segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Maysa, a ditadura do riso e a terapia do choro

Só agora estou assistindo a mini-série Maysa porque não aguento assistir TV. Comprei o box. E chorei.

Há, na vida, um chorar gostoso. É quando nos deixamos levar pela emoção, uma emoção qualquer, sem receio de sermos observados. Não é o chorar de tristeza nem de desespero ou solidão. É a comoção consciente, permitida e saudável. É abandonar a alma, como um barquinho, em uma correnteza conhecida e sem riscos.

Todo mundo tem que chorar vez por outra, se não a alma resseca. Porque no dia-a-dia costumamos colocar nossa sensibilidade de lado para não desesperar. Como por exemplo o médico, que não pode se deixar levar pela tristeza cada vez que  que vê uma desgraça.  Sim, médico, o policial, o advogado, o psicólogo, o assistente social, o professor, todos precisam chorar. Precisam de uma música, um livro, um box de filme, uma cena qualquer.

Nesses dias ralos que antecedem  o fim do mundo (é isso mesmo que eu disse)  estamos vivendo a ditadura do riso. No desespero do nosso presente, decidimos que rir é imperioso porque rir seria despistar a dor. Mas é mentira. Rir não despista, apenas muda a dor de compartimento. E por falta de "escoar" ela acumula e acaba doendo escondido.  Sabe aquele tédio, aquela inquietação, aquela angustiazinha sem motivo? Pois é.

Antigamente os filmes dramáticos eram mais bem aceitos. Hoje eles ainda existem, mas há uma pressão enorme para se enxertar na história cenas engraçadas. Por pior que seja o drama sempre vemos  um personagem bobo, tonto, maluquinho ou malucão. Pode reparar. Isso é para que a tristeza não nos sobrevenha em estado bruto.  Aí perdemos a glória do choro.

As pessoas dramáticas ou sensíveis sempre serão consideradas dramáticas demais e sensíveis demais. No meio da desgraça somos impelidos, pelos atuais costumes, a contar algo que desvie os nossos olhos das lágrimas. Estamos ficando todos muito gaiatos. Não refletimos mais. Quando qualquer pensamento mais profundo vem, logo aparece uma piadinha para despistá-lo e nos tornar mais e mais cínicos com a vida.

Não vi gaiatice na minissérie Maysa. A dor é dor, o drama é drama. Chorei no escuro e estou muito bem, obrigada.

Todos temos dentro do peito um acúmulo de lágrimas. Deus as colocou lá e elas têm muita utilidade. Assim como não se pode tomar cerveja sem urinar, não se pode viver nesse mundo sem chorar de vez em quando. Chorar é preciso. Sofrer não é preciso. Você pode escoar suas lágrimas acumuladas olhando um quadro, ouvindo uma poesia, assistindo uma peça teatral. Mas cara, liberte suas lágrimas se não você fica engasgado.  Se você anda inquieto, sufocado, com uma certa agonia ou necessidade incessante de "fazer alguma coisa legal", talvez você apenas precise entrar em si mesmo e... chorar.

Não, a minissérie Maysa não é a melhor que já assistir. Ela não foi uma heroína nem nada parecido.  Ela está mais para um exemplo do que não se deve fazer mas não há problema. Chorar faz bem, principalmente quando você consegue sentir a dor dos desajustados, dos errados, dos que não acertam. Quando consegue é sinal de que ainda resta humanidade e compaixão em você. Ainda há uma centelha de Deus - ufa!

No aconchego do meu quarto tendo as luzes apagadas, sentindo dela a música e a dor de não conseguir ser melhor do que é, a dor de procurar alguma coisa indefinida e fugidia, de pôr tudo a perder, de querer abraçar o mundo mas ver o mundo escorrendo entre os dedos... chorei com Maysa.  E a música...  os olhos intensos... as dores... o abandono...  a beleza se esvaindo... os vexames... o mal causado...  Aliviei meu reservatório de lágrimas e hidratei um pouco a minha humanidade.

