terça-feira, 13 de abril de 2010

Mochila fosforescente

Se eu pudesse voltar ao passado...

De vez em quando a gente pensa isso, não é? Você já pensou.  Mas será que voltar é algo desejável mesmo?  Ou você só quer algumas cenas escolhidas?

Claro que você só quer algumas cenas escolhidas. Conheço você!  Todos temos ceninhas de cinema salpicadas em nossa vida chocha. É elas que queremos e não o todo. Deus sacou isso, bateu pé ("Ou leva todo o pacote ou não leva nada!")  e por fim tirou a marcha ré da carroça da nossa vida. Lascou-se.

Tudo bem, mas se você tivesse ré, voltaria ao passado?  Já sei o que vai me perguntar:  "- Passado? Mas de qual passado você está falando?"    Boa pergunta. Você é esperto.

Considere que não há um único "passadão" para nos referirmos.  Mesmo as piores novelas são divididas em capítulos. Sendo assim, há um monte de "passadinhos" em nossa tosca prateleira.  E esses "passadinhos" estão classificados e acondicionados em vidros separados: o do Passado Remoto, Passado Antigo e Passado Recente. Qual dessas velharias lhe seduz?

O passado antigo esmaece enquanto o recente é fresco e vivo. Desse ouço até vozes e cheiros. Parece estar ao alcance da minha mão. É convidativo, acolhedore e aparentemente acessível. Só aparentemente.

O presente, quando se torna em passado torna-se impenetrável como uma rocha.

Sabe, não há fantasia mais doce do que acreditar que podemos retornar a cenários antigos para retomar o fio da meada e viver feliz para sempre, dessa feita sem mancada.

Quando estou naqueles dias pratico a nociva atividade de consolar-me com essa idéia de voltar a fita. Felizmente passa rápido porque alguém lá no fundo canta a pedra: "O passado petrificou! Ninguém entra, ninguém sai de lá!"

Mas se pudesse eu voltaria? Hmmm...

Raciocinemos: voltar ao passado sem a cabeça e as informações do presente, não teria graça. Faltaria a consciência dessa volta, então não seria "voltar lá e curtir de novo",  mas seria apenas repetir a mesmíssima história. VOCÊ QUER?

Seria como ver novamente o mesmo filme, com os personagens não sabendo que aquilo tudo é repetido, sem saber o que aconteceu ou vai acontecer. Aí todo mundo faz novamente as mesmas coisas erradas. Não dá.

E a segunda opção? Voltar ao passado com a cabeça e as informações do presente?  Também não dá. Eu não sou mais a mesma. Seria como colocar o personagem de uma novela em outra novela. Olha a confusão!  Além do mais o presente está todo desconjuntado; falta pano de um lado e sobra de outro. Hoje há novas alegrias, novas mágoas, novos personagens, novas conclusões, novos sentimentos. E ainda por cima falta um monte de persnagem da história.  Como retomar a minissérie nessas condições?

Nada de hoje cabe no que passou. Voltar ao ontem com a cabeça do hoje? Impraticável.  Ao voltar, mentalmente me vejo carregada de novas histórias que não caberiam naquele enredo. Fica absurdo, uma coisa assim como... como uma mochila fosforescente colada em minhas costas em um cenário do século XIX. Não dá.

Uma reconstrução nada mais seria do que uma imitação deprimente do filme original. Não há passado para o qual voltar. É tolice pensar que ele está nos esperando. Não está. Cada dia o nosso passado fica mais diferente de nós mesmos. Se voltássemos ele não nos reconheceria, nem nós a ele.

Mesmo assim há dias em que, teimosamente, gosto de pensar que posso. Ah aquelas cenas!  Há cenas dignas de um filme também em meu passado e são essas cenas tendenciosas que nos puxam. Não deveríamos nos impressionar. Se chegássemos lá, constataríamos que a coisa não é bem assim.  Ah como a gente esquece da mediocridade do resto...

Seria bom voltar a ser simples e apaixonada, jovem e cheia de idéias, com mil vontades e disposição imbatível e sem celulites. Só que

Não posso
Não sei
Não consigo.

Tudo o que eu tenho é o hoje e o que hoje eu sou (e que deixarei de ser daqui a pouco). - "E isso não é bom?"  Sei lá.  Mais pra frente, se eu sentir vontade de voltar, é sinal de que foi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

terça-feira, 13 de abril de 2010

Mochila fosforescente

Se eu pudesse voltar ao passado...

