Não gosto da estrada à noite. Ela é estranha e triste.
Difícil eu me sentir feliz na estrada, à noite. Enquanto o carro balança, do fundo do meu rio são evocados fantasmas incômodos e amargurados.
Acho que todos os fantasmas são amargurados, se não não seriam fantasmas; seriam apenas pessoas que partiram.
As árvores na beira da pista são misteriosamente tristes. É como se soubessem de alguma coisa grave que eu ainda não sei. E como se desejassem contar, mas não ousassem. Da mesma forma que eu, elas olham e sentem a presença dos atropelados que não conseguem sair dali. Ficam parados, olhando os carros passarem. Eles tem o mesmo olhar distante das árvores e como elas, não fazem nenhuma menção de sair dali, nem mesmo de acenar. Apenas olham atentamente os viajantes como se quisessem reconhecer alguém. Como se um dos rostos pudesse, de repente, devolver-lhes a memória.
Esses seres da noite me deixam melancólia. Então, fatalmente, acabo lembrando de dores recentes e dores antigas. Na estrada, à noite, elas se equivalem: as velhas e as novas têm o mesmo peso e gravidade, por isso meus olhos ficam úmidos. É quando me cai no colo uma pesada solidão. Sabe aquela solidão sem jeito e sem remédio, que você sabe que não vai passar nunca? Pois é. Não é solidão de falta de companhia; é solidão de coração com excesso de lugares vagos.
Solidão de coração com excesso de lugares vagos...
Olho os ciclistas silenciosos pedalando por entre os fantasmas. Não se olham, não se assustam uns com os outros. O que faz uma pessoa vaguear assim sozinha em um lugar tão lúgubre? Tenho tanta pena dos ciclistas da noite! Desejo oferecer-lhes ao menos um chocolate quente.
A pior solidão é a da beira da estrada, quando sabemos que aconteça o que acontecer, ninguém vai parar para nos dar um abraço; todos seguirão em direção aos seus lugares mornos, a um aconchego seguro e muito distante dali. Também sigo, mas cheia de lembranças e lágrimas querendo motivo.
Não gosto de ver aquelas pessoas paradas com o olhar perdido enquanto passo. Sinto por elas algo parecido com o sentimento pelos ciclistas da noite. Aí me vem minha mãe à lembrança... só que quando estou na estrada ela também tem o olhar parado. É estranho e incômodo.
O carro, decidido, me leva dali. Minha cabeça está cheia de lembranças reverentes e um tanto cinzas. Passam meus irmãos ainda pequenos... passa a mesa de jantar com sopa quente... passam os balões coloridos, de aniversário... passam os cadernos e lápis... passo eu! Ali, pequenina e amada! ... Passam as primeiras flexadas de felicidade, o amor e, depois, a paixão esmaecendo... E pelas costas um frio fatal... uma coisa incômoda... uma necessidade de pedir abrigo.
Vai demorar muito para o sol nascer?
domingo, 4 de abril de 2010
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domingo, 4 de abril de 2010
A noite, na estrada
Não gosto da estrada à noite. Ela é estranha e triste.
Difícil eu me sentir feliz na estrada, à noite. Enquanto o carro balança, do fundo do meu rio são evocados fantasmas incômodos e amargurados.
Acho que todos os fantasmas são amargurados, se não não seriam fantasmas; seriam apenas pessoas que partiram.
As árvores na beira da pista são misteriosamente tristes. É como se soubessem de alguma coisa grave que eu ainda não sei. E como se desejassem contar, mas não ousassem. Da mesma forma que eu, elas olham e sentem a presença dos atropelados que não conseguem sair dali. Ficam parados, olhando os carros passarem. Eles tem o mesmo olhar distante das árvores e como elas, não fazem nenhuma menção de sair dali, nem mesmo de acenar. Apenas olham atentamente os viajantes como se quisessem reconhecer alguém. Como se um dos rostos pudesse, de repente, devolver-lhes a memória.
Esses seres da noite me deixam melancólia. Então, fatalmente, acabo lembrando de dores recentes e dores antigas. Na estrada, à noite, elas se equivalem: as velhas e as novas têm o mesmo peso e gravidade, por isso meus olhos ficam úmidos. É quando me cai no colo uma pesada solidão. Sabe aquela solidão sem jeito e sem remédio, que você sabe que não vai passar nunca? Pois é. Não é solidão de falta de companhia; é solidão de coração com excesso de lugares vagos.
Solidão de coração com excesso de lugares vagos...
Olho os ciclistas silenciosos pedalando por entre os fantasmas. Não se olham, não se assustam uns com os outros. O que faz uma pessoa vaguear assim sozinha em um lugar tão lúgubre? Tenho tanta pena dos ciclistas da noite! Desejo oferecer-lhes ao menos um chocolate quente.
A pior solidão é a da beira da estrada, quando sabemos que aconteça o que acontecer, ninguém vai parar para nos dar um abraço; todos seguirão em direção aos seus lugares mornos, a um aconchego seguro e muito distante dali. Também sigo, mas cheia de lembranças e lágrimas querendo motivo.
Não gosto de ver aquelas pessoas paradas com o olhar perdido enquanto passo. Sinto por elas algo parecido com o sentimento pelos ciclistas da noite. Aí me vem minha mãe à lembrança... só que quando estou na estrada ela também tem o olhar parado. É estranho e incômodo.
O carro, decidido, me leva dali. Minha cabeça está cheia de lembranças reverentes e um tanto cinzas. Passam meus irmãos ainda pequenos... passa a mesa de jantar com sopa quente... passam os balões coloridos, de aniversário... passam os cadernos e lápis... passo eu! Ali, pequenina e amada! ... Passam as primeiras flexadas de felicidade, o amor e, depois, a paixão esmaecendo... E pelas costas um frio fatal... uma coisa incômoda... uma necessidade de pedir abrigo.
Vai demorar muito para o sol nascer?
Difícil eu me sentir feliz na estrada, à noite. Enquanto o carro balança, do fundo do meu rio são evocados fantasmas incômodos e amargurados.
Acho que todos os fantasmas são amargurados, se não não seriam fantasmas; seriam apenas pessoas que partiram.
As árvores na beira da pista são misteriosamente tristes. É como se soubessem de alguma coisa grave que eu ainda não sei. E como se desejassem contar, mas não ousassem. Da mesma forma que eu, elas olham e sentem a presença dos atropelados que não conseguem sair dali. Ficam parados, olhando os carros passarem. Eles tem o mesmo olhar distante das árvores e como elas, não fazem nenhuma menção de sair dali, nem mesmo de acenar. Apenas olham atentamente os viajantes como se quisessem reconhecer alguém. Como se um dos rostos pudesse, de repente, devolver-lhes a memória.
Esses seres da noite me deixam melancólia. Então, fatalmente, acabo lembrando de dores recentes e dores antigas. Na estrada, à noite, elas se equivalem: as velhas e as novas têm o mesmo peso e gravidade, por isso meus olhos ficam úmidos. É quando me cai no colo uma pesada solidão. Sabe aquela solidão sem jeito e sem remédio, que você sabe que não vai passar nunca? Pois é. Não é solidão de falta de companhia; é solidão de coração com excesso de lugares vagos.
Solidão de coração com excesso de lugares vagos...
Olho os ciclistas silenciosos pedalando por entre os fantasmas. Não se olham, não se assustam uns com os outros. O que faz uma pessoa vaguear assim sozinha em um lugar tão lúgubre? Tenho tanta pena dos ciclistas da noite! Desejo oferecer-lhes ao menos um chocolate quente.
A pior solidão é a da beira da estrada, quando sabemos que aconteça o que acontecer, ninguém vai parar para nos dar um abraço; todos seguirão em direção aos seus lugares mornos, a um aconchego seguro e muito distante dali. Também sigo, mas cheia de lembranças e lágrimas querendo motivo.
Não gosto de ver aquelas pessoas paradas com o olhar perdido enquanto passo. Sinto por elas algo parecido com o sentimento pelos ciclistas da noite. Aí me vem minha mãe à lembrança... só que quando estou na estrada ela também tem o olhar parado. É estranho e incômodo.
O carro, decidido, me leva dali. Minha cabeça está cheia de lembranças reverentes e um tanto cinzas. Passam meus irmãos ainda pequenos... passa a mesa de jantar com sopa quente... passam os balões coloridos, de aniversário... passam os cadernos e lápis... passo eu! Ali, pequenina e amada! ... Passam as primeiras flexadas de felicidade, o amor e, depois, a paixão esmaecendo... E pelas costas um frio fatal... uma coisa incômoda... uma necessidade de pedir abrigo.
Vai demorar muito para o sol nascer?
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