terça-feira, 30 de outubro de 2007

Que fofo!


Por falta de tempo de nos encontrarmos, costumo conversar com minhas amigas via internet. Ultimamente uma grande amiga e eu comentávamos o teor de um dos meus textos. Na continuação do diálogo, olhem que e-mail fofo ela me mandou!
Só não digo o nome dessa amiga porquecerta vez ela me disse que acha esse lance de blog uma coisa meio estranha: "é muita exposição!" rsrsrs.
Ela é muito sóbria e recatada.

"Olha, Cris, meu tempo é muito cheio de acadêmicos afazeres, mas também não sou assim uma pessoa tão incorruptível (rsrs)! De vez em quando (principalmente quando trabalho em casa) dou uma escapulida pela Internet. Hora do recreio! E se eu achar uma bolachinha com chocolate pra degustar, melhor ainda!

Pois é, teu texto era uma bolachinha com chocolate dos 2 lados... Saudável como o rir de nós mesmos... Não tive a impressão que estava registrando um "mau" momento. Ao contrário, deu para perceber muito bem a tua leveza e teu bom humor, e entendo o que estás falando a respeito da tua nova liberdade de ser.

Estou começando a enxergar algumas coisas das reações viciadas que a gente adquire em anos de igreja sem aprender a desconfiar de tudo que nos leva a nos esconder atrás de máscaras espirituais. A liberdade de ser é uma coisa contagiante. Falei que estava "pensando em voz alta", com toda a liberdade de uma amiga, sem nenhuma crítica velada atrás de minhas palavras, para tentar analisar honestamente o desconforto que sinto, principalmente se eu penso na categoria de pessoas passíveis de se escandalizarem com essa liberdade. É verdade que não dá para ficar sempre se preocupando com o que as pessoas vão pensar, mas no fundo não consigo parar de me preocupar e acabo voltando à velha pergunta: é lícito sacudir os escandalizáveis escandalizando-os com nossa liberdade ou não adianta? Seja uma estratégia ou seja espontâneo. Não sei...

Enfim, acho que tu sempre estás algumas milhas na minha frente, na reflexão a respeito de nossa experiência cristã. Achava isso quando te conheci de longe, nos anos 80, esbanjando uma batistésima segurança nas doutrinas (ainda que como forma de procurar uma segurança) e agora, nesse teu processo de busca de odres novos. És uma amiga estimulante, tá vendo! "

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Desconfio


Sempre olhei assim, meio de lado, para as pessoas que fazem questão de mostrar pra todo mundo o quão felizes elas são. São a pior vertente do Politicamente Correto.

Quem é sincero, mas sincero mesmo, não é politicamente correto - convenhamos. A vida de ninguém é um cartão postal e se parecer com um, desconfie.

Você já se sentiu logrado por fotografias de lugares paradisíacos que não eram tão paradisíacos assim? A areia não era tão fina, a água não era tão clara, a praia não era tão lotada, as moscas não eram tão persistentes... Pois é.

Os Manequins de Vitrine de Subúrbio - doravante chamados MVS - são uma propaganda viva de... de quê mesmo? Ah sim: às vezes de uma religião, de uma causa, filosofia, um movimento... Uma utopia qualquer - não importa. Eles só querem mostrar que a coisa funciona. Vivem para isso e para isso empenham - e emprenham - a alma.

Não se enganem: eles não ostentam essa suposta ventura com o objetivo de animar ninguém. Muito pelo contrário: querem mesmo é ficar pairando no céu como pipas coloridas, inacessíveis e cobiçadas pela molecada esfarrapada do bairro. Há uma maldade velada naqueles sorrisinhos.

Não louvo quem vive reclamando de tudo. Esses também são chatos. Mas me sinto muito bem ao lado de gente-como-a-gente, que não sente necessidade de provar para ninguém que está “no andar superior” da vida.

Geralmente as pessoas que admitem que estão com “a bola murcha” são as mais humanas e batalhadoras. São as que te entendem, que dividem o sanduíche, que explicam que “a vida é assim mesmo mas amanhã melhora” - e ainda te convidam para tomar uma cervejinha cada um pagando a sua. Elas presumem, corretamente, que os outros são como elas e que percalço não é vergonha. O lance é “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.”

Gente só é legal quando é gente. Porque gente que não é gente, enche o saco da gente.

Altos e baixos, dia e noite, som e silêncio... É assim mesmo. As pessoas que tem essa postura não encaram os problemas como castigo de Deus, maldição, pé frio ou “algum mal eu fiz no meu passado”. Dessa forma são as únicas aptas a te dar um abraço amigo quando tudo está um caos e a mulher dorme de calça jeans. Elas vêm, pagam um cafezinho e tudo o que dizem pode ser resumido em: “tem razão, as vezes a vida é uma merda. Mas não esquente que amanhã a coisa melhora. Meta a cara e vá levando porque você não é um rato.”

Ninguém precisa de super homens. Nem mesmo para resolver nossos problemas. Por mais que se esforcem os super homens só conseguem fazer com que nos sintamos como minhocas. Onde vão, arrastam consigo (entre parênteses) a seguinte legenda: “Cara, como você consegue ser tão azarado?”

Pior do que um MVS, só dois. Refiro-me aos casais de vitrine.

Você já conheceu um casal assim, que parece só se animar quando há platéia? Eu já. Deu vontade de colocar tachinhas na cadeira deles, “adoçar” o suco com sal, plantar uma barata morta em seus bolsos, pedrinhas na comida... Não fiz nada disso e ainda pedi perdão a Deus. Pode olhar minha ficha que nada consta!

Selinhos sem naturalidade, mãozinhas dadas em público, “depois a gente conversa sobre isso, meu amor”. Vai ver que nem transam.

Não consigo abandonar a idéia de que os MVS escondem uma tremenda amargura em suas almas plásticas. Acho que sofrem de uma carência de alegria crônica mas, doentiamente, recusam-se a admitir. Exibem-se nem tanto por vaidade, mas por necessidade desesperada de acreditar que estão dando certo - ainda que nem estejam dando. Certo?

Concordo que é doloroso demais constatar que o castelo virou farelo, mas poxa! A gente tem que encarar os fatos! Se não para melhorar, pelo menos para não ser mala.

Meu coração pertence aos com-defeito: pessoas que suam, que perdem a paciência, sentem dor de cotovelo, ciúme, não escondem o furo da meia e vez por outra ainda estouram o cartão de crédito. São a companhia ideal porque, apesar da vida, não deformam nem perdem as tiras.

Quanto a galera da vitrine... Sei não, acho que é tudo broxa.


Cristina Faraon






sábado, 20 de outubro de 2007

Tudo e Todos

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo

Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando é sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Toda pessoa é feia se olhada sem amor

Nada é verdade absoluta
Mas tudo o existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MEMÓRIAS - 01

Desde cedo os homens contavam com a minha incansável admiração. A figura masculina sempre mexeu muito comigo - no sentido mais inocente do termo.

Desde pequena eu já professava algumas idéias feministas. As pessoas sabiam disso e provocavam meus discursos: sim, homem e mulher tem direitos iguais e devem ser igualmente respeitados. Mas ao mesmo tempo que dizia isso com muita convicção, enxergava os homens como seres especiais; muito, mas muito mais fascinante do que as aguadas mulheres.

Caramba! Eu já era contraditória desde então!

Por mais que as mulheres fossem sempre simpáticas comigo (colegas, amigas da mamãe, tias...) e me tratassem com sorrisos, atenção, presentes e carinhos, tudo o que elas provocavam em mim era uma certa irritação. A minha vontade era dizer-lhes: "Não me toquem pelo amor de Deus!" Mas não dizia, cláro. Ficava só calada e muito séria, olhando meio “de banda”.
A verdade é que as mulheres nunca me despertaram nem um décimo da empolgação que um simples sorriso masculino provocava. Para mim as coisas mais lindas do mundo eram a voz e o sorriso masculino. E os músculos, sem dúvida. E tudo o mais.

Dos afagos femininos eu pensava: “coisa mais sem graça!” Já para os homens não: eu abria um enorme sorriso, me derretia toda, ficava por perto, torcia para que me dessem atenção e que me colocassem no colo. Ah, tão simpáticos os amigos do papai!

Em minhas análises eu olhava para meu pai, primos, irmãos, amigos da família, vizinhos... e depois os comparava com as mulheres. Concluía então que eles eram muito mais interessantes, fortes, desejáveis, bonitos e agradáveis do que as mulheres. Não precisavam de artifício algum, bastava que existissem.

Então imaginava como seria maravilhoso se uma voz grossa e aveludada um dia dissesse, bem no pé do meu ouvido, que eu era linda, que me amava e queria casar comigo - igual nos contos de fada. Ah... Eu suspirava!

Ter um homem com certeza seria a glória. Um dia eu haveria de ter um só pra mim! Não o dividiria com ninguém.

Detalhe: eu não contava ainda nem dez anos de idade. Não sabia absolutamente nada sobre sexo. A questão é: para que cargas d´água será eu queria um homem?

Acho que era só para ficar olhando, olhando, olhando...
Cristina Faraon

domingo, 30 de setembro de 2007

As respostas ficam por sua conta


Por que será que a gente insiste em querer que tudo tenha sentido? Por que a falta de explicação para todos os fatos da vida tira tanta gente do sério?

Quem disse que tudo tem que ter sentido? Você acredita em duendes?

Porque ninguém assume que causa-e-efeito são, de fato, as molas mestras do mundo? Acho que se não todos, pelo menos os ateus teriam o dever de acreditar devotamente nisso.

O aleatório, quando casado com a causa-e-efeito, tem um poder determinante inegável. Por que tanta relutância em aceitar isso?

Por que existe pobreza? Será que é porque existem pessoas que buscam melhorar de vida enquanto outras não se empenham muito nisso?

Mas nem todos tem oportunidade. Por que alguns não tem chance? Seria porque uns são mais fortes e passam na frente?

Não, nem sempre. Muitos já nascem com a faca e o queijo na mão enquanto outros...
É verdade: uns recebem de seus pais uma herança chamada "chance". Os pais plantam, os filhos colhem. Outros pais fazem tudo errado e deixam para o filho uma herança de outra natureza: pobreza e ignorância.

Nossa, será que estou dizendo que não temos o direito de deixar heranças para nossos filhos? Tudo o que fizermos e conquistarmos nesse mundo deveria ser levado conosco para a cova?
Que tal isso começar com você e na sua família? Eu tô fora!

Não... não é justo que os filhos recebam "herança"! Cada um que nasce deveria começar do zero!
Será? Então tá: vamos revogar a lei da causa-e-efeito. Como também não acho justo que as pessoas tropecem e caiam, vamos aproveitar e revogar também a lei da gravidade. A lei da sobrevivência do mais apto é injusta também? Vamos dar um jeito nisso! Vamos lançar a campanha "vida longa aos medíocres e morte aos mais capacitados!" Assim teremos um mundo cor-de-rosa.

Mesmo com todo esse arrazoado não consigo me conformar com o fato de crianças já nascerem determinadas a viver mal.

Mas pensemos bem: de onde tiramos a idéia de que as coisas tem que ser justas e fazer sentido?
E se TEM que ser justas, de onde tiramos a convicção de que são injustas?
O que sabemos sobre justiça? De onde vem essa noção? Provavelmente da cabeça de pessoas como nós: injustas!
O que entendemos sobre a manifestação da injustiça e todos os milhares de fatos que a geram? Conhecemos realmente essa pessoa que "não teve oportunidade"? Sabemos tudo mesmo sobre sua vida? Conhecemos cada passo seu, cada escolha, cada equívoco? Temos certeza absoluta de que ela não tem ou não terá oportunidade alguma durante todo o curso de sua existência? Eu apostaria todos os seus bens nessa afirmativa?

