segunda-feira, 27 de julho de 2009

De bolha em bolha


A vida segue em linha reta. Nada afeta seu curso. Um dia é igual ao outro; sol vai, sol vem, chuva cai, chuva seca, envelhecemos, pessoas nascem, engordam, emagrecem, brigam, amam. Trabalhamos, dormimos, acordamos. Nos sujamos todos os dias, todos os dias tomamos banho.

Ninguém aguentaria sem alguma forma de fuga essa sequência em linha reta que só muda o curso pra baixo, no precipício da morte.

Essa é a razão pela qual o ser humano especializou-se em "criar climas". Os "climas" nada mais são do que NADAS. Mas quem vive sem nada?

Somos inventores, por exemplo, de datas especiais. Não existe engôdo maior. Como assim "data especial"? Não existem datas especiais pois não existem dias que se repetem. Eles não se repetem jamais, mas criamos essa mentirinha para ter o que esperar, para ter motivo para confeccionar e depois olhar para um calendário, contar os dias e depois comemorarmos coisas. Rirmos, bebermos, congratularmo-nos... tudo nos tais "dias especiais" que, no final das contas, não existem. Mas queremos que existam então, nada contra. Se faz bem, tudo bem.

Somos seres criadores. Somos um barato. De onde tiramos esse negócio de comemorar aniversário? O dia em que nasci não voltará nunca mais. Por quê me animo ou fico melancólica em 13 de novembro? Que coisa mais sem sentido!

Agora deixando esse lance de data pra lá, outra arma poderosa para criar coisas que não existem, absolutamente do nada é a música.

Hoje estive assistindo um vídeo com a apresentação de uma linda canção. Dava pra notar que a "temperatura emocional" tanto da cantora quanto da platéia ia crescendo durante a apresentação até chegar a um ápice.

Todos se sentregavam "àquilo" sem medo e até gostavam. Ninguém iria sair daquele teatro reclamando de hipnose grupal. Pagaram pra entrarm, se emocionaram, beberam, talvez até mais da conta por conta da emoção, se envolveram uns com os outros... (sabe Deus o que apareceu nove meses depois) mas tudo bem. Precisamos do êxtase.

As câmeras mostravam, no meio da canção, as pessoas já com gestos melosos sorrindo umas para as outras. Os olhares já estavam mais brilhantes do que no início da música. Mulheres já deitavam candidamente a cabeça no ombro de seus parceiros... (e sabe-se lá onde eles deitavam candidamente as mãos). Até a cantora jogou para seu colega, enquanto cantava com ele, um olhar tão brilhoso e melante que parecia uma adolescente apaixonada. Não estava apaixonada, penso eu, mas era a coisa do momento, magia da música. Pintou um clima. Se apagassem as luzes não sei para onde a coisa evoluiria.

E é assim que a vida se torna mais palatável.

A vida segue reta mas aquele momento musical criou uma bolha, redonda e cor-de-rosa, nessa marcha monótona. Depois cada um volta ao seu ritmo mas ficam lá dentro da cabeça, ressoando, os momentos, os sons, os gestos de carinho, a vontade de dizer "eu te amo!" e o beijo que aconteceu - ou não. Fica tudo isso pairando enquanto seguimos reto, enquanto produzimos ou esperamos por um outro ilusionismo. Porque reto ninguém aguenta mas de bolha em bolha a gente vai que vai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

segunda-feira, 27 de julho de 2009

De bolha em bolha


A vida segue em linha reta. Nada afeta seu curso. Um dia é igual ao outro; sol vai, sol vem, chuva cai, chuva seca, envelhecemos, pessoas nascem, engordam, emagrecem, brigam, amam. Trabalhamos, dormimos, acordamos. Nos sujamos todos os dias, todos os dias tomamos banho.

Ninguém aguentaria sem alguma forma de fuga essa sequência em linha reta que só muda o curso pra baixo, no precipício da morte.

Essa é a razão pela qual o ser humano especializou-se em "criar climas". Os "climas" nada mais são do que NADAS. Mas quem vive sem nada?

Somos inventores, por exemplo, de datas especiais. Não existe engôdo maior. Como assim "data especial"? Não existem datas especiais pois não existem dias que se repetem. Eles não se repetem jamais, mas criamos essa mentirinha para ter o que esperar, para ter motivo para confeccionar e depois olhar para um calendário, contar os dias e depois comemorarmos coisas. Rirmos, bebermos, congratularmo-nos... tudo nos tais "dias especiais" que, no final das contas, não existem. Mas queremos que existam então, nada contra. Se faz bem, tudo bem.

Somos seres criadores. Somos um barato. De onde tiramos esse negócio de comemorar aniversário? O dia em que nasci não voltará nunca mais. Por quê me animo ou fico melancólica em 13 de novembro? Que coisa mais sem sentido!

Agora deixando esse lance de data pra lá, outra arma poderosa para criar coisas que não existem, absolutamente do nada é a música.

Hoje estive assistindo um vídeo com a apresentação de uma linda canção. Dava pra notar que a "temperatura emocional" tanto da cantora quanto da platéia ia crescendo durante a apresentação até chegar a um ápice.

Todos se sentregavam "àquilo" sem medo e até gostavam. Ninguém iria sair daquele teatro reclamando de hipnose grupal. Pagaram pra entrarm, se emocionaram, beberam, talvez até mais da conta por conta da emoção, se envolveram uns com os outros... (sabe Deus o que apareceu nove meses depois) mas tudo bem. Precisamos do êxtase.

As câmeras mostravam, no meio da canção, as pessoas já com gestos melosos sorrindo umas para as outras. Os olhares já estavam mais brilhantes do que no início da música. Mulheres já deitavam candidamente a cabeça no ombro de seus parceiros... (e sabe-se lá onde eles deitavam candidamente as mãos). Até a cantora jogou para seu colega, enquanto cantava com ele, um olhar tão brilhoso e melante que parecia uma adolescente apaixonada. Não estava apaixonada, penso eu, mas era a coisa do momento, magia da música. Pintou um clima. Se apagassem as luzes não sei para onde a coisa evoluiria.

E é assim que a vida se torna mais palatável.

A vida segue reta mas aquele momento musical criou uma bolha, redonda e cor-de-rosa, nessa marcha monótona. Depois cada um volta ao seu ritmo mas ficam lá dentro da cabeça, ressoando, os momentos, os sons, os gestos de carinho, a vontade de dizer "eu te amo!" e o beijo que aconteceu - ou não. Fica tudo isso pairando enquanto seguimos reto, enquanto produzimos ou esperamos por um outro ilusionismo. Porque reto ninguém aguenta mas de bolha em bolha a gente vai que vai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário