do mal não nasceu assim. Ele teve uma infância triste, sofreu abuso de todo tipo, passou fome e frio e era humilhado pelos meninos ricos. O pai bebia e era violento. A mãe era safada e apareceu morta sem mais nem menos em um terreno baldio, com roupas mínimas. Essas coisas, sabe? Se eu contar tudo você chora.

Tudo bem, ele não tem culpa de estar com a mente detonada por situações destrutivas, mas tá com pena? Leva ele pra você!

Aquela criança magrinha e sofrida tornou-se um ser irrecuperável, meu amigo! É uma alma atormentada por pesadelos e estranhas fixações. E o pior de tudo: está solto no mundo, posando de bonzinho com seu riso nervoso. É, ele não tem culpa de ter virado um monstro colorido - mas seu sobrinho não precisa pagar por isso!

Só existe uma solução: essa alma disforme precisa ser eliminada. Precisa! Essa é a sua missão na terra. Se você não fizer nada, cabeças vão rolar. Não adianta explicar para a polícia - vão acabar te mandando para um manicômio pra se alimentar de pão e água para o resto da vida e tomar choques elétricos aos finais de semana. E o pior: de pijama listrado. Não, fora de cogitação pedir ajuda. Você precisa resolver isso sozinho.

Coragem, amigo. O serviço precisa ser feito o quanto antes.

Onde você guardou mesmo aquela faca?

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Efeito ploft



Existem vários tipos de alegria. Sim, a vida é bela.
Entre os principais tipos, em nossas vidas é possível nos depararmos com uma autêntica "alegria uau"... ou com aquela que podemos chamar de "alegria ploft". E em que consiste esse estranho fenômeno "ploft"?
Primeiramente consiste em não ser realmente estranho. É mais presente em nossas vidas do que queremos admitir. Convivemos com ele, mas geralmente fingimos que não existe.

E porque fingimos? Porque é frustrante, claro! E ninguém quer andar por aí passando atestado de tolo.
Funciona assim: a gente adquire um pacote de alegria a determinado preço e pensa que vai durar um tempão. Só que você sabe:"pensando morreu um burro". Mal a gente consegue "aquela coisa legal" e cadê seu principal acessório? Vazou. Aí procuramos no armário, reviramos a casa toda e nada. Não é assim? Retornamos apressados à lixeira pedindo a Deus que ninguém tenha cuspido por lá e resgatamos a embalagem da loja com o olhar ansioso que nada mais é do que um prenuncio do desapontamento que virá a seguir. Tão certo quanto a noite seguindo-se ao dia.
Você já fez isso? Já revirou as sacolas de lojas sem encontrar aquela coisinha preciosa? E em seguida sentou na beirada da cama pensativo... e se tocou de que sua conquista não passava de mais uma "alegria ploft"?

Pois é, você foi enganado. De novo.J á deveríamos ter aprendido a lição, mas como somos teimosos! Por que será que caímos sempre no mesmo truque?
E agora vamos ao que mais importa: como detectar uma "alegria ploft" - essa safada que atenta contra a nossa auto estima.
Geralmente nós a conseguimos com dinheiro. Nem sempre, mas geralmente.Você passa trocentos anos para comprar um IPod achando que ele renderá meses de prazer e para sua surpresa pouco depois descobre que ele é apenas mais um treco no meio das suas coisas. E como tem trecos nas suas coisas!
Esses dias comprei uma bolsa. Não sabia que era "ploft", juro! Vou denunciar ao PROCON. Tenho meus direitos de consumidora!
Uma etiqueta na mercadoria deveria prevenir os compradores: "Atenção, esse produto é"ploft" - e em baixo, com letras menores: "Não exija deste produto mais do que ele pode dar. Ele perde o brilho em 24 hs ou, com sorte, depois de algumas semanas - mas inevitavelmente perde o brilho."Nenhum vendedor dá essa dica. Acho que eles ficam rindo de nós, à socapa.

Morte aos vendedores!
Brincadeirinha.
Também é possível conseguir "alegria ploft" contando mentiras, inventando histórias para impressionar as pessoas e coisas assim. Você acha que aquela glória vai duraaaaar mas em pouco tempo a "alegria ploft" mostra sua verdadeira face: amarela.
Diplomas geralmente são "ploft". Pergunte aí pra galera quanto tempo durou aquela alegria de "ser formado". Claro que é bom ter diploma mas aquela empolgação também é um barato! E eu a quero de volta!Quero minha empolgação de volta! Uma não: todas elas!
Nem vou dar outros exemplos porque você também já achou em sua vida essa pirita. Quem mais encontra é quem mais procura. Comece a procurar e vai surgir um monte de "ploft" pululando à sua frente. Mas fique na sua, vá vivendo na boa sem grandes pretensões e verá surgir de vez em quando uma autêntica "uau!"
Isso está ficando com cara de auto-ajuda, mas não é. Eu, que estou escrevendo, não vou ganhar nem um tostão com isso! Sendo assim, não é auto-ajuda. Certo?
É temerário fazer listas mas vou me arriscar a dizer que filho não é"ploft", é um "uau!" autêntico. E dura pra caramba. Saúde é "uau" mas a gente demora a perceber.
Para completar e no intuito de simplificar (só que complicando) digo a você que um "uau" pode virar"ploft" e vice-versa, dependendo do proprietário. Uma semente que você tenha plantado e que tenha virado flor pode ser um autêntico "uau" em sua vida. Mas se você só queria se exibir para os amigos e ninguém deu a mínima, pode virar "ploft" rapidinho. Cuidado!
Jesus é "uau" - religião é "ploft". Amor é "uau" - transa ocasional é "ploft". Uma casa nova pode ser "uau" ou "ploft" dependendo da cabeça de seu possuidor.
Agora existe um lance macabro: tem gente que "plofa" tudo onde põe a mão. Afaste-se dessas pessoas!
Em minha vida tenho um monte de "alegria uau". Beleza. Mas de vez em quando caio no conto do "ploft", como no confessado lance daquela bolsa.
É... acho que tenho um monte de "ploft" mofando em minha vida. Não sei o que fazer com eles. Alguém aí dá uma idéia?

Quem sabe um leilão?
Acho que uma pergunta vem bem a calhar:

E VOCÊ? É "UAU" OU PLOFT"?
Obs.: Eu sou os dois.
Cristina Faraon