Você precisa chorar. Vai te fazer bem. Depois me diga. Eu não conto pra ninguém.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Maysa, a ditadura do riso e a terapia do choro

Só agora estou assistindo a mini-série Maysa porque não aguento assistir TV. Comprei o box. E chorei.

Há, na vida, um chorar gostoso. É quando nos deixamos levar pela emoção, uma emoção qualquer, sem receio de sermos observados. Não é o chorar de tristeza nem de desespero ou solidão. É a comoção consciente, permitida e saudável. É abandonar a alma, como um barquinho, em uma correnteza conhecida e sem riscos.

Todo mundo tem que chorar vez por outra, se não a alma resseca. Porque no dia-a-dia costumamos colocar nossa sensibilidade de lado para não desesperar. Como por exemplo o médico, que não pode se deixar levar pela tristeza cada vez que  que vê uma desgraça.  Sim, médico, o policial, o advogado, o psicólogo, o assistente social, o professor, todos precisam chorar. Precisam de uma música, um livro, um box de filme, uma cena qualquer.

Nesses dias ralos que antecedem  o fim do mundo (é isso mesmo que eu disse)  estamos vivendo a ditadura do riso. No desespero do nosso presente, decidimos que rir é imperioso porque rir seria despistar a dor. Mas é mentira. Rir não despista, apenas muda a dor de compartimento. E por falta de "escoar" ela acumula e acaba doendo escondido.  Sabe aquele tédio, aquela inquietação, aquela angustiazinha sem motivo? Pois é.

Antigamente os filmes dramáticos eram mais bem aceitos. Hoje eles ainda existem, mas há uma pressão enorme para se enxertar na história cenas engraçadas. Por pior que seja o drama sempre vemos  um personagem bobo, tonto, maluquinho ou malucão. Pode reparar. Isso é para que a tristeza não nos sobrevenha em estado bruto.  Aí perdemos a glória do choro.

As pessoas dramáticas ou sensíveis sempre serão consideradas dramáticas demais e sensíveis demais. No meio da desgraça somos impelidos, pelos atuais costumes, a contar algo que desvie os nossos olhos das lágrimas. Estamos ficando todos muito gaiatos. Não refletimos mais. Quando qualquer pensamento mais profundo vem, logo aparece uma piadinha para despistá-lo e nos tornar mais e mais cínicos com a vida.

Não vi gaiatice na minissérie Maysa. A dor é dor, o drama é drama. Chorei no escuro e estou muito bem, obrigada.

Todos temos dentro do peito um acúmulo de lágrimas. Deus as colocou lá e elas têm muita utilidade. Assim como não se pode tomar cerveja sem urinar, não se pode viver nesse mundo sem chorar de vez em quando. Chorar é preciso. Sofrer não é preciso. Você pode escoar suas lágrimas acumuladas olhando um quadro, ouvindo uma poesia, assistindo uma peça teatral. Mas cara, liberte suas lágrimas se não você fica engasgado.  Se você anda inquieto, sufocado, com uma certa agonia ou necessidade incessante de "fazer alguma coisa legal", talvez você apenas precise entrar em si mesmo e... chorar.

Não, a minissérie Maysa não é a melhor que já assistir. Ela não foi uma heroína nem nada parecido.  Ela está mais para um exemplo do que não se deve fazer mas não há problema. Chorar faz bem, principalmente quando você consegue sentir a dor dos desajustados, dos errados, dos que não acertam. Quando consegue é sinal de que ainda resta humanidade e compaixão em você. Ainda há uma centelha de Deus - ufa!

No aconchego do meu quarto tendo as luzes apagadas, sentindo dela a música e a dor de não conseguir ser melhor do que é, a dor de procurar alguma coisa indefinida e fugidia, de pôr tudo a perder, de querer abraçar o mundo mas ver o mundo escorrendo entre os dedos... chorei com Maysa.  E a música...  os olhos intensos... as dores... o abandono...  a beleza se esvaindo... os vexames... o mal causado...  Aliviei meu reservatório de lágrimas e hidratei um pouco a minha humanidade.

Você precisa chorar. Vai te fazer bem. Depois me diga. Eu não conto pra ninguém.

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