quinta-feira, 10 de março de 2011

Solução final

Embora gerados durante o dia eles são seres noturnos, indiscutivelmente. É a hora que respiram, que saem, que finalmente olham para o céu. A noite é a hora da viagem, a hora de partir para outra.

Passo de carro, distante e perfumada. Sou o oposto deles. Observo-os tristes, cinzentos, desistentes. Todos "penteados para morrer" com um ridículo "pitó" no alto da cabeça. Uma idignidade.

Estão azedos, empanturrados. Foram postos para fora às pressas. Eles não pediram pra existir!  Chegaram a acreditar que guardavam relíquias, segredos talvez. Mas não. São o excremento, aquilo que ninguém mais quer. 

Não são baús de madeira talhada; são sacos de lixo.

Ali estão, à beira da calçada, como quem espera o trem para o campo de concentração. É a "solução final". 

Cansados e sem nada a dizer esperam, doloridos, olhando o nada. Talvez ainda guardem uma esperançazinha de reciclagem. Uma nova chance, quem sabe? 
http://static.photaki.com/caixotes-de-lixo-na-calcada_113122.jpg
Juntos, espremidos na calçada, não convesam entre si nem fazem perguntas. Nenhuma recordação interessa. Não há curiosidade porque, na verdade, todos aqueles passados são tão parecidos! Uma mesmice desconcertante.

De dentro de meu carro considero se eles sabem ou não para onde estão indo. Não será a redenção pra ninguém. Há uma silenciosa e triste expectativa. 

Ajuntamento de mães-sem-filho, de velhas doentes, de trabalhadores inutilizados durante o eito... Assim se parecem, assim eu os percebo. Amparam-se uns nos outros tão sujos, tão pobres e desvalidos, ignotos! Agora ou meia-noite ou quem sabe no meio da madrugada eles serão encontrados infalivelmente ali, com suas olheiras e papadas.

Um barulho! Uma breve comoção. Não, não veio nave espacial. Não veio nada a não ser um caminhão sujo com homens cansados. Embarcam úmidos da noite, um a um, em conformado silêncio. Sim, eles sabem do que se trata mas não importa. Preferem mesmo ir. Que cumpram seu triste destino. 

Morro de pena dos sacos de lixo.

Um comentário:

  1. legal as flores , os sacos ficaram mais fotogenicos; se fossem biodegradavies eu teria pena , mais esses ai vão viver muuuuuuuuito.

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quinta-feira, 10 de março de 2011

Solução final

Embora gerados durante o dia eles são seres noturnos, indiscutivelmente. É a hora que respiram, que saem, que finalmente olham para o céu. A noite é a hora da viagem, a hora de partir para outra.

Passo de carro, distante e perfumada. Sou o oposto deles. Observo-os tristes, cinzentos, desistentes. Todos "penteados para morrer" com um ridículo "pitó" no alto da cabeça. Uma idignidade.

Estão azedos, empanturrados. Foram postos para fora às pressas. Eles não pediram pra existir!  Chegaram a acreditar que guardavam relíquias, segredos talvez. Mas não. São o excremento, aquilo que ninguém mais quer. 

Não são baús de madeira talhada; são sacos de lixo.

Ali estão, à beira da calçada, como quem espera o trem para o campo de concentração. É a "solução final". 

Cansados e sem nada a dizer esperam, doloridos, olhando o nada. Talvez ainda guardem uma esperançazinha de reciclagem. Uma nova chance, quem sabe? 
http://static.photaki.com/caixotes-de-lixo-na-calcada_113122.jpg
Juntos, espremidos na calçada, não convesam entre si nem fazem perguntas. Nenhuma recordação interessa. Não há curiosidade porque, na verdade, todos aqueles passados são tão parecidos! Uma mesmice desconcertante.

De dentro de meu carro considero se eles sabem ou não para onde estão indo. Não será a redenção pra ninguém. Há uma silenciosa e triste expectativa. 

Ajuntamento de mães-sem-filho, de velhas doentes, de trabalhadores inutilizados durante o eito... Assim se parecem, assim eu os percebo. Amparam-se uns nos outros tão sujos, tão pobres e desvalidos, ignotos! Agora ou meia-noite ou quem sabe no meio da madrugada eles serão encontrados infalivelmente ali, com suas olheiras e papadas.

Um barulho! Uma breve comoção. Não, não veio nave espacial. Não veio nada a não ser um caminhão sujo com homens cansados. Embarcam úmidos da noite, um a um, em conformado silêncio. Sim, eles sabem do que se trata mas não importa. Preferem mesmo ir. Que cumpram seu triste destino. 

Morro de pena dos sacos de lixo.

Um comentário:

  1. legal as flores , os sacos ficaram mais fotogenicos; se fossem biodegradavies eu teria pena , mais esses ai vão viver muuuuuuuuito.

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