A "vida" é injusta? É... Mas já que estamos com as etiquetas na mão, que tal aproveitarmos pra rotular também de injustos os pais irresponsáveis?
Também há que se considerar que em todas as espécies de animais, a sobrevivência é uma luta mais ou menos sangrenta. Por que cargas d' água eu deveria achar que entre os seres humanos a coisa era pra ser diferente? Já vi documentários sobre a vida selvagem. Já vi um animal estraçalhando outro impiedosamente. Acho que eu não perderia meu tempo tentando reeducar uma onça...
Mas nós somos humanos! Somos racionais!
Até que ponto?
Será que a fera que existe dentro de nós morreu por causa da nossa "humanidade"?
Sei lá, acho que somos racionais apenas o suficiente para sentir dor moral...
É justo não colhermos o que plantamos?
Será que todas as nossas más ações deveriam ser estéreis, ou seja: sem resultado? Aí teríamos que refazer o mundo!

Ai céus! O que proponho? Uma corrida na qual todos cheguemos em primeiro lugar? Seria uma proposta idiota.

É justo eu ter o que tenho enquanto outros não tem? Mas seria justo que me tirassem o que tenho mesmo sabendo que o que alcancei foi com trabalho e honestidade? Seria justo privar meus filhos de colherem o que plantei?

Existe mesmo riqueza para todos nesse mundo?

Temos certeza de que todas as pessoas querem ser iguais? Você quer ser igual a todo mundo?Não seria isso uma grande mentira? Desde sempre as pessoas querem mesmo é se destacar, afirmar sua individualidade e sentir-se únicas.

Não seria exatamente por isso que exista tantas diferenças sociais? "Igualdade" não seria o falso discurso de quem apenas está por baixo? Uma vez "subindo alguns degraus" a pessoa passa imediatamente a querer a distinção. Não é verdade?

Todos os nossos males sociais não seriam apenas o outro lado de uma moeda que conservamos com tanto empenho?

Por que o mal subsiste? Talvez porque toda a miséria humana exista como subproduto do que lhes seja mais caro e desejável.

Ninguém pode abrir mão de apenas um lado de uma moeda!

Nós queremos realmente mudar tudo isso?

Se quiséssemos mesmo será que já não teríamos mudado?

Se não abolimos as desgraças não seria por saber que elas são o inevitável efeito colateral de tudo o que nos apaixona e move nossos pés?

A beleza subsistiria ante a ausência da feiúra? Ela seria percebida e gozada?

Estamos realmente dispostos a abrir mão de todos os gozos que resultam em dor?

Não seríamos hipócritas? Não temos coragem de abrir mão de prazeres que fazem mal a nós mesmos!!! Quanto mais abrir mão daqueles prazeres que fazem mal aos outros!

O que estou dizendo lhe parece muito estranho?

Você nunca comeu alguma coisa sabendo que iria se sentir mal depois? Não fuma? Não bebe? Não come frituras? Como anda seu colesterol? Está em seu peso ideal?

Fala sério!

Você veio de Marte? Ou a marciana aqui sou eu?


Cristina Faraon


quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O laranjinha


O mar pode ser comparado a um tipo de céu assim como o céu é um oceano sem fim. As aves são seus peixes. Escamas e penas são só detalhes.

Sempre achei que os peixes fossem as aves do mar. No caso dos peixes pequenos e coloridos, sem dúvida que são as borboletas do mar.

Mas não falaremos hoje sobre as borboletas mas aqui vai uma dica: elas são apenas flores que não conseguem ficar paradas.

Voltemos aos peixes. Regra número um: é terminantemente proibido comer peixes coloridos. Certa vez comi um. Sem querer - registre-se.

Foi no ano que fugi para a Praia Secreta. Nem procure no mapa porque não consta. Em lá chegando segui de canoa para uma pequena ilha não muito distante. O som mais alto que se ouvia por lá era o “creu-créu” das aves. Ninguém merece ouvir “creu-créu” o dia todo, então fui nadar. Nadar é preciso.

Era como se eu mergulhasse em vidro líquido. A água não era fria nem quente. Minha alma aquática adaptou-se àquele meio rapidamente.
Nadei com uma desenvoltura incrível e quanto mais eu nadava mais energia havia para seguir adiante. Então fui mais fundo, mais longe, mais fundo e mais longe. Era tudo tão lindo que, instintivamente, prendi a respiração. A respiração, por sua vez, não queria mesmo sair. Ficou lá em suspenso, grudada em meus pulmões implorando por não ser respirada. Tudo bem. Deixemo-la. De maneira semelhante meus olhos se comportaram, recusando-se a piscar.

Bem, lá estava eu totalmente em alerta e hipnotizada com o que via. Talvez ali fosse o Reino das Águas Claras do qual falava Monteiro Lobato. E a gente pensando que o velho estava delirando. Vejam só como são as coisas...

Acho que fiquei uma "pequena eternidade" sem piscar ou respirar. Cardumes e mais cardumes rebolavam em minha frente naquele exibicionismo silencioso tão próprio dos peixes, desdenhando aplausos. Havia a tribo prateada, a preta, a dourada, a pintada, os redondinhos, os esguios... Não vi os quadrados. Certamente são tímidos.
Nenhum queria conversa comigo mas dançavam e dançavam, ensaiadíssimos! Vi também pedras, corais... e uma enorme quantidade de “troços-sem-nome” delicadamente arrumados aos lado de “coisas-sem-registro”. Tudo muito estético. Dos cantos de algumas pedras brilhosas cresciam lindos “o-que-que-é-isso!” para o deleite dos visitantes. No caso, eu.