De vez em quando a gente pensa isso, não é? Você já pensou.  Mas será que voltar é algo desejável mesmo?  Ou você só quer algumas cenas escolhidas?

Claro que você só quer algumas cenas escolhidas. Conheço você!  Todos temos ceninhas de cinema salpicadas em nossa vida chocha. É elas que queremos e não o todo. Deus sacou isso, bateu pé ("Ou leva todo o pacote ou não leva nada!")  e por fim tirou a marcha ré da carroça da nossa vida. Lascou-se.

Tudo bem, mas se você tivesse ré, voltaria ao passado?  Já sei o que vai me perguntar:  "- Passado? Mas de qual passado você está falando?"    Boa pergunta. Você é esperto.

Considere que não há um único "passadão" para nos referirmos.  Mesmo as piores novelas são divididas em capítulos. Sendo assim, há um monte de "passadinhos" em nossa tosca prateleira.  E esses "passadinhos" estão classificados e acondicionados em vidros separados: o do Passado Remoto, Passado Antigo e Passado Recente. Qual dessas velharias lhe seduz?

O passado antigo esmaece enquanto o recente é fresco e vivo. Desse ouço até vozes e cheiros. Parece estar ao alcance da minha mão. É convidativo, acolhedore e aparentemente acessível. Só aparentemente.

O presente, quando se torna em passado torna-se impenetrável como uma rocha.

Sabe, não há fantasia mais doce do que acreditar que podemos retornar a cenários antigos para retomar o fio da meada e viver feliz para sempre, dessa feita sem mancada.

Quando estou naqueles dias pratico a nociva atividade de consolar-me com essa idéia de voltar a fita. Felizmente passa rápido porque alguém lá no fundo canta a pedra: "O passado petrificou! Ninguém entra, ninguém sai de lá!"

Mas se pudesse eu voltaria? Hmmm...

Raciocinemos: voltar ao passado sem a cabeça e as informações do presente, não teria graça. Faltaria a consciência dessa volta, então não seria "voltar lá e curtir de novo",  mas seria apenas repetir a mesmíssima história. VOCÊ QUER?

Seria como ver novamente o mesmo filme, com os personagens não sabendo que aquilo tudo é repetido, sem saber o que aconteceu ou vai acontecer. Aí todo mundo faz novamente as mesmas coisas erradas. Não dá.

E a segunda opção? Voltar ao passado com a cabeça e as informações do presente?  Também não dá. Eu não sou mais a mesma. Seria como colocar o personagem de uma novela em outra novela. Olha a confusão!  Além do mais o presente está todo desconjuntado; falta pano de um lado e sobra de outro. Hoje há novas alegrias, novas mágoas, novos personagens, novas conclusões, novos sentimentos. E ainda por cima falta um monte de persnagem da história.  Como retomar a minissérie nessas condições?

Nada de hoje cabe no que passou. Voltar ao ontem com a cabeça do hoje? Impraticável.  Ao voltar, mentalmente me vejo carregada de novas histórias que não caberiam naquele enredo. Fica absurdo, uma coisa assim como... como uma mochila fosforescente colada em minhas costas em um cenário do século XIX. Não dá.

Uma reconstrução nada mais seria do que uma imitação deprimente do filme original. Não há passado para o qual voltar. É tolice pensar que ele está nos esperando. Não está. Cada dia o nosso passado fica mais diferente de nós mesmos. Se voltássemos ele não nos reconheceria, nem nós a ele.

Mesmo assim há dias em que, teimosamente, gosto de pensar que posso. Ah aquelas cenas!  Há cenas dignas de um filme também em meu passado e são essas cenas tendenciosas que nos puxam. Não deveríamos nos impressionar. Se chegássemos lá, constataríamos que a coisa não é bem assim.  Ah como a gente esquece da mediocridade do resto...

Seria bom voltar a ser simples e apaixonada, jovem e cheia de idéias, com mil vontades e disposição imbatível e sem celulites. Só que

Não posso
Não sei
Não consigo.

Tudo o que eu tenho é o hoje e o que hoje eu sou (e que deixarei de ser daqui a pouco). - "E isso não é bom?"  Sei lá.  Mais pra frente, se eu sentir vontade de voltar, é sinal de que foi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário