sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A armadilha das associações

Um dia, quando era criança, você tinha um vizinho insuportável de implicante, que  vez por outra lhe dava um beliscão. Ele lhe causou enorme sofrimento por meses, pois você não sabia como se livrar daquele capeta.

Um dia você viu um  filme impressionante no qual a personagem era cruel, completamente louca e fazia coisas horríveis com as criancinhas.

Certa vez você conheceu pessoalmente alguém muito especial; uma pessoa extremamente caridosa e simples, um anjo na Terra. Ela tinha um suave sotaque italiano e nunca usava esmalte nas unhas.

Ah aquele colega seu, que confessou que não tomava mais que um banho por semana! Ele era tão magro!

Passaram-se os anos e você nem lembra mais desses personagens da sua vida. A vida segue seu curso e, querendo ou não, pessoas outrora presentes nunca mais serão vistas, certo?  Errado.

É sobre isso que eu quero falar hoje: sobre as associações que nossa mente faz sem permissão nenhuma! E o que são essas associações? São links que criamos sem pensar, sem querer e sem desconfiar de que existem - mas eles existem e determinam tudo, todas as nossas preferências.

Praticamente tudo que abraçamos ou rejeitamos tem uma explicação no passado. Não nessa coisa tola de "vidas passadas em outras encarnações"! Refiro-me às nossas vidas passadas aqui NESSA encarnação mesmo.

Você conhece um cara legal e inteligente. Ele é muito magrinho e está super a fim de você. Vocês já trocaram uns amassos mas na hora "H" você não consegue se entregar, como se estivesse fazendo uma coisa suja. Por quê? Por causa daquele seu coleguinha do passado, que ficou registrado em sua memória e mesmo sem querer você associou a esse.

Uma mulher aparentemente competente quer um emprego em sua empresa mas você não consegue confiar nela. "Algo" lhe diz que ela não é boa pessoa e tem má índole. Você não gosta dela, mas ela nunca lhe fez mal! Lembra daquele filme que você viu quando era menina, com uma personagem louca e cruel?  Lembra das cenas horrorosas de tortura? Pois a atriz não é a cara dessa mulher que você rejeita hoje?  E a sua nova colega de trabalho, que lhe pediu dinheiro emprestado? Parece ser uma pessoa tão confiável e boa! Claro, pois é a cara daquela boa mulher que você conheceu quando criança.

Confesso que eu sempre quis uma desculpa para me justificar das minhas implicâncias gratuitas contra o próximo. Eu, que queria tanto conseguir amar o próximo como a mim mesma, vez por outra encasqueto com alguém. Pois agora descobri que posso não ser tão ruim assim - que legal!  A culpa é do passado.

Nosso cérebro é como o armário da nossa avó:  até mesmo Deus duvida da variedade de coisas velhas e estranhas que tem socadas lá dentro.

Você já se apaixonou inexplicavelmente por um perfeito idiota? Ou um cara feito de doer? Pois procure a explicação nos personagens do seu passado. Talvez  lá você encontre  alguém que admirava muito e guarda algumas semelhanças com essa pessoa. Às vezes é apenas o tom de voz ou o jeito de sorrir e - pumba! você caiu na armadilha.

Somos vítimas de nós mesmos e nem nosso amor ou nosso ódio estão acima de explicações. Nada é "do além".  É aí que fico chateada.

Desconfiar dos ódios e antipatias tudo bem, pois nos sentimos menos maus. Nesse caso, explicar tudo por via das associações com o passado é muito conveniente. Chato mesmo é notar que nossos amores também podem ser desmistificados e desencantados por via dessas mesmas explicações.

Imagine descobrir que você ama quem ama só por causa de uma estranha associação mental com aquele ursinho do desenho animado? Ridículo.

Oh não! Não vou fazer pesquisas exaustivas para desvendar todos os mistérios do meu cérebro. Deixemos essa caixa fechada.

Quer saber? Serei descaradamente seletiva: vou continuar desconfiando de todo sentimento inferior dentro de mim, para os quais descobrirei mil associações malucas.  Quanto ao amor... O amor, que é a única coisa que presta em nós, não vou mexer não. Melhor deixar como está:  intocável, puro e transcedental (enquanto não inventarem de tentar explicar).