Distraída, eu quase dava de encontro com um “ai-jesuis”. Virei de repente, ainda a tempo. Foi quando me deparei com um cardume de colorido hipnotizante. Estavam parados me olhando com uma expressão indefinível, talvez se perguntando, lá com suas guelras: “avançar ou recuar?”

Acostumada aos movimentos dançantes das criaturas aquáticas, assustei-me com aquela imobilidade. No susto cometi um erro fatal: abri a boca e “puxei o ar” como fazemos quando ficamos surpresos. Os peixes são mais discretos em seus sustos: apenas dão meia volta e tiram o cardume de campo. Pois é: foi nesse momento que engoli, sem querer, um pequeno “laranjinha”. Pelo que lembro de seu tamanho, deveria ser um adolescente cheio de vida...

Jamais me perdoei. Eles também não me perdoaram. O fundo do mar tem seus encantamentos e códigos de ética. Esses lances de “fui mal” ou tirar a bronca acendendo velas, simplesmente não funcionam por lá.

O castigo: fiquei três anos sonhando em preto e branco. Três anos!

Para que você jamais passe por isso deixo aqui esse alerta: nunca, jamais, mas nunquinha mesmo, coma um peixe da tribo colorida. E na dúvida, não coma borboletas também.

Cristina Faraon

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pessoas amarelas


"Somos todos farinha do mesmo saco."

Será? Digamos que sim. Mas...

Observe que mesmo nas farinhas do mesmo saco, os grãos que a integram não são idênticos. Se peneirarmos essa farinha será possível separá-las e rotulá-las em dois sacos distintos: o da farinha fina e o da grossa. E comparados um com o outro eles nos parecerão tão diferentes como se tivessem sido produzidos em locais distintos.

Mas por que estou dizendo isso? Para embasar minha mais nova teoria: a de que, mesmo sendo "do mesmo saco", se coarmos direitinho a humanidade saltará aos nossos olhos os seres amarelos.

Não, Mané! Não estou me referindo à raça amarela! Vou explicar.

As pessoas amarelas não se aceitam, logo, não são autênticas. Algo lá no fundo de suas mentes atormentadas lhes adverte de que, se disserem o que pensam realmente e se comportarem de forma transparente, serão rejeitadas. É claro que o receio procede mas só os amarelos se imobilizam com isso e acabam tomando a forma mais aceita na sociedade.

Para os amarelos não há nada mais aflitivo do que quem não se importa com a aceitação alheia. Alguém assim tão livre é uma afronta aos amarelos. Não porque eles sejam maus, mas porque esse coquetel de liberdade alheia + inveja (principalmente a inveja) faz com que se sintam muito humilhados.

Não, eles não são maus. A não ser consigo mesmos.

Os amarelos vivem de fazer média. E se dão bem - dependendo do que você entenda por "se dar bem". São aceitos pelos outros amarelos e com eles se consolam, formando uma sociedade patética. São aceitos também pelos "normais", que a princípio pensam que eles são autênticos. Quando os normais descobrem, botam a boca no trombone. Já um amarelo é eternamente fiel ao outro amarelo. Ponto pra eles.

Os amarelos sorriem e são politicamente corretos. São "amigos" de todos e incapazes de dizer algo que possa ferir aguém - pela frente. Por trás também não. Interessante, né? Então como fazem para "fritar" uma pessoa? Eles não se comunicam entre si? Claro que sim!

Atenção a esse detalhe: no mundo dos amarelos a comunicação é toda efetuada por sinais sutilíssimos, olhares, metades de meias palavras, grunhidos e gestos quase imperceptíveis. Se você não for "macaco velho" vai ficar boiando porque os amarelos não confiam em ninguém - nem no espelho. São pessoas atormentadas.

Os amarelos não são de muita refrexão. Odeiam pensar porque pensar dói muito. Fazem qualquer coisa para não precisar pensar: lavam latrina, criam associações, enxugam gelo, limpaz carvão, organizam enciclopédias de regras imprestáveis, códigos de comunicação... Qualquer coisa e qualquer assunto vale, desde que não precisem pensar na própria vida.

Eles costumam manter distância de quem questiona e procura a verdade das coisas. A proximidade com essas pessoas os adoecem. Por que? Porque quando conseguem parar pra pensar, tem crise de identidade:

"Eu sou eu ou eu sou esse personagem? E se eu deixar de ser o que os outros querem, vou morrer? Broxar? Minha pele vai enrugar, os cabelos vão cair e o mundo se acaba em barranco? Ah como eu queria chutar o pau da barraca! Meter o pé na jaca ... chutar o balde... comer melado e me lambuzar... soltar a franga... Oh vida! Oh céus! Oh azar!"

Realmente eles não se gostam. Pensando bem, devem ter lá os seus motivos.

Quem se gosta, se assume. E quanto mais se assume mais se curte. E quanto mais se curte, mais autêntico se torna e quanto mais autêntico, mais querido por uns e detestado por outros. Não dá pra ficar neutro frente a uma pessoa autêntica.

Mas quem são os amarelos? Hmmm...

Não vou ficar aqui separando o joio do trigo mas deixo umas dicas: parecem ser amigos de todo mundo. Não questionam ninguém (porque questionar é pensar e pensar dói) mas ficam sinceramente inquietos com os que lhes parecem ser "fora do padrão". Sorriem para todo mundo por dever de ofício. Têm dificuldade em ser criativos. 80 % do que dizem é composto de frases feitas e chavões. São tristes mas morrem de medo que notem que eles são tristes. Aí está o motivo de sorrirem (amarelo) para todo mundo.

Sei lá... Tô sentindo um certo carinho pelos amarelinhos.

Hoje vou acender uma vela pra eles.

Cristina Faraon

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Que fofo!


Por falta de tempo de nos encontrarmos, costumo conversar com minhas amigas via internet. Ultimamente uma grande amiga e eu comentávamos o teor de um dos meus textos. Na continuação do diálogo, olhem que e-mail fofo ela me mandou!
Só não digo o nome dessa amiga porquecerta vez ela me disse que acha esse lance de blog uma coisa meio estranha: "é muita exposição!" rsrsrs.
Ela é muito sóbria e recatada.

"Olha, Cris, meu tempo é muito cheio de acadêmicos afazeres, mas também não sou assim uma pessoa tão incorruptível (rsrs)! De vez em quando (principalmente quando trabalho em casa) dou uma escapulida pela Internet. Hora do recreio! E se eu achar uma bolachinha com chocolate pra degustar, melhor ainda!

Pois é, teu texto era uma bolachinha com chocolate dos 2 lados... Saudável como o rir de nós mesmos... Não tive a impressão que estava registrando um "mau" momento. Ao contrário, deu para perceber muito bem a tua leveza e teu bom humor, e entendo o que estás falando a respeito da tua nova liberdade de ser.

Estou começando a enxergar algumas coisas das reações viciadas que a gente adquire em anos de igreja sem aprender a desconfiar de tudo que nos leva a nos esconder atrás de máscaras espirituais. A liberdade de ser é uma coisa contagiante. Falei que estava "pensando em voz alta", com toda a liberdade de uma amiga, sem nenhuma crítica velada atrás de minhas palavras, para tentar analisar honestamente o desconforto que sinto, principalmente se eu penso na categoria de pessoas passíveis de se escandalizarem com essa liberdade. É verdade que não dá para ficar sempre se preocupando com o que as pessoas vão pensar, mas no fundo não consigo parar de me preocupar e acabo voltando à velha pergunta: é lícito sacudir os escandalizáveis escandalizando-os com nossa liberdade ou não adianta? Seja uma estratégia ou seja espontâneo. Não sei...

Enfim, acho que tu sempre estás algumas milhas na minha frente, na reflexão a respeito de nossa experiência cristã. Achava isso quando te conheci de longe, nos anos 80, esbanjando uma batistésima segurança nas doutrinas (ainda que como forma de procurar uma segurança) e agora, nesse teu processo de busca de odres novos. És uma amiga estimulante, tá vendo! "

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Desconfio


Sempre olhei assim, meio de lado, para as pessoas que fazem questão de mostrar pra todo mundo o quão felizes elas são. São a pior vertente do Politicamente Correto.

Quem é sincero, mas sincero mesmo, não é politicamente correto - convenhamos. A vida de ninguém é um cartão postal e se parecer com um, desconfie.

Você já se sentiu logrado por fotografias de lugares paradisíacos que não eram tão paradisíacos assim? A areia não era tão fina, a água não era tão clara, a praia não era tão lotada, as moscas não eram tão persistentes... Pois é.

Os Manequins de Vitrine de Subúrbio - doravante chamados MVS - são uma propaganda viva de... de quê mesmo? Ah sim: às vezes de uma religião, de uma causa, filosofia, um movimento... Uma utopia qualquer - não importa. Eles só querem mostrar que a coisa funciona. Vivem para isso e para isso empenham - e emprenham - a alma.

Não se enganem: eles não ostentam essa suposta ventura com o objetivo de animar ninguém. Muito pelo contrário: querem mesmo é ficar pairando no céu como pipas coloridas, inacessíveis e cobiçadas pela molecada esfarrapada do bairro. Há uma maldade velada naqueles sorrisinhos.

Não louvo quem vive reclamando de tudo. Esses também são chatos. Mas me sinto muito bem ao lado de gente-como-a-gente, que não sente necessidade de provar para ninguém que está “no andar superior” da vida.

Geralmente as pessoas que admitem que estão com “a bola murcha” são as mais humanas e batalhadoras. São as que te entendem, que dividem o sanduíche, que explicam que “a vida é assim mesmo mas amanhã melhora” - e ainda te convidam para tomar uma cervejinha cada um pagando a sua. Elas presumem, corretamente, que os outros são como elas e que percalço não é vergonha. O lance é “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.”

Gente só é legal quando é gente. Porque gente que não é gente, enche o saco da gente.

Altos e baixos, dia e noite, som e silêncio... É assim mesmo. As pessoas que tem essa postura não encaram os problemas como castigo de Deus, maldição, pé frio ou “algum mal eu fiz no meu passado”. Dessa forma são as únicas aptas a te dar um abraço amigo quando tudo está um caos e a mulher dorme de calça jeans. Elas vêm, pagam um cafezinho e tudo o que dizem pode ser resumido em: “tem razão, as vezes a vida é uma merda. Mas não esquente que amanhã a coisa melhora. Meta a cara e vá levando porque você não é um rato.”

Ninguém precisa de super homens. Nem mesmo para resolver nossos problemas. Por mais que se esforcem os super homens só conseguem fazer com que nos sintamos como minhocas. Onde vão, arrastam consigo (entre parênteses) a seguinte legenda: “Cara, como você consegue ser tão azarado?”

Pior do que um MVS, só dois. Refiro-me aos casais de vitrine.

Você já conheceu um casal assim, que parece só se animar quando há platéia? Eu já. Deu vontade de colocar tachinhas na cadeira deles, “adoçar” o suco com sal, plantar uma barata morta em seus bolsos, pedrinhas na comida... Não fiz nada disso e ainda pedi perdão a Deus. Pode olhar minha ficha que nada consta!

Selinhos sem naturalidade, mãozinhas dadas em público, “depois a gente conversa sobre isso, meu amor”. Vai ver que nem transam.

Não consigo abandonar a idéia de que os MVS escondem uma tremenda amargura em suas almas plásticas. Acho que sofrem de uma carência de alegria crônica mas, doentiamente, recusam-se a admitir. Exibem-se nem tanto por vaidade, mas por necessidade desesperada de acreditar que estão dando certo - ainda que nem estejam dando. Certo?

Concordo que é doloroso demais constatar que o castelo virou farelo, mas poxa! A gente tem que encarar os fatos! Se não para melhorar, pelo menos para não ser mala.

Meu coração pertence aos com-defeito: pessoas que suam, que perdem a paciência, sentem dor de cotovelo, ciúme, não escondem o furo da meia e vez por outra ainda estouram o cartão de crédito. São a companhia ideal porque, apesar da vida, não deformam nem perdem as tiras.

Quanto a galera da vitrine... Sei não, acho que é tudo broxa.


Cristina Faraon






sábado, 20 de outubro de 2007

Tudo e Todos

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo

Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando é sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Toda pessoa é feia se olhada sem amor

Nada é verdade absoluta
Mas tudo o existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MEMÓRIAS - 01

Desde cedo os homens contavam com a minha incansável admiração. A figura masculina sempre mexeu muito comigo - no sentido mais inocente do termo.

Desde pequena eu já professava algumas idéias feministas. As pessoas sabiam disso e provocavam meus discursos: sim, homem e mulher tem direitos iguais e devem ser igualmente respeitados. Mas ao mesmo tempo que dizia isso com muita convicção, enxergava os homens como seres especiais; muito, mas muito mais fascinante do que as aguadas mulheres.

Caramba! Eu já era contraditória desde então!

Por mais que as mulheres fossem sempre simpáticas comigo (colegas, amigas da mamãe, tias...) e me tratassem com sorrisos, atenção, presentes e carinhos, tudo o que elas provocavam em mim era uma certa irritação. A minha vontade era dizer-lhes: "Não me toquem pelo amor de Deus!" Mas não dizia, cláro. Ficava só calada e muito séria, olhando meio “de banda”.
A verdade é que as mulheres nunca me despertaram nem um décimo da empolgação que um simples sorriso masculino provocava. Para mim as coisas mais lindas do mundo eram a voz e o sorriso masculino. E os músculos, sem dúvida. E tudo o mais.

Dos afagos femininos eu pensava: “coisa mais sem graça!” Já para os homens não: eu abria um enorme sorriso, me derretia toda, ficava por perto, torcia para que me dessem atenção e que me colocassem no colo. Ah, tão simpáticos os amigos do papai!

Em minhas análises eu olhava para meu pai, primos, irmãos, amigos da família, vizinhos... e depois os comparava com as mulheres. Concluía então que eles eram muito mais interessantes, fortes, desejáveis, bonitos e agradáveis do que as mulheres. Não precisavam de artifício algum, bastava que existissem.

Então imaginava como seria maravilhoso se uma voz grossa e aveludada um dia dissesse, bem no pé do meu ouvido, que eu era linda, que me amava e queria casar comigo - igual nos contos de fada. Ah... Eu suspirava!

Ter um homem com certeza seria a glória. Um dia eu haveria de ter um só pra mim! Não o dividiria com ninguém.

Detalhe: eu não contava ainda nem dez anos de idade. Não sabia absolutamente nada sobre sexo. A questão é: para que cargas d´água será eu queria um homem?

Acho que era só para ficar olhando, olhando, olhando...
Cristina Faraon

domingo, 30 de setembro de 2007

As respostas ficam por sua conta


Por que será que a gente insiste em querer que tudo tenha sentido? Por que a falta de explicação para todos os fatos da vida tira tanta gente do sério?

Quem disse que tudo tem que ter sentido? Você acredita em duendes?

Porque ninguém assume que causa-e-efeito são, de fato, as molas mestras do mundo? Acho que se não todos, pelo menos os ateus teriam o dever de acreditar devotamente nisso.

O aleatório, quando casado com a causa-e-efeito, tem um poder determinante inegável. Por que tanta relutância em aceitar isso?

Por que existe pobreza? Será que é porque existem pessoas que buscam melhorar de vida enquanto outras não se empenham muito nisso?

Mas nem todos tem oportunidade. Por que alguns não tem chance? Seria porque uns são mais fortes e passam na frente?

Não, nem sempre. Muitos já nascem com a faca e o queijo na mão enquanto outros...
É verdade: uns recebem de seus pais uma herança chamada "chance". Os pais plantam, os filhos colhem. Outros pais fazem tudo errado e deixam para o filho uma herança de outra natureza: pobreza e ignorância.

Nossa, será que estou dizendo que não temos o direito de deixar heranças para nossos filhos? Tudo o que fizermos e conquistarmos nesse mundo deveria ser levado conosco para a cova?
Que tal isso começar com você e na sua família? Eu tô fora!

Não... não é justo que os filhos recebam "herança"! Cada um que nasce deveria começar do zero!
Será? Então tá: vamos revogar a lei da causa-e-efeito. Como também não acho justo que as pessoas tropecem e caiam, vamos aproveitar e revogar também a lei da gravidade. A lei da sobrevivência do mais apto é injusta também? Vamos dar um jeito nisso! Vamos lançar a campanha "vida longa aos medíocres e morte aos mais capacitados!" Assim teremos um mundo cor-de-rosa.

Mesmo com todo esse arrazoado não consigo me conformar com o fato de crianças já nascerem determinadas a viver mal.

Mas pensemos bem: de onde tiramos a idéia de que as coisas tem que ser justas e fazer sentido?
E se TEM que ser justas, de onde tiramos a convicção de que são injustas?
O que sabemos sobre justiça? De onde vem essa noção? Provavelmente da cabeça de pessoas como nós: injustas!
O que entendemos sobre a manifestação da injustiça e todos os milhares de fatos que a geram? Conhecemos realmente essa pessoa que "não teve oportunidade"? Sabemos tudo mesmo sobre sua vida? Conhecemos cada passo seu, cada escolha, cada equívoco? Temos certeza absoluta de que ela não tem ou não terá oportunidade alguma durante todo o curso de sua existência? Eu apostaria todos os seus bens nessa afirmativa?

A "vida" é injusta? É... Mas já que estamos com as etiquetas na mão, que tal aproveitarmos pra rotular também de injustos os pais irresponsáveis?
Também há que se considerar que em todas as espécies de animais, a sobrevivência é uma luta mais ou menos sangrenta. Por que cargas d' água eu deveria achar que entre os seres humanos a coisa era pra ser diferente? Já vi documentários sobre a vida selvagem. Já vi um animal estraçalhando outro impiedosamente. Acho que eu não perderia meu tempo tentando reeducar uma onça...
Mas nós somos humanos! Somos racionais!
Até que ponto?
Será que a fera que existe dentro de nós morreu por causa da nossa "humanidade"?
Sei lá, acho que somos racionais apenas o suficiente para sentir dor moral...
É justo não colhermos o que plantamos?
Será que todas as nossas más ações deveriam ser estéreis, ou seja: sem resultado? Aí teríamos que refazer o mundo!

Ai céus! O que proponho? Uma corrida na qual todos cheguemos em primeiro lugar? Seria uma proposta idiota.

É justo eu ter o que tenho enquanto outros não tem? Mas seria justo que me tirassem o que tenho mesmo sabendo que o que alcancei foi com trabalho e honestidade? Seria justo privar meus filhos de colherem o que plantei?

Existe mesmo riqueza para todos nesse mundo?

Temos certeza de que todas as pessoas querem ser iguais? Você quer ser igual a todo mundo?Não seria isso uma grande mentira? Desde sempre as pessoas querem mesmo é se destacar, afirmar sua individualidade e sentir-se únicas.

Não seria exatamente por isso que exista tantas diferenças sociais? "Igualdade" não seria o falso discurso de quem apenas está por baixo? Uma vez "subindo alguns degraus" a pessoa passa imediatamente a querer a distinção. Não é verdade?

Todos os nossos males sociais não seriam apenas o outro lado de uma moeda que conservamos com tanto empenho?

Por que o mal subsiste? Talvez porque toda a miséria humana exista como subproduto do que lhes seja mais caro e desejável.

Ninguém pode abrir mão de apenas um lado de uma moeda!

Nós queremos realmente mudar tudo isso?

Se quiséssemos mesmo será que já não teríamos mudado?

Se não abolimos as desgraças não seria por saber que elas são o inevitável efeito colateral de tudo o que nos apaixona e move nossos pés?

A beleza subsistiria ante a ausência da feiúra? Ela seria percebida e gozada?

Estamos realmente dispostos a abrir mão de todos os gozos que resultam em dor?

Não seríamos hipócritas? Não temos coragem de abrir mão de prazeres que fazem mal a nós mesmos!!! Quanto mais abrir mão daqueles prazeres que fazem mal aos outros!

O que estou dizendo lhe parece muito estranho?

Você nunca comeu alguma coisa sabendo que iria se sentir mal depois? Não fuma? Não bebe? Não come frituras? Como anda seu colesterol? Está em seu peso ideal?

Fala sério!

Você veio de Marte? Ou a marciana aqui sou eu?


Cristina Faraon


quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O laranjinha


O mar pode ser comparado a um tipo de céu assim como o céu é um oceano sem fim. As aves são seus peixes. Escamas e penas são só detalhes.

Sempre achei que os peixes fossem as aves do mar. No caso dos peixes pequenos e coloridos, sem dúvida que são as borboletas do mar.

Mas não falaremos hoje sobre as borboletas mas aqui vai uma dica: elas são apenas flores que não conseguem ficar paradas.

Voltemos aos peixes. Regra número um: é terminantemente proibido comer peixes coloridos. Certa vez comi um. Sem querer - registre-se.

Foi no ano que fugi para a Praia Secreta. Nem procure no mapa porque não consta. Em lá chegando segui de canoa para uma pequena ilha não muito distante. O som mais alto que se ouvia por lá era o “creu-créu” das aves. Ninguém merece ouvir “creu-créu” o dia todo, então fui nadar. Nadar é preciso.

Era como se eu mergulhasse em vidro líquido. A água não era fria nem quente. Minha alma aquática adaptou-se àquele meio rapidamente.
Nadei com uma desenvoltura incrível e quanto mais eu nadava mais energia havia para seguir adiante. Então fui mais fundo, mais longe, mais fundo e mais longe. Era tudo tão lindo que, instintivamente, prendi a respiração. A respiração, por sua vez, não queria mesmo sair. Ficou lá em suspenso, grudada em meus pulmões implorando por não ser respirada. Tudo bem. Deixemo-la. De maneira semelhante meus olhos se comportaram, recusando-se a piscar.

Bem, lá estava eu totalmente em alerta e hipnotizada com o que via. Talvez ali fosse o Reino das Águas Claras do qual falava Monteiro Lobato. E a gente pensando que o velho estava delirando. Vejam só como são as coisas...

Acho que fiquei uma "pequena eternidade" sem piscar ou respirar. Cardumes e mais cardumes rebolavam em minha frente naquele exibicionismo silencioso tão próprio dos peixes, desdenhando aplausos. Havia a tribo prateada, a preta, a dourada, a pintada, os redondinhos, os esguios... Não vi os quadrados. Certamente são tímidos.
Nenhum queria conversa comigo mas dançavam e dançavam, ensaiadíssimos! Vi também pedras, corais... e uma enorme quantidade de “troços-sem-nome” delicadamente arrumados aos lado de “coisas-sem-registro”. Tudo muito estético. Dos cantos de algumas pedras brilhosas cresciam lindos “o-que-que-é-isso!” para o deleite dos visitantes. No caso, eu.

