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Hoje essa reportagem faz exatamente 44 anos. Ver esse jornal depois de tanto tempo me emocionou bastante. Minha mãe talvez nem tenha visto... bem, aqui vai um pouco da minha história:
Perdi meu pai em uma das enchentes do Rio de Janeiro, em janeiro. Este é o jornal que noticia a data em que ele morreu. Lembrem esse nome: Bartholomeu da Silva Corrêa.
Ele fazia, de ônibus (empresa Única), o trajeto Rio-São Paulo quando, devido às chuvas, houve o deslizamento de parte de um morro na Serra das Araras (km 55) . O desmoronamento inundou a rodovia, arrastou e soterrou na lama carros, caminhões e ônibus, inclusive o ônibus onde meu pai estava. Foi um horror. Disseram que havia carretas viradas "de cabeça pra baixo" das quais só se via as pontas das rodas. Era muita, muita lama.
Minha mãe peregrinou muitos dias no local e no IML na tentativa inútil de reconhecer o corpo do meu pai. Ela disse que chegou a ver um homem com uma roupa parecida com a dele e porte físico também parecido, só que este homem tinha dente de ouro e meu pai não tinha dente de ouro (na época era moda encapar pelo menos um dente com uma folha de ouro.). Ela sempre contava o quanto era horrível e difícil ter que ver, por tantos dias, aquele monte de gente morta enfileirada. Era um espetáculo horrendo. Defuntos com a barriga enorme, cheios de lama, expostos.
Dos trinta e sete viajantes do ônibus, trinta e seis foram encontrados - mortos. Meu pai tanto poderia estar entre esses mortos enfileirados (veja a foto) quanto poderia ser o trigésimo sétimo que jamais foi encontrado.
Sempre guardei dentro de mim a esperança de que um dia ele iria aparecer de novo dizendo" Não morri! Finalmente consegui voltar pra casa!" Gastei anos imaginando e editando de mil formas essa cena, que jamais aconteceu. Não dizem que a vida imita a arte? Pois é, porque seria absurdo ele aparecer um dia, vivinho da silva, vindo me dar um grande abraço? Nesse mundão doido, tudo pode acontecer.
"- Mas se ele não morreu, porque não voltou?" Sim, você deve estar querendo me jogar essa pergunta como quem lança uma bola de basquete nos peitos do jogador. Tenho a dizer o seguinte: ele pode ter perdido a memória de vez ou temporariamente. Se foi temporariamente, pode ter receado voltar pra casa e não encontrar mais o mesmo contexto. Poderia ter receado encontrar minha mãe com outro homem, sei lá. Filme é filme.
De uma forma ou de outra tenho uma coisa curiosa a contar: lembro que certa vez a minha saudosa madrinha, dona Althema, chegou comigo com os olhos marejados, meio pálida, com uma expressão estranha no rosto e me disse muito emocionada que naquele momento ela estava tendo uma visão! Ela estava "vendo" o meu pai e ele não estava morto. Ele estava sem um braço, o qual teria sido perdido no acidente, e por isso, dizia ela, ele não queria voltar pra casa; porque estava se sentindo um inválido.
Achei que ela estava pirando mas ao mesmo tempo imaginei que poderia ser verdade. Quem sabe? Ele era mesmo esquisitão e uma atitude dessa não seria de todo improvável. Minha mãe contava que ele se recusava a comprar um carro, embora pudesse. Ele sempre lhe dizia que jamais queria ter um carro porque temia demais que um dia houvesse um acidente por sua culpa; ele dizia que jamais se perdoaria se um dia perdesse ou machucasse um filho, que ele não tinha estrutura emocional para suportar uma coisa dessa.
Bem, uma pessoa que pensa assim pode muito bem não voltar pra casa porque não tem braço, vocês não acham?
Por uma grande coincidência, ontem no Fantástico teve uma reportagem sobre as chuvas no Rio em 1967. E eu fiquei na dúvida, pensando se não seria a mesma ocasião deste post.
ResponderExcluirBem, achei na net um link da reportagem, mas infelizmente, não sei porque, não tem o vídeo, só o texto.
Copie e Cole: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1643485-15605,00.html
Cara, ver o vídeo doeu demais. Parece que volta tudo de novo. Não dá pra não chorar.
ResponderExcluirNão minha intenção... :-(
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