quarta-feira, 20 de julho de 2011

Você vai ter que se conformar

Um dia, passeando pelo centro da cidade, surge na sua frente aquela amiga, aquela irmã do coração que você não via há séculos. Em um flash você relembra de festas, de confissões, de passeios e sextas-feiras. Num lance você vê no rosto dela que o tempo passou, que o penteado mudou mas não há como confundir: é ela, ela sim, que vem do passado mútuo de vocês e do passado dela mesma com outras histórias. Que bom!

Você corre ao seu encontro, faz uma festa enorme, beija e se emociona.  Abre os braços como se quisesse abraçar, junto com ela, também o marido, os filhos, os amigos. Você a chama pelo apelido porque ela é a sua irmã que esteve longe, que nunca mais você viu, que perdeu contato mas Deus trouxe de volta. Ela há de exigir que você vá à sua casa e as duas hão de conversar horas. Há de te mostrar seu guarda-roupas, as fotos da gestação, o anel de aniversário de casamento. Há de falar da nova dieta, dos novos cremes, do destino dos ex.  Que longo, que sentido abraço!

Que longo, que solitário abraço!  Demora uns segundo para você notar que é correspondida com um abraço frio e frouxo.  Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando que eles mostrem um lampejo de alento. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia todos os seus segredos, a menina linda que te contava das paixões e foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu?  Reconheceu sim.

Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!"  Como "que prazer te rever"?   Onde será que ela aprendeu a ser tão contida? Logo ela que era chorona, que tomava as dores de todo mundo, que pedia satisfações e falava pelos cotovelos? Mas ali estava ela, polida, levemente embaraçada, levemente apressada, te apresentando a família, balbuciando algumas coisas sem graça de um passado mútuo que te parecia tão vibrante.

Você vai ter que se conformar em ter vivido sozinha tanta amizade. Vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa com esse papelão de ter feito festa para alguém que talvez nunca tenha falado de você para ninguém.

Que dor! Que desapontamento! E seus filhos ouviram você falar tanto dela!

Dói. Você volta pra casa sozinha como nunca, tendo um vácuo enorme na memória do seu passado, um passado que deve agora ser revisto... ou esquecido. Queira Deus que nunca mais vocês se encontrem. Que palhaça que você foi!

Quem nunca passou por isso?

4 comentários:

  1. Cristina, cheguei a esse espaço através de um comentário que postasse no blog do Carpinejar. Gostei mais do teu comentário do que do post! kkkk
    Na verdade, percebi alguém com uma sensibilidade e inteligência acima da média.
    Antes de escrever essa mensagem resolvi, já que estava por aqui, ler teu último texto e... gostei demais de tua narrativa. Gostei mesmo! Parabéns!
    Bjo e sorrisos e lembranças dividas pra ti.

    ResponderExcluir
  2. isso aconteceu mesmo com vc ou é so ficçao? pq se vc estava sozinha e ela nao, entao talvez vc tenha entendido a situaçao de forma errada, como vc posta logo acima, nós sempre preferimos ver as coisas por um lado ruim. Se ela estava com o marido entao talvez tenha ficado com "medo" de lembranças passadas na frente dele, ou entao talvez ela estivesse em um momento de briga com ele...sao mil situaçoes. aposto que ela nao esqueceu vc...se eu que nem conheço vc pessoalmente nao lhe esqueço...entao imagina ela. =*

    fica com deus!

    ResponderExcluir
  3. Isso já aconteceu comigo, não exatamente como está na postagem. Na postagem eu "romanceei" um pouco pra criar a crônica. Mas o desapontamento por descobrir que que não era para aquela pessoa tudo o que pensava que fosse, essa descoberta eu já vivi sim e não foi só uma vez. Faz parte da vida.

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Você vai ter que se conformar

Um dia, passeando pelo centro da cidade, surge na sua frente aquela amiga, aquela irmã do coração que você não via há séculos. Em um flash você relembra de festas, de confissões, de passeios e sextas-feiras. Num lance você vê no rosto dela que o tempo passou, que o penteado mudou mas não há como confundir: é ela, ela sim, que vem do passado mútuo de vocês e do passado dela mesma com outras histórias. Que bom!

Você corre ao seu encontro, faz uma festa enorme, beija e se emociona.  Abre os braços como se quisesse abraçar, junto com ela, também o marido, os filhos, os amigos. Você a chama pelo apelido porque ela é a sua irmã que esteve longe, que nunca mais você viu, que perdeu contato mas Deus trouxe de volta. Ela há de exigir que você vá à sua casa e as duas hão de conversar horas. Há de te mostrar seu guarda-roupas, as fotos da gestação, o anel de aniversário de casamento. Há de falar da nova dieta, dos novos cremes, do destino dos ex.  Que longo, que sentido abraço!

Que longo, que solitário abraço!  Demora uns segundo para você notar que é correspondida com um abraço frio e frouxo.  Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando que eles mostrem um lampejo de alento. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia todos os seus segredos, a menina linda que te contava das paixões e foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu?  Reconheceu sim.

Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!"  Como "que prazer te rever"?   Onde será que ela aprendeu a ser tão contida? Logo ela que era chorona, que tomava as dores de todo mundo, que pedia satisfações e falava pelos cotovelos? Mas ali estava ela, polida, levemente embaraçada, levemente apressada, te apresentando a família, balbuciando algumas coisas sem graça de um passado mútuo que te parecia tão vibrante.

Você vai ter que se conformar em ter vivido sozinha tanta amizade. Vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa com esse papelão de ter feito festa para alguém que talvez nunca tenha falado de você para ninguém.

Que dor! Que desapontamento! E seus filhos ouviram você falar tanto dela!

Dói. Você volta pra casa sozinha como nunca, tendo um vácuo enorme na memória do seu passado, um passado que deve agora ser revisto... ou esquecido. Queira Deus que nunca mais vocês se encontrem. Que palhaça que você foi!

Quem nunca passou por isso?

4 comentários:

  1. Cristina, cheguei a esse espaço através de um comentário que postasse no blog do Carpinejar. Gostei mais do teu comentário do que do post! kkkk
    Na verdade, percebi alguém com uma sensibilidade e inteligência acima da média.
    Antes de escrever essa mensagem resolvi, já que estava por aqui, ler teu último texto e... gostei demais de tua narrativa. Gostei mesmo! Parabéns!
    Bjo e sorrisos e lembranças dividas pra ti.

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  2. isso aconteceu mesmo com vc ou é so ficçao? pq se vc estava sozinha e ela nao, entao talvez vc tenha entendido a situaçao de forma errada, como vc posta logo acima, nós sempre preferimos ver as coisas por um lado ruim. Se ela estava com o marido entao talvez tenha ficado com "medo" de lembranças passadas na frente dele, ou entao talvez ela estivesse em um momento de briga com ele...sao mil situaçoes. aposto que ela nao esqueceu vc...se eu que nem conheço vc pessoalmente nao lhe esqueço...entao imagina ela. =*

    fica com deus!

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  3. Isso já aconteceu comigo, não exatamente como está na postagem. Na postagem eu "romanceei" um pouco pra criar a crônica. Mas o desapontamento por descobrir que que não era para aquela pessoa tudo o que pensava que fosse, essa descoberta eu já vivi sim e não foi só uma vez. Faz parte da vida.

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