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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A armadilha das associações

Um dia, quando era criança, você tinha um vizinho insuportável de implicante, que  vez por outra lhe dava um beliscão. Ele lhe causou enorme sofrimento por meses, pois você não sabia como se livrar daquele capeta.

Um dia você viu um  filme impressionante no qual a personagem era cruel, completamente louca e fazia coisas horríveis com as criancinhas.

Certa vez você conheceu pessoalmente alguém muito especial; uma pessoa extremamente caridosa e simples, um anjo na Terra. Ela tinha um suave sotaque italiano e nunca usava esmalte nas unhas.

Ah aquele colega seu, que confessou que não tomava mais que um banho por semana! Ele era tão magro!

Passaram-se os anos e você nem lembra mais desses personagens da sua vida. A vida segue seu curso e, querendo ou não, pessoas outrora presentes nunca mais serão vistas, certo?  Errado.

É sobre isso que eu quero falar hoje: sobre as associações que nossa mente faz sem permissão nenhuma! E o que são essas associações? São links que criamos sem pensar, sem querer e sem desconfiar de que existem - mas eles existem e determinam tudo, todas as nossas preferências.

Praticamente tudo que abraçamos ou rejeitamos tem uma explicação no passado. Não nessa coisa tola de "vidas passadas em outras encarnações"! Refiro-me às nossas vidas passadas aqui NESSA encarnação mesmo.

Você conhece um cara legal e inteligente. Ele é muito magrinho e está super a fim de você. Vocês já trocaram uns amassos mas na hora "H" você não consegue se entregar, como se estivesse fazendo uma coisa suja. Por quê? Por causa daquele seu coleguinha do passado, que ficou registrado em sua memória e mesmo sem querer você associou a esse.

Uma mulher aparentemente competente quer um emprego em sua empresa mas você não consegue confiar nela. "Algo" lhe diz que ela não é boa pessoa e tem má índole. Você não gosta dela, mas ela nunca lhe fez mal! Lembra daquele filme que você viu quando era menina, com uma personagem louca e cruel?  Lembra das cenas horrorosas de tortura? Pois a atriz não é a cara dessa mulher que você rejeita hoje?  E a sua nova colega de trabalho, que lhe pediu dinheiro emprestado? Parece ser uma pessoa tão confiável e boa! Claro, pois é a cara daquela boa mulher que você conheceu quando criança.

Confesso que eu sempre quis uma desculpa para me justificar das minhas implicâncias gratuitas contra o próximo. Eu, que queria tanto conseguir amar o próximo como a mim mesma, vez por outra encasqueto com alguém. Pois agora descobri que posso não ser tão ruim assim - que legal!  A culpa é do passado.

Nosso cérebro é como o armário da nossa avó:  até mesmo Deus duvida da variedade de coisas velhas e estranhas que tem socadas lá dentro.

Você já se apaixonou inexplicavelmente por um perfeito idiota? Ou um cara feito de doer? Pois procure a explicação nos personagens do seu passado. Talvez  lá você encontre  alguém que admirava muito e guarda algumas semelhanças com essa pessoa. Às vezes é apenas o tom de voz ou o jeito de sorrir e - pumba! você caiu na armadilha.

Somos vítimas de nós mesmos e nem nosso amor ou nosso ódio estão acima de explicações. Nada é "do além".  É aí que fico chateada.

Desconfiar dos ódios e antipatias tudo bem, pois nos sentimos menos maus. Nesse caso, explicar tudo por via das associações com o passado é muito conveniente. Chato mesmo é notar que nossos amores também podem ser desmistificados e desencantados por via dessas mesmas explicações.

Imagine descobrir que você ama quem ama só por causa de uma estranha associação mental com aquele ursinho do desenho animado? Ridículo.

Oh não! Não vou fazer pesquisas exaustivas para desvendar todos os mistérios do meu cérebro. Deixemos essa caixa fechada.

Quer saber? Serei descaradamente seletiva: vou continuar desconfiando de todo sentimento inferior dentro de mim, para os quais descobrirei mil associações malucas.  Quanto ao amor... O amor, que é a única coisa que presta em nós, não vou mexer não. Melhor deixar como está:  intocável, puro e transcedental (enquanto não inventarem de tentar explicar).

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