Distraída, eu quase dava de encontro com um “ai-jesuis”. Virei de repente, ainda a tempo. Foi quando me deparei com um cardume de colorido hipnotizante. Estavam parados me olhando com uma expressão indefinível, talvez se perguntando, lá com suas guelras: “avançar ou recuar?”

Acostumada aos movimentos dançantes das criaturas aquáticas, assustei-me com aquela imobilidade. No susto cometi um erro fatal: abri a boca e “puxei o ar” como fazemos quando ficamos surpresos. Os peixes são mais discretos em seus sustos: apenas dão meia volta e tiram o cardume de campo. Pois é: foi nesse momento que engoli, sem querer, um pequeno “laranjinha”. Pelo que lembro de seu tamanho, deveria ser um adolescente cheio de vida...

Jamais me perdoei. Eles também não me perdoaram. O fundo do mar tem seus encantamentos e códigos de ética. Esses lances de “fui mal” ou tirar a bronca acendendo velas, simplesmente não funcionam por lá.

O castigo: fiquei três anos sonhando em preto e branco. Três anos!

Para que você jamais passe por isso deixo aqui esse alerta: nunca, jamais, mas nunquinha mesmo, coma um peixe da tribo colorida. E na dúvida, não coma borboletas também.

Cristina Faraon

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pessoas amarelas


"Somos todos farinha do mesmo saco."

Será? Digamos que sim. Mas...

Observe que mesmo nas farinhas do mesmo saco, os grãos que a integram não são idênticos. Se peneirarmos essa farinha será possível separá-las e rotulá-las em dois sacos distintos: o da farinha fina e o da grossa. E comparados um com o outro eles nos parecerão tão diferentes como se tivessem sido produzidos em locais distintos.

Mas por que estou dizendo isso? Para embasar minha mais nova teoria: a de que, mesmo sendo "do mesmo saco", se coarmos direitinho a humanidade saltará aos nossos olhos os seres amarelos.

Não, Mané! Não estou me referindo à raça amarela! Vou explicar.

As pessoas amarelas não se aceitam, logo, não são autênticas. Algo lá no fundo de suas mentes atormentadas lhes adverte de que, se disserem o que pensam realmente e se comportarem de forma transparente, serão rejeitadas. É claro que o receio procede mas só os amarelos se imobilizam com isso e acabam tomando a forma mais aceita na sociedade.

Para os amarelos não há nada mais aflitivo do que quem não se importa com a aceitação alheia. Alguém assim tão livre é uma afronta aos amarelos. Não porque eles sejam maus, mas porque esse coquetel de liberdade alheia + inveja (principalmente a inveja) faz com que se sintam muito humilhados.

Não, eles não são maus. A não ser consigo mesmos.

Os amarelos vivem de fazer média. E se dão bem - dependendo do que você entenda por "se dar bem". São aceitos pelos outros amarelos e com eles se consolam, formando uma sociedade patética. São aceitos também pelos "normais", que a princípio pensam que eles são autênticos. Quando os normais descobrem, botam a boca no trombone. Já um amarelo é eternamente fiel ao outro amarelo. Ponto pra eles.

Os amarelos sorriem e são politicamente corretos. São "amigos" de todos e incapazes de dizer algo que possa ferir aguém - pela frente. Por trás também não. Interessante, né? Então como fazem para "fritar" uma pessoa? Eles não se comunicam entre si? Claro que sim!

Atenção a esse detalhe: no mundo dos amarelos a comunicação é toda efetuada por sinais sutilíssimos, olhares, metades de meias palavras, grunhidos e gestos quase imperceptíveis. Se você não for "macaco velho" vai ficar boiando porque os amarelos não confiam em ninguém - nem no espelho. São pessoas atormentadas.

Os amarelos não são de muita refrexão. Odeiam pensar porque pensar dói muito. Fazem qualquer coisa para não precisar pensar: lavam latrina, criam associações, enxugam gelo, limpaz carvão, organizam enciclopédias de regras imprestáveis, códigos de comunicação... Qualquer coisa e qualquer assunto vale, desde que não precisem pensar na própria vida.

Eles costumam manter distância de quem questiona e procura a verdade das coisas. A proximidade com essas pessoas os adoecem. Por que? Porque quando conseguem parar pra pensar, tem crise de identidade:

"Eu sou eu ou eu sou esse personagem? E se eu deixar de ser o que os outros querem, vou morrer? Broxar? Minha pele vai enrugar, os cabelos vão cair e o mundo se acaba em barranco? Ah como eu queria chutar o pau da barraca! Meter o pé na jaca ... chutar o balde... comer melado e me lambuzar... soltar a franga... Oh vida! Oh céus! Oh azar!"

Realmente eles não se gostam. Pensando bem, devem ter lá os seus motivos.

Quem se gosta, se assume. E quanto mais se assume mais se curte. E quanto mais se curte, mais autêntico se torna e quanto mais autêntico, mais querido por uns e detestado por outros. Não dá pra ficar neutro frente a uma pessoa autêntica.

Mas quem são os amarelos? Hmmm...

Não vou ficar aqui separando o joio do trigo mas deixo umas dicas: parecem ser amigos de todo mundo. Não questionam ninguém (porque questionar é pensar e pensar dói) mas ficam sinceramente inquietos com os que lhes parecem ser "fora do padrão". Sorriem para todo mundo por dever de ofício. Têm dificuldade em ser criativos. 80 % do que dizem é composto de frases feitas e chavões. São tristes mas morrem de medo que notem que eles são tristes. Aí está o motivo de sorrirem (amarelo) para todo mundo.

Sei lá... Tô sentindo um certo carinho pelos amarelinhos.

Hoje vou acender uma vela pra eles.

Cristina